No rain, no gain?
A matriz de energia brasileira tem uma grande dependência das fontes hídricas. É verdade que essa dependência diminuiu bastante recentemente, mas a influência ainda é considerável. Nos últimos anos, o quadro de chuvas foi bem desafiador (quem não lembra do apagão ou da crise hídrica de 2021?!) e agora, em 2024, as preocupações com abastecimento de energia tem aparecido novamente.
Recentemente, a ANEEL anunciou a tal bandeira-vermelha, tarifa especial na conta de luz, cobrada em momentos de escassez de chuvas. O impacto do encarecimento é direto no bolso (acho que você já percebeu na sua conta de luz), mas também indireto, influenciando nas expectativas de inflação, na decisão do banco central e, consequentemente, na renda fixa.
Na News desta semana abordaremos este tema, demonstrando a atual situação, mas terminando o texto com um “pingo de esperança’, se me permitem o trocadilho.
A grande dependência hídrica
A matriz elétrica brasileira conta com grande dependência hídrica. Embora por um lado seja algo muito bom, visto que é uma fonte renovável e limpa, não prejudicando tanto o meio ambiente quanto outras, por outro ficamos à mercê das chuvas. Em termos de capacidade instalada, cerca de 60% é proveniente de fontes hídricas, 13% eólica, 7% solar e o demais de fontes térmicas e outras.
Outro ponto tão importante quanto esta dependência, mas obviamente interligado, é a sazonalidade das fontes de geração, isto é, tem períodos em que umas geram mais energia e outras menos. De modo geral, no primeiro semestre vemos maior participação das fontes hídricas, que apresentam uma melhor performance, enquanto solar e eólica tem desempenho mais modesto. No segundo semestre o panorama se inverte, melhor eólica e solar e pior hídrico.
No gráfico abaixo fica ainda mais evidente essa sazonalidade. O destaque positivo ao longo dos últimos anos foi uma maior diversificação da matriz, com eólica e solar ganhando maior participação, o que contribui para uma amenização da dependência hídrica.
A escassez de chuvas e os reservatórios
Bom, entendido a grande dependência hídrica, como é a composição da matriz e a sazonalidade, um ponto muito importante a ser discutido é a escassez de chuvas. Há quem diga que a escassez é derivada tanto do fenômeno El Niño, vivenciado em 2023, quanto do La Niña, ainda ocorrendo em 2024, que distorcem a precipitação. Outros argumentam as mudanças climáticas globais, mas o fato é que choveu menos.
É claro que as chuvas são muito importantes para a geração hídrica (ora, ora, temos um Sherlock Holmes aqui). Mas esta importância é dividida em duas partes, sendo a primeira a afluência dos rios. Mas o que seria isto? Quando chove o volume de água nos rios se eleva, o que permite ter mais vazão nas usinas hídricas, refletindo em maior geração de energia elétrica a partir disto.
Mas e quando chove menos? A ENA (Energia Natural Afluente), que mede a vazão dos rios, fica comprometida, gerando então menos energia hídrica. Nos gráficos abaixo destacamos a ENA de todas as grandes régios do Brasil. A maior parte das hidroelétricas estão concentradas no subsistema Sudeste/Centro- Oeste, que é exatamente onde tem chovido menos.
A escassez de chuvas e os reservatórios
Além da ENA menor comprometer a geração hídrica em si, muitas das usinas no Brasil possuem reservatórios, uma grande e complexa estrutura que permite armazenar água nas barragens, permitindo a geração de energia no período seco do ano, mas que também é comprometida com a vazão menor.
Aqui nós reforçamos de novo, para o Brasil a armazenagem é também muito importante, visto toda a dependência da matriz elétrica, sendo o segundo ponto de importância. Por ser também o maior em termos de reservatórios, o Subsistema Sudeste/Centro-Oeste tem observado sua situação se deteriorando de forma mais considerável devido à escassez de chuvas.
A notícia boa é que o período chuvoso normalmente começa nas últimas semanas de outubro. Sim, esta News foi exatamente calculada, pensada e
arquitetada para ser escrita na presente data e podermos usar isto como gancho (risos). Brincadeiras à parte, o período chuvoso começou bem em muitos centros importantes, principalmente no sudeste, o que se espera que com uma normalização do quadro pluviométrico, ou seja, mais chuvas, torne a situação da geração hídrica mais confortável e dos reservatórios também.
O setor elétrico, a inflação e a renda fixa.
Quando a geração hídrica foi comprometida, sendo necessário então o acionamento das energias térmicas, que são fontes mais elevadas, o custo de energia todo encareceu. Este e outros motivos levam então ao acionamento das bandeiras tarifárias, que tornam a conta de energia de luz das residências mais cara.
Para outubro foi decretado a bandeira vermelha patamar 2, que teoricamente é a mais elevada, embora na última crise hídrica, 2021-2022, tenha sido criada a bandeira preta, mais elevada ainda.
Segundo as nossas estimativas, um aumento de 1% na conta de luz tem impacto de 0,05% no IPCA. O último IPCA, de setembro, foi de 0,44%, sendo que quase metade foi em decorrência da bandeira vermelha. Assim, o encarecimento da energia tem impactos diretos na inflação.
Obviamente, toda essa situação também influencia o mundo da renda fixa. O Banco Central tem a meta de levar a inflação para 3%, o que tem sido uma tarefa difícil, visto que a economia segue bastante aquecida, estímulos fiscais consideráveis continuam em vigor, além destes choques diretos, como da energia elétrica e da gasolina (conforme falamos na News da semana passada). Mas, não é um caso perdido. Se o período chuvoso colaborar, teremos oportunidades de dias melhores.
Dica cultural
Sim, eu sei, muitos ficaram bravos comigo na última News ao dizer que The Sopranos era a melhor série de todos os tempos e não The Wire. Para reparar um pouco tal situação, a dica cultural de hoje vai para The Wire, A Escuta, em português. Há quem diga que é uma trama policial, mas eu discordo. Entendo que o “personagem” principal é a cidade de Baltimore, que mostra seus diversos lados, como corrupção, tráfico, os trabalhadores, moradores comuns, a polícia, e diversas outras facetas, o que a torna uma série muito interessante.