E se o Brasil retaliar?
Passado o prazo de 90 dias para realizar acordos comerciais com os países afetados pelas tarifas do Liberation Day, o governo americano vem divulgando as novas tarifas a entrarem em vigor a partir do dia 1º de agosto. Ao contrário do que ocorreu no dia 2 de abril, o Brasil foi um dos mais afetados pela nova política tarifária, recendo uma taxa de 50% sobre os produtos exportados, ante os 10% anunciados inicialmente.

A magnitude da tarifa surpreendeu devido ao fato da economia brasileira incorrer em déficit comercial persistente com os EUA, o que torna a economia americana vulnerável à uma retaliação por parte do governo brasileiro, o que poderia, inclusive, reverter o superávit que os Estados Unidos detêm frente ao Brasil.

Em artigo recente, analisamos o impacto das tarifas sobre a economia brasileira, e concluímos que seria relativamente pequeno, devido à baixa abertura comercial brasileira e à baixa exposição das nossas exportações ao mercado americano. Mas uma hipótese importante, implícita em nossa análise, é que o Brasil não retalie as tarifas americanas, aumentando as tarifas sobre as importações na mesma magnitude.
Até o momento, o governo não cogita retaliar e pretende solucionar o impasse através de vias diplomáticas. Mas quais seriam os impactos econômicos dessa retaliação?
A retaliação óbvia seria a da reciprocidade: o Brasil aumentaria os tributos de importação de bens vindos da economia americana em 50 pontos percentuais. Entretanto, calcular esse impacto não é trivial. Apesar da retaliação ser facilitada no caso brasileiro por conta de uma economia fechada e que, inclusive, incorre em déficit de bens e serviços com os americanos, o cálculo se complica quando consideramos que alguns insumos-chave da economia brasileira são majoritariamente importados dos EUA. Tarifar essas importações pode gerar um efeito cascata por vários setores, particularmente na indústria, que é altamente dependente de insumos intermediários.

Para tanto, utilizamos um modelo capaz de capturar as nuances intersetoriais da economia brasileira para calcular o efeito agregado e desagregado de uma eventual retaliação, levando em consideração possíveis efeitos de segunda ordem, conhecidos no jargão econômico como efeitos de equilíbrio geral.
Mais especificamente, simulamos um modelo de Equilíbrio Geral com redes de produção, pautado nos dados mais recentes da Matriz-Insumo Produto e da Tabela de Recursos e Usos brasileira, que abrangem 67 setores econômicos e 127 produtos. Compatibilizamos a abertura de produtos da MIP com a abertura de produtos importados disponibilizados pelo MDIC para calcular o vetor de tributação imposto nos setores conforme os cenários contrafactuais analisados neste artigo.
Em uma eventual retaliação por reciprocidade, a elevação das tarifas sobre bens americanos em 50 p.p. se traduziria num imposto efetivo de 18,8p.p. no carvão mineral, seguido por diversos produtos químicos e bens de capital que, mesmo não sendo os produtos cuja importação mais depende dos EUA, contam com baixa disponibilidade de substitutos produzidos domesticamente.

Mapeando o impacto dos produtos para os setores, calculamos que a tarifa retaliatória se traduziria num imposto efetivo de 3p.p. na indústria química, seguida por diversos outros setores manufatureiros e, também, da agricultura que é altamente dependente dos defensivos agrícolas, que devem ser efetivamente tributados em 4,5p.p. neste cenário.

A partir do choque tributário, estimamos uma perda de 0,17p.p. no PIB brasileiro, além do impacto direto das tarifas americanas sobre os produtos brasileiros. O impacto macroeconômico, apesar de pequeno, esconde uma ampla dispersão no impacto setorial: 56 dos 66 setores perdem neste cenário, com a indústria química sofrendo um decréscimo de 6,3p.p. na produção seguida por quedas menores porém significativas em outros segmentos da indústria de transformação, que como um todo apresentaria redução de 2,1p.p. no valor agregado. Os setores beneficiados são associados a serviços que pouco dependem de insumos industriais e apresentam ganhos muito menores, associados à mudança de preços relativos na economia que induz substituição no consumo.

Como reflexo do método de equilíbrio geral implementado, percebe-se impacto negativo significativo para o refino de açúcar, grande exportador, por conta da dependência de transporte e combustíveis que são impactados mais diretamente pela medida. Curiosamente, o setor doméstico de carvão – o mais protegido pelas tarifas – seria um dos mais prejudicados, por conta da alta dependência de insumos químicos, enfatizando os possíveis danos que podem ser gerados por uma política de retaliação que não considera as nuances setoriais da economia.
Esse exercício sugere que a retaliação não seria uma abordagem benéfica ao país, justamente por aumentar as distorções da economia. Para ilustrar, simulamos um cenário hipotético, que não parece ser uma opção considerada pelo governo, em que a retaliação envolve a redução das tarifas de importação dos bens produzidos pelo resto do mundo em 10p.p., enquanto mantém as tarifas sobre os produtos americanos intactas no atual patamar.
Neste cenário percebemos um alívio de 9,9p.p. na tributação efetiva dos componentes eletrônicos, seguidas por produtos químicos, pescados, carvão e bens de capital diversos, refletindo algumas diferenças entre o que o Brasil importa dos EUA e do resto do mundo, ainda que o panorama geral seja o mesmo. Em termos setoriais, destaca-se o alívio tributário proporcionado para a manufatura de vestuário, informática, automóveis e autopeças além dos setores já abordados anteriormente, sendo os três últimos beneficiados pela redução de tarifas nos componentes eletrônicos.


Traduzindo a alteração na tributação efetiva para a produção agregada, estimamos um incremento de 0,12p.p. no PIB que é disperso entre 57 dos 66 setores analisados. Apesar da lista dos maiores beneficiados ser parecida com o cenário anterior, notam-se diferenças na magnitude dos efeitos. Por exemplo, o setor de refino de petróleo é um dos mais prejudicados em caso de retaliação por reciprocidade, enquanto na retaliação alternativa, em que reduz os impostos de importação do resto do mundo, ele é um dos mais beneficiados, um fator importante a se considerar na escolha da retaliação, se houver, uma vez que o setor de refino conta com elevada participação nas nossas exportações. Finalmente, cabe ressaltar, que as estimativas obtidas aqui são de equilíbrio geral, portanto, reportam o impacto total sobre o PIB após todas as compensações feitas pelos agentes econômicos em resposta às mudanças nos incentivos econômicos.

De modo geral, as simulações reportadas aqui mostram como as tarifas são distorcivas para a economia, e sugere que uma resposta mais benéfica à economia seria justamente maior abertura ao comércio internacional, reduzindo as tarifas cobradas sobre produtos importados.