Sinais de estabilização, porém um futuro carregado de incertezas
Nas últimas semanas, alguns indicadores reportados na segunda maior economia do mundo mostraram possível estabilização e elevaram parcialmente os ânimos dos mercados, apesar das incertezas que perduram para o futuro. Desde o início do ano vimos mantendo o tom de cautela para a retomada chinesa, tendo em vista os indicadores apresentados até então, em especial no que tange a crise no setor imobiliário (mais agressiva do que o antecipado), endividamento do governo chinês (em patamar preocupante e limitante) e a crise de confiança da população que tem limitado seus gastos, retomando investimentos. Somado a isso, o benefício do boom populacional e do processo de urbanização chega ao fim, acompanhado de um alto nível de jovens desempregados (cerca de 20%, de acordo com a última divulgação antes da decisão do governo de suprimir estas informações) o que coloca em xeque a evolução econômica do país para os próximos anos. Por fim, nos últimos meses a queda generalizada da inflação na China intensificou o risco de deflação, trazendo um novo fator de preocupação a uma economia que deve crescer menos que os 5% esperados para este ano.
Especificamente para o setor de Siderurgia e Mineração, o desafio é ainda maior. O principal mercado consumidor de aço, o segmento imobiliário, tem sofrido com uma crise sem precedentes no país, após posicionamento do governo para evitar a especulação, cravado na fala de Xi Jinping de que “casas são para morar e não especular”, o que fez com que os preços dos imóveis despencassem, a confiança no setor deteriorasse e a poupança do chinês (composta majoritariamente por imóveis) encolhesse. Além disso, vimos grandes incorporadoras chinesas fortemente afetadas pelo crédito restrito, queda na demanda e pressão pela conclusão de projetos não finalizados, o que elevou os custos em momento de receitas minguadas. Adicionalmente, o processo de urbanização observado nas últimas décadas não deve mais ajudar o consumo de aço no país, que vem reduzindo desde 2020, quando chegou ao pico com a produção siderúrgica somando 1,1 bilhão de tonelada. Com estes e outros dados macroeconômicos desfavoráveis, os papéis voltados à economia chinesa recuaram fortemente nos últimos meses, após mercado perceber que poderíamos estar vendo um processo de transição da maior economia do mundo.
No entanto, quando olhamos as dinâmicas de curto prazo, enxergamos algumas peculiaridades. A produção siderúrgica no país voltou a crescer, mesmo com a demanda ainda enfraquecida. Nos últimos meses, o volume produzido ficou acima da média dos últimos cinco anos, atrás apenas dos patamares recordes de 2020. Aqui vale ressaltar a sazonalidade do período mais quente (verão no hemisfério norte) que auxilia na maior produção, bem como o início do processo de reestocagem em preparo para o ano novo lunar. Mesmo acima da média, a produção até agora fica apenas 2,2% acima do acumulado, o que justifica a decepção com o setor, tendo em vista a base comparativa mais fraca em virtude do processo de lockdown ainda em vigor em 2022.
Ao mesmo tempo, os estoques de aço estão abaixo da média de cinco anos. Essas dinâmicas têm contribuído, momentaneamente, para o atual nível de preços do minério de ferro que, apesar das notícias decepcionantes com China, seguem acima de US$ 100/t. De acordo com os últimos números divulgados, o PMI Manufatura da China continua em patamar contracionista, abaixo de 50 pontos, porém evoluindo. A Produção Industrial cresceu 3,7% em julho, abaixo das expectativas, o que não justifica o aumento recente da produção siderúrgica pelo lado da demanda interna. Entretanto, um dado chama atenção. As exportações chinesas de produtos siderúrgicos têm avançado e voltam a preocupar outras nações, inclusive o Brasil. Dados recentes do IABR mostram que as importações de aço no país já somam 2.689 kton no acumulado de 2023, o equivalente a um mês de produção local. Em julho, foram importados 481,5 kton de aço, 73% acima da média mensal de 2022. Recentemente, a Europa anunciou estudos para medidas anti-dumping sobre importações de veículos elétricos chineses, as quais mais que dobraram ante 2022 e hoje já registram 8% do total do mercado europeu. Apesar dos estímulos anunciados recentemente não estarem surtindo o efeito esperado na economia local, acreditamos que o governo tem flexibilizado algumas medidas pontuais visando a exportação como alternativa ao menor consumo interno.
Neste sentido, vemos, no curto prazo, uma oportunidade se abrindo para papéis de mineradoras que se beneficiam deste aumento da demanda e dos preços ainda elevados do minério de ferro, ao mesmo tempo que vemos uma ameaça maior para as siderúrgicas locais, que podem ter novamente as dores de cabeça do passado com produtos importados mais baratos ganhando market-share e pressionando preços no mercado interno, refletindo parcialmente nas margens destas companhias.