Um novo ano começa para a China e vemos agora mais oportunidades que desafios
A China volta do feriado do Ano Novo Lunar, dando início ao ciclo do tigre e, após um ano difícil, tendo que provar que a situação não é tão desafiadora quanto parece. Com mercados convencidos da nova realidade no país e absorvendo os impactos de uma crise imobiliária que deve continuar, vemos a situação já precificada e podemos ter uma reversão dos movimentos de queda iniciados em 2023, quando vimos um desapontamento das expectativas de recuperação econômica pós fim do lockdown. Apesar de ainda esperarmos alguns ajustes no curto prazo em alguns segmentos, como o de commodities metálicas que persistiam em patamares bem mais elevados via especulação, olhando para frente vemos oportunidades de ganhos via bolsa, em especial em segmentos como Varejo de Luxo, com retomada do consumo, Metais Básicos, com a agenda verde do governo, Tecnologia, refletindo o plano de desenvolvimento em Tecnologia e Inovação anunciado no ano passado e no setor Automotivo chinês, com foco em veículos elétricos.
Os primeiros dados divulgados pelo Ministério da Cultura e Turismo mostraram que os gastos com turismo excederam em 47,3% o observado no ano passado e ultrapassaram os níveis de 2019, mas vale a ressalva de que houve um dia a mais na contagem. As viagens domésticas cresceram 34,3% a/a e 19% mais que os níveis pré-pandêmicos. No entanto, quando observamos os gastos médios por viagem, houve recuo de 9,5% ante 2019, confirmando a cautela do consumidor local com relação às expectativas para os próximos meses. Nas próximas semanas, os mercados aguardarão atentos aos números macroeconômicos chineses, buscando uma maior compreensão do real ritmo da economia por lá, especialmente após os diversos estímulos implementados pelo governo ao longo de todo 2023. Nos últimos meses, além dos incentivos ao mercado de crédito com redução do compulsório, por exemplo, o governo passou a atuar no mercado de capitais, direcionando as empresas estatais com recursos investidos no exterior a internalizar estes valores no mercado de ações local. Além disso, houve forte estímulo para programas de recompra, o que impulsionou, forçosamente, os preços das ações.
Os últimos dados mensais refletem, parcialmente, as dificuldades enfrentadas pelo gigante asiático ao longo do último ano. A produção industrial no país cresceu 6,8%, levemente acima do esperado, enquanto a capacidade de utilização avançou de 75,6% para 75,9%. Um destaque positivo foi o avanço no setor automotivo, energia renovável, smartphones e circuitos integrados, todos crescendo na faixa dos dois dígitos, e em linha com o sinalizado pelo governo chinês sobre investimentos focados em tecnologia e inovação. As vendas ao varejo também avançaram 7,4% a/a, apesar de terem ficado aquém do esperado pelo mercado.
Mas a China lida com alguns problemas mais profundos e de difícil solução, dentre eles a crise do setor imobiliário e a falta de confiança da população e dos investidores. No setor imobiliário – responsável por cerca de 35% da demanda chinesa de aço – os dados mostram que a crise continua. O setor encolheu 9,6% a/a, ao passo que as vendas de casas recuaram, juntamente com o número de novas construções. Preços dos imóveis também retraíram, seguindo menor apetite do investidor chinês e a falta de confiança no setor.
Pela ótica macroeconômica, a China reportou um crescimento do PIB de 5,2% a/a no 4T23, acima do target, mas abaixo dos 5,3% esperados pelo mercado, e recuperando ante o crescimento de 3% que vimos em 2022. Com isso, os índices asiáticos mantiveram a tendência de queda observada ao longo dos últimos meses, puxando também os preços das commodities e ações de setores expostos à economia chinesa. O número trouxe consigo questionamentos sobre o ritmo de crescimento esperado para 2024, especialmente quanto à falta de eficácia dos estímulos anunciados pelo governo até agora.
Do lado da indústria, os dados do PMI Manufatura, tanto oficial quanto Caixim, oscilam nos 50 pontos, flertando com o nível contracionista, e refletem a dificuldade da atividade em ganhar tração. De mesma forma, a inflação segue em campo negativo, mostrando que a demanda interna continua enfraquecida.
Ao mesmo tempo, a produção siderúrgica surpreendeu positivamente. Em 2023, a média mensal ficou em 84 Mt, acima da média mensal dos últimos cinco anos e em linha com a produção de 2022. Mas o consumo aparente de aço chinês continua em contração. As exportações, por outro lado, avançaram significativamente e estão no maior nível desde 2016, quando os altos volumes de aço exportado pela China levaram a uma onda protecionista global que culminou na Section 232 nos Estados Unidos, durante o governo Trump. O alto nível das exportações chinesas tem também reacendido as discussões sobre medidas protecionistas não só nos Estados Unidos, mas também na Europa e aqui no Brasil. Em 2023, as importações de aço no Brasil foram 51% maiores que o observado em 2022, elevando as discussões entre governo, siderúrgicas e a própria indústria quanto à taxação ou não de produtos de aços importados.
Parte deste gap deixado pelo setor de Real Estate foi compensado por projetos de infraestrutura verde, finalização de obras residenciais atrasadas e o setor automotivo, com os incentivos à fabricação de veículos elétricos. Aliás, o nível de produção e vendas de veículos no país tem acelerado significativamente desde o início do ano passado, assim como as exportações, o que tem gerado desconforto em outras economias, como Europa, que anunciou medidas para reduzir a entrada de veículos chineses na região no fim do ano passado.
No entanto, o movimento de transição para uma economia mais verde, adotado pelo governo desde antes da pandemia, volta a ganhar força, seja via projetos de infraestrutura, seja via investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, visando, por exemplo, o maior consumo de energias alternativas. Este processo deve se refletir em maior demanda por baterias, o que, por consequência, deve elevar o consumo de materiais básicos como níquel, lithium, cobre e cobalto. Além disso, o direcionamento do novo plano de desenvolvimento do governo chinês focado em Inovação e Tecnologia deve impulsionar o desenvolvimento das indústrias de software, hardware e robótica, para citar alguns selecionados.
Em se tratando de minério de ferro, os patamares observados ao longo dos últimos meses não se mostram condizentes com o que vimos no setor imobiliário, mas a força da produção siderúrgica contribuiu para parte destes níveis mais elevados, mantendo os preços da commodity padrão, o MF62, na casa dos US$ 130 – US$140/t. Contudo, na volta do feriado, já vimos uma pressão inicial nos preços, com o mercado receoso quanto ao impacto do setor imobiliário na demanda. Os níveis de estoques nos portos chineses, contrariamente às expectativas, subiram durante o feriado.
Na última segunda-feira (19), o banco central chinês surpreendeu o mercado e cortou a taxa de referência de 5 anos na maior intensidade desde 2019. Essa taxa é particularmente importante para os financiamentos imobiliários, entretanto, deve ser mais uma medida ineficaz, uma vez que a China passa por algo muito próximo a uma recessão de balanço, na qual o foco dos agentes é desalavancar, pagando suas dívidas. Então, reduzir os juros no intuito dos chineses tomarem mais empréstimos não deverá funcionar nesse caso. Os chineses não compram imóveis porque os custos de financiamento são elevados, mas sim pelo receio da construtora quebrar e dos imóveis desvalorizarem, erodindo suas riquezas. Lembramos que em 2023 vimos um movimento de recomposição de poupança dos chineses, em recuperação ao estrago causado pela deterioração dos preços dos imóveis.
E, conforme mencionamos, o mercado de commodities não parece comprar esses estímulos também. Após a decisão do banco central chinês, os futuros de aço e minério de ferro negociados nas bolsas chinesas estavam caindo, indicando que se antecipa a continuidade de uma demanda enfraquecida, especialmente no mercado imobiliário.
O que poderemos ver a partir de agora é uma correção destes preços a níveis mais realistas, excluindo o aspecto especulativo, o que poderia pressionar os papéis de mineradoras no curto prazo, mas abrindo uma oportunidade para uma visão mais de longo prazo. Pelo lado da demanda, o governo chinês deve seguir anunciando e implementando medidas para estimular diferentes setores da economia, além do já deteriorado setor imobiliário. Outros setores devem continuar o ritmo de expansão, como o automotivo, principalmente para veículos elétricos, e o de infraestrutura verde, e não devemos ver o ritmo das exportações diminuindo. Além disso, o movimento de recomposição da poupança observado ao longo dos últimos anos parece ter estabilizado, o que poderia abrir espaço para uma leve retomada do consumo nos próximos trimestres. Por fim, os ativos de risco chineses abriram um significativo gap versus demais pares internacionais, principalmente quando comparado com o S&P500, que segue em patamar recorde, tornando esse primeiro barato na comparação entre múltiplos.