O caso SVB e os impactos nos bancos americanos e no Brasil.
Nos últimos dias a notícia da falência do banco norte-americano Silicon Valley Bank (SVB), que atuava principalmente no atendimento a empresas de tecnologia, localizado na Califórnia, gerou uma onda de especulações e volatilidade para as instituições financeiras ao redor do mundo e por aqui.
O caso SVB. Com a economia norte-americana enfrentando maiores desafios para combater elevada inflação, o Fed adotou uma política monetária mais restritiva e elevou a taxa de juros no país, o que culminou em maior alavancagem das companhias, escassez de liquidez no mercado, que por muito tempo financiou companhias de tecnologia. Agora com maior necessidade de caixa e um cenário macroeconômico desafiador, as startups passaram a resgatar suas aplicações em seus bancos e no caso do SVB o movimento foi intensificado, em razão de sua alta concentração nesse nicho empresarial. Porém, normalmente em uma instituição financeira, existe uma capacidade demandada de um banco visando cobrir os depósitos e o Fed, desde a crise de 2008, requer que os bancos por lá mantenham índices de liquidez maiores que 100% (Liquidity Covered Ratio) – que consiste na instituição financeira manter ativos de alta qualidade para cumprir com seus passivos (depósitos) de curto prazo em uma eventual demanda por saques. Neste caso, os bancos costumam manter um nível de ativos de curto prazo em boa proporção aos depósitos à vista e geralmente essas aplicações são de natureza de baixo risco. No caso de aplicações em ativos que possuem riscos à taxa de juros, como os bonds, eles costumam sofrer a marcação a mercado, o que pode afetar positivamente ou negativamente seu valor justo. No caso do SVB, o banco possuía grande parte dos ativos de liquidez incorrendo em risco de taxa de juros sem haver qualquer tipo de proteção para esse montante. Boa parte destes títulos eram marcados na curva, classificados como Held To Maturity (Mantidos até o vencimento) e neste caso, o banco sofreu com dois problemas: i) juros em alta causando perda no valor justo desses ativos (que estavam marcados na curva com perdas não-realizadas) e ii) volumes de saques aumentando, causando necessidade de liquidez. Os dois fatores combinados escancararam a falta de liquidez do banco, já que esses ativos, que precisavam ser resgatados possuíam valor de face menor que o apresentado em seu balanço. Considerando a marcação a mercado dos ativos do SVB classificados como HTM, as perdas não-realizadas seriam de cerca de US$ 15 bilhões, impactando quase a totalidade do seu patrimônio líquido de US$ 16 bilhões, que praticamente zeraria seu Basileia. Dado o cenário de falta de liquidez do banco, o Fed interveio e o FDIC (fundo garantidor dos bancos) foi acionado para garantir aos depositantes receberem seus saques. Com isso, foi dada a liquidação do SVB e a notícia trouxe à tona a fragilidade de algumas instituições Financeiras nos Estados Unidos.
Efeitos nos bancos americanos. O caso do SVB acabou gerando uma crise de confiança em instituições financeiras que possuíam exposição ao SVB, o que acionou um alerta para um risco sistêmico no mercado norte-americano. Para entender melhor o tamanho do problema por lá, segundo dados do FDIC, o resultado não-realizado das instituições financeiras nos Estados Unidos, somava 2 trilhões de dólares, maior valor já visto desde 2008, causado pelo efeito do aumento da taxa de juros. Porém, antes do caso SVB, o número de bancos na lista de “problemáticos” do FIDC era pequeno com 39 instituições totalizando US$ 47 bilhões em ativos. Se consideramos o SVB e o Signature Bank, o total de ativos avança significativamente para US$ 322 bilhões, chegando a níveis de 2008.
Há risco sistêmico? Consideramos que o caso do SVB foi específico e que apesar dos bancos regionais estarem na mira e sofrendo com demanda de saques, acreditamos que as respostas do FDIC e do Fed têm sido em boa velocidade para conter este problema eventual de má gestão de risco de uma instituição financeira em específico, que não tem a ver com o que ocorreu em 2008 com a quebra do Lehman Brothers.
Um olhar sobre as perdas não-realizadas e os impactos sobre os principais bancos norte-americanos. Levando em consideração que o mercado americano opera relevantemente com títulos que incorrem risco de taxa de juros, realizamos um teste sobre os principais bancos de grande porte norte-americanos para observar se boa parte dos ativos de liquidez imediata se encontram com perdas não-realizadas relevantes que possam afetar seus respectivos patrimônios e indicadores de risco e liquidez. No teste realizado, vimos que os impactos no patrimônio líquido de uma eventual necessidade de resgate desses títulos mantidos até o vencimento para suprir uma corrida bancária (que não é o caso dos grandes bancos, e sim dos regionais), causaria efeitos negativos importantes, mas que poderiam ser contidos e não afetariam todo o patrimônio líquido dos bancos, como foi o caso do SVB. Os bancos mais impactados seriam o BofA e Wells Fargo, que possuem maior exposição ao risco de taxa de juros dentre os demais. Mas ressaltamos que estas instituições possuem uma base de depósitos diversificada e contam com gestão de risco adequada.
Regional Banks em evidência. Com a repercussão do fato, os bancos regionais apresentaram forte queda versus os grandes bancos, que teoricamente possuem uma estrutura mais sólida. Por fim, a discussão agora se volta para as taxas de juros norte-americanas e os seus efeitos, que agora recaem sobre bancos com menor rigor regulatório. Como podemos observar abaixo, alguns desses players possuem uma liquidez fragilizada e com isso, casos como o do Signature Bank, e mais recentemente First Republic Bank, ganharam evidência com o tamanho dos seus depósitos versus seus ativos. Além disso, outros regional banks também mostram situação delicada caso a corrida bancária continue e os juros permaneçam elevados por mais tempo.
No Brasil a história é outra. Se por um lado os bancos estrangeiros acabam se expondo mais ao risco das taxas de juros, por aqui as instituições financeiras já estão acostumadas a um ambiente de maior inflação e taxas de juros elevadas. Desta forma, há uma maior cautela por parte da gestão de liquidez dos bancos nacionais, como podemos observar nos indicadores e exposições ao risco da taxa de juros, vide os efeitos não-realizados de fair value dos TVMs classificados a custo amortizado, que geraram impactos irrelevantes sobre o patrimônio líquido de todos os bancos de nossa cobertura. Além disso, os indicadores de capital regulatório foram pouco afetados e estão bem acima do mínimo requerido de capital, mesmo considerando os níveis ajustados para além dos 8% de capital principal, 9,5% de capital nível 1 e basileia de 11,5%. Até mesmo para os bancos pequenos e médios, a liquidez se mostra adequada e índices de Basileia confortáveis. Portanto, não vislumbramos um cenário em que os mesmos riscos que estão afetando a indústria financeira norte-americana afetem o sistema financeiro nacional e a qualidade em termos de riscos e liquidez por aqui tanto para grandes, quanto para pequenos e médios.
Problemas diferentes por aqui. Se por um lado o Sistema Financeiro Nacional se mostra robusto, por outro, o que traz incertezas em termos de rentabilidade para as instituições financeiros para o ano de 2023 são outros fatores, alguns cíclicos e outros regulatórios como: i) cenário restritivo de crédito devido a desafios macroeconômicos de maior endividamento das famílias e inadimplência no crédito à pessoa física e MPMEs; ii) cenário restritivo do crédito corporativo com o menor volume de emissões após casos como Americanas e maior nível de endividamento das companhias o que tem pressionado o custo do crédito (confira o relatório aqui); iii) redução do teto dos juros do crédito consignado realizada pelo INSS, impactando de forma negativa a rentabilidade na oferta do produto ( confira o relatório aqui) e iv) rumores de uma regulamentação para implementar o teto de juros no cartão de crédito, um fator adicional de pressão na rentabilidade da indústria.