Impasse da dívida americana traz volatilidade ao mercado
De tempos em tempos a dívida americana fica no centro das atenções. Isso porque o congresso americano impõe um teto à dívida federal que, se atingindo, impede o tesouro americano de fazer a rolagem da dívida. Nessa eventualidade, o governo americano se veria obrigado a entrar em default. Para evitar essa situação, o congresso americano tem de entrar em acordo para elevar o limite do teto e permitir ao tesouro retornar à normalidade.
O governo americano atingiu o limite da dívida no dia 19 de janeiro desse ano. Isso quer dizer que a economia americana entrou em default? Não. Desde então, o tesouro americano tem feito uso da sua conta geral e, através de medidas extraordinárias, tem evitado o shutdown do governo americano. Entretanto, essas medidas têm prazo de validade. Como podemos ver no gráfico abaixo, a conta geral do tesouro tem perdido recursos de maneira acelerada e no atual ritmo espera-se que o dinheiro acabe no próximo mês de junho, o que forçaria o governo a parar de funcionar até que o impasse fosse resolvido.
Essa situação não é novidade
Desde a segunda guerra mundial, o teto da dívida foi aumentado 78 vezes e suspenso outras 5 vezes. O teto da dívida era visto como uma rotina parlamentar que não chamava atenção. A situação mudou em 2011, quando a Câmara dominada pelo partido Republicano não chegou a um acordo com o Senado, então dominado pelo partido Democrata. Entre 2012 e 2020, a opção adotada foi por suspender o teto da dívida ao invés de aumentá-lo. Em 2021, o teto da dívida finalmente foi aumentado pelas lideranças do partido Democrata que dominava tanto a Câmara quanto o Senado, mas o aumento foi suficiente apenas para postergar a crise até o início desse ano.
E o que acontece se nenhuma solução for alcançada? Na última grande crise do teto da dívida, em 2013, o comitê de política monetária americano, o FOMC, fez uma reunião extraordinária para tratar do assunto. Na ata dessa reunião, eles apontam que o tesouro teria que se pautar por três princípios básicos na eventualidade do Congresso não elevar o limite da dívida: i) os pagamentos do principal e dos juros de títulos do tesouro continuariam sendo feitos como previsto; ii) o tesouro decidiria, diariamente, se faria ou adiaria qualquer outro pagamento federal; e iii) quaisquer pagamentos efetuados seriam liquidados normalmente.
Caso uma solução não seja alcançada até o próximo mês, podemos esperar muita incerteza. A percepção de risco sobre a economia americana aumentou consideravelmente nos últimos meses por conta desse impasse. À medida que nos aproximamos do dia D, a probabilidade de um default aumenta. Por conta disso, investidores estão exigindo um prêmio cada vez maior sobre os títulos de curtíssimo prazo do tesouro americano, como podemos pelo CDS na figura abaixo.
Entretanto, um eventual default seria sem precedentes. A história nos diz que uma solução será encontrada para evitar o pior, justamente porque as consequências seriam tão graves, não sendo de interesse de nenhum dos partidos.
Mesmo que o default não ocorra, as consequências serão negativas. A crise do teto da dívida de 2011, que foi a mais intensa de todas, resultou em um rebaixamento da dívida americana e impactou negativamente o crescimento da economia americana nos anos subsequentes, através de condições financeiras mais apertadas e uma política fiscal contracionista, que foi parte do acordo que encerrou a crise. Entre 2012 e 2015 que o episódio reduziu os gastos fiscais discricionários em 2,5% ao ano, fazendo com que a política fiscal retirasse 1,4 p.p do PIB entre 2012 e 2013. Trazendo para o contexto de hoje, isso é uma péssima notícia para uma economia que já está em clara desaceleração econômica, levando a uma desaceleração ainda maior no segundo semestre.
Como se posicionar nesse contexto?
A última grande crise, ocorrida em 2011, pode nos dar algumas ideias. Naquele ano, o Congresso elevou o teto da dívida apenas 2 dias antes do dia D, em que o Tesouro ficaria sem recursos. Com isso, os ativos de risco performaram mal. O dólar desvalorizou, as ações caíram fortemente e os spreads de crédito abriram. Por outro lado, as Treasuries tiveram bom desempenho, mas também influenciada por outras crises que aconteciam simultaneamente, como a crise da dívida europeia.