Revisamos nossa projeção de superávit primário consolidado para 2022 para 1% do PIB
O crescimento do PIB acima do esperado e a consequente elevação da arrecadação, em combinação com o teto de gastos deve resultar em superávit consolidado de 1% em 2022 . Essa estimativa já contempla as medidas de redução de impostos e aumento de transferências, conforme aprovação da Pec dos Benefícios e da PLP 18. Até julho de 2022, o superavit primário acumulado estava em 2,5% do PIB , segundo dados divulgados pelo Banco Central e a dívida bruta sobre o PIB teve nova queda para 77,6%. O forte resultado acumulado até julho, que inclui o superavit de R$116 bilhões dos estados e municípios, reflete além da inflação mais alta no período, o crescimento econômico, o ciclo favorável de commodities, mercado de trabalho mais robusto, e o controle de despesas, principalmente com servidores e com a previdência.
Para 2023 em diante, ainda temos incertezas relacionadas ao próximo governo e novas propostas que podem vir, como a continuação do auxílio de R$600 reais, a correção da tabela de IR, a tributação sobre dividendos e o reajuste de servidores. A PLOA para 2023 contempla um resultado primário negativo em R$63 bilhões, mas não inclui propostas que ainda estão sendo debatidas. No nosso cenário base, prevemos um superávit consolidado de 0,3% em 2023, uma redução em relação a 2022, mas ainda baseado na crescente arrecadação. Ao final do relatório, apresentamos uma análise de sensibilidade com cenários de flexibilização do teto e impacto na trajetória da dívida.
Crescimento do PIB e crescimento das as receitas
O principal fator para a melhora fiscal em 2022 foi o crescimento da arrecadação. A alta da receita total do governo central até julho foi de 15% em termos reais, sendo 10% o crescimento da receita administrada. Historicamente, a receita administrada acompanha a evolução do PIB nominal: tanto um aumento da atividade quanto da inflação eleva a receita das empresas e a base tributária, o que resulta na maior arrecadação.
Estimamos o crescimento do PIB nominal próximo de 12% em 2022, com impacto da alta das comodities e crescimento dos setores de serviços, incluindo o mercado de trabalho mais robusto. Segundo índice IC-Br do Banco Central, após subir 50% em 2021, o preço das commodities em reais cresceu 5% em 2022. Esse fenômeno impacta as receitas do governo de duas formas. Primeiramente, os termos de troca em alta estimulam a atividade e a renda doméstica, resultando em crescimento da base tributária. Além disso, os preços elevados de commodities geram aumento da arrecadação com: i) exploração de recursos naturais, ii) IRPJ sobre o lucro das empresas, e iii) receita com dividendos da Petrobrás.
Carga tributária e redução de impostos
A redução de impostos deve desacelerar o crescimento da arrecadação, mas não representa risco fiscal, considerando despesas sob controle. O crescimento da carga tributária em 2021 foi de quase 2 p.p. do PIB para 33,9%. Até julho de 2022, estimamos que a carga estava próxima de 35%, bem superior à média dos países da OCDE de 33% e da América Latina em 23%. Considerando a atual alta na carga, a redução de impostos não representa um risco iminente de retorno ao déficit, caso as despesas sigam controladas.
Nos estados, a arrecadação de ICMS cresceu cerca de 4% acima da inflação até julho de 2022, chegando a 7,5% do PIB em 12 meses. A limitação das alíquotas em 18% para combustíveis e energia deve trazer de volta a receita ara o patamar histórico de 6,8%. Os estados podem evitar a volta do déficit controlando o crescimento de gastos e adiando reajustes como feito nos últimos anos em negociação com o governo federal.
A redução de impostos antiquados e excessivos sobre o consumo está em linha com as propostas de reforma tributária debatidas hoje no Congresso, além do plano de ingresso do Brasil na OCDE. Ao invés de discutir a volta das alíquotas de PIS, Cofins, IPI e ICMS em 2023, devemos discutir o avanço da reforma tributária, visando a simplificação do sistema, com a criação do IVA e a maior progressividade da tributação sobre a renda. A proposta de imposto de renda sobre dividendos pode contribuir para uma eventual recomposição das receitas tanto do governo central como dos estados.
O teto de gastos e evolução das despesas
O teto de gastos teve um importante papel nos últimos anos ao controlar a expansão das despesas, mesmo com as recentes flexibilizações. Os gastos cresceram em média 6% ao ano entre 2003 e 2016, quando chegaram ao pico de 20% do PIB. Mesmo após as despesas extraordinários com a pandemia em 2020, terminaremos 2022 com gastos em 18,3%, a primeira redução efetiva de gastos em décadas.
A reforma da previdência tem importante contribuição no controle de gastos. Essa linha, que possui o maior peso nas despesas do governo, deve registrar 8,1% do PIB em 2022, depois de ter alcançado 8,5% em 2017.
As despesas com pessoal também tiveram retração nos últimos anos. A ausência de reajustes a servidores públicos, e o congelamento de concursos, levou a despesa com pessoal de 4,2% do PIB em 2019 para 3,5% em 2022.
Queda da dívida
Crescimento do PIB e resultado fiscal positivo, resultaram em queda da dívida bruta e dívida líquida. A dívida bruta, que chegou a 89% do PIB em 2020, deve encerrar 2022 em 77%, bem abaixo da expectativa que era de 90% há um ano. A dívida líquida também deve ter redução de 63% para 58%. Apesar do custo de dívida em elevação, devido ao aumento da Selic e da inflação, o resultado primário positivo, os desinvestimentos das estatais e devoluções do BNDES vem permitindo uma redução mais acelerada da dívida publica. Ainda assim, entendemos que o pata mar atual é elevado e bem acima dos pares emergentes, em torno de 65%, portanto é fundamental que a consolidação fiscal continue avançando para manter a trajetória decrescente da dívida.
Cenários para 2023 em diante
Com a iminência de um novo governo em 2023 e as incertezas com relação à continuidade da política fiscal, elaboramos cenários de aumento de gastos nos próximos anos e impacto na dívida. Nosso cenário base inclui a flexibilização do teto em cerca de R$60 bilhões a partir de 2023. Nesse cenário, o superavit primário cairia para 0,3% em 2023 voltando a crescer a partir de 2024 e a dívida/PIB teria pico de 82% em 2027. Caso a flexibilização chegue a 1,2 p.p. do PIB, a dívida cresceria até 85%, estabilizando somente a partir de 2029. O cenário com o teto sem gastos adicionais, significaria uma convergência mais rápida, para 76% em 2030.
Concluímos que a conjuntura econômica atual teve significativa melhor, mas ainda aponta para desafios no quadro fiscal no longo prazo. O cenário base parte de diversas premissas importantes, como governo comprometido com o ajuste fiscal gradual. Nesse sentido, medidas de redução de impostos e aumento de gastos podem ter impactos relevantes na trajetória futura da dívida. Além disso, choques como uma recessão global, com queda das commodities ou a persistência da inflação via nova desvalorização cambial, também podem ter impacto negativo. Embora as variáveis projetadas mostrem tendência de estabilização no longo prazo, as métricas de dívida domésticas seguem em nível elevado na comparação com outros países emergentes, de forma que a política fiscal e orçamentária seguir com grande relevância no quadro político e econômico brasileiro nos próximos anos. Apesar da melhora recente nas contas públicas, não há espaço para licença para gastar.