Macroeconomia


Internacional | Janeiro 2025

1FE74EB4-3BA2-4326-8616-33FEB07ED31F_1_201_a - cópia

André Valério

Publicado 24/jan2 min de leitura

Resumo

  • Economia americana dá sinais de retomada do crescimento, o que pode pressionar ainda mais o mercado de trabalho.
  • Ao mesmo tempo, o processo de desinflação encontra obstáculos, com a inflação americana encerrando 2024 com alta acumulada de 2,9%.
  • As políticas econômicas de Trump devem contribuir ainda mais para o aquecimento da economia americana, aumentando o risco inflacionário. Ainda assim, acreditamos que o Fed irá entregar mais dois cortes na taxa de juros, antes de encerrar o ciclo. Mas o balanço de riscos se torna cada vez mais tênue.

Atualização do cenário internacional

Tipicamente, ciclos de corte de juros são antecipados pelo mercado de renda fixa, que passa a precificar juros menores no futuro e mantém essa precificação à medida que o banco central realiza os cortes. O atual ciclo realizado pelo Fed tem sido diferente. O mercado até antecipou o ciclo de queda dos juros, mas desde o início dos cortes por parte do Fed em setembro, os juros longos americanos avançaram 90 pontos base, completamente destoante do movimento típico nos juros americanos em ciclos de corte do passado, como se pode ver no gráfico.

Essa regularidade nos juros longos acontece porque, tipicamente, processos inflacionários são vencidos com a ajuda de uma recessão, que forçam o banco central a cortar a taxa de juros. Dessa vez não foi diferente. O mercado começou a precificar juros menores à luz da divulgação de dados preocupantes sobre o mercado de trabalho americano, quando em agosto os dados do payroll vieram mais fracos que o esperado, fazendo com que a taxa de desemprego alcançasse o pico do ciclo, acionando à chamada Regra de Sahm, que sempre precedeu uma recessão na economia americana, até agora.

Entretanto, a dinâmica saiu do roteiro após o início do ciclo de cortes em setembro, quando o Fed iniciou o ciclo em um ritmo mais forte que o esperado. Isso quer dizer que o mercado de títulos acredita que o Fed cometeu um erro de julgamento? Não necessariamente. Desde o início do ciclo de cortes, nenhum dado da economia americana reforçou o receio de que ela estaria caminhando para uma recessão.

Pelo contrário. O que se vê são sinais de robustez e até mesmo retomada do dinamismo da atividade. De setembro a dezembro, a economia americana adicionou 766 mil novos empregos e a taxa de desemprego recuou para 4,1%. Os pedidos de seguro-desemprego em momento algum deu sinais de aceleração, indicando um mercado de trabalho em equilíbrio. De fato, pelos dados divulgados pelo JOLTS, que acompanha os anúncios de vagas de emprego, o que se nota é uma normalização desses anúncios, indicando que o mercado de trabalho tem ficado cada vez mais difícil de se conseguir um novo emprego, mas, ao mesmo tempo, também é difícil perder emprego.

Com isso, vemos uma inflação mais persistente que o esperado. Em 2024, a economia americana teve uma inflação de 2,9%, ainda distante da meta de 2%. Apesar da melhoria frente a inflação de 2023, que acumulou alta de 3,3%, a inflação americana tem acelerado nos últimos meses, saindo de 2,4% em setembro para os atuais 2,9%. Além disso, o núcleo da inflação se mostra ainda mais persistente, tendo encerrado 2024 com alta acumulada de 3,2%. Para completar, o dado de dezembro sugere uma retomada na inflação de itens mais cíclicos, como passagens aéreas, carros usados e aluguéis de carro, ao mesmo tempo em que a inflação de bens, que foi uma das grandes forças deflacionárias ao longo de 2024, dá sinais de retomada.

E esses sinais de retomada também aparecem nos dados de atividade. A produção industrial em dezembro avançou 0,9%, enquanto era esperado uma alta de apenas 0,3%, movimento que é corroborado pelo indicador antecedente da indústria calculado pelo Federal Reserve da Filadélfia, que em janeiro saltou de maneira significativa. Além disso, observa-se uma melhora acentuada na perspectiva dos pequenos empresários, melhorando a perspectiva de contratação e investimento dessas empresas.

O fator Trump

A vitória de Trump nas eleições de novembro tem influência na mudança das expectativas do mercado e dos empresários. Trump foi eleito com uma agenda de desregulação, diminuição de impostos, a promessa de um governo mais eficiente, menores preços de energia, ao mesmo tempo em que promete proteger os negócios americanos da competição externa. Essas promessas soam como música aos ouvidos dos empreendedores, portanto, é justificável o maior otimismo deles. Mas essas políticas também têm alto viés inflacionário, o que justifica a visão do mercado de que os juros serão maiores no longo prazo.

Essas medidas podem aquecer ainda mais a economia americana, particularmente o mercado de trabalho. Indicadores antecedentes sugerem que a demanda por trabalho pode intensificar nos próximos meses, ao mesmo tempo em que há sinais de que o mercado trabalho não deve deteriorar ainda mais. Finalmente, uma política imigratória mais rígida, aliada ao envelhecimento da força de trabalho, tende a pressionar os salários pelo lado da oferta em um momento em que os salários ainda crescem a uma taxa inconsistente com a meta de inflação.

Há ainda a incerteza sobre as tarifas, grande promessa de campanha de Trump e que contribuiu tanto para a piora dos juros longos americanos quanto para o fortalecimento do dólar pós eleição. Até o momento, Trump tem mais ameaçado do que agido. Em seu discurso de posse ele não foi tão taxativo quanto se esperava nesse tema e foi bem suave em relação à China. Por outro lado, ele afirmou que poderá colocar em prática uma tarifa de 25% sobre o Canadá e o México, sob o argumento de que esses países têm permitido a entrada irrestrita de imigrantes e drogas ilegais através de suas fronteiras com os Estados Unidos. Entretanto, convém lembrar que em 2017 Trump fez as mesmas ameaças para o México, mas nunca implementou tais tarifas. Vemos o mercado reduzindo gradualmente a expectativa de que as tarifas serão implementadas, especialmente a tarifa universal e irrestrita proposta em campanha. Com isso, podemos ver o dólar devolver boa parte da valorização pós eleição, em linha com o observado no ciclo de 2016, como o gráfico ao lado sugere.

De todo modo, as propostas de Trump tem um caráter estimulativo e inflacionário. A combinação dessas políticas com uma economia bastante robusta, pode ser um entrave para a queda dos juros. Ainda assim, é cedo afirmar que o Fed já tenha entregado todos os cortes, como boa parte do mercado precifica. As expectativas inflacionárias estão ancorando ao redor da meta, especialmente a dos empresários. Além disso, a economia americana dá sinais de que está bem próxima ao seu equilíbrio. Nesse contexto, faz sentido para o Fed trazer a taxa de juros para o seu patamar neutro, que nesse momento estimamos ser em torno de 4%. Assim, a política monetária estaria bem-posicionada para lidar com os choques futuros, portanto, ainda vislumbramos mais dois cortes de 25 pontos base esse ano, um na reunião de março e outra na de junho. Mas o balanço de riscos se torna cada vez mais tênue.


Compartilhe essa notícia

Notícias Relacionadas

Receba nossas análises por e-mail