Resumo
- Desde 2022 diversos indicadores antecedentes de recessão “infalíveis” falharam. Recentemente, mais um desses indicadores foi acionado, a chamada Regra de Sahm. Ainda assim, não há sinais de que uma recessão esteja prestes a ocorrer.
- Um fator que reduz essa probabilidade é o início do ciclo de corte nos juros americanos em setembro. À medida que a inflação desacelera e o mercado de trabalho enfraquece, o Fed tem se mostrado mais preocupado em evitar uma desaceleração abrupta da atividade.
- Powell, em Jackson Hole, deixou claro que não deseja ver um enfraquecimento adicional do mercado de trabalho e que o próximo passo da política monetária é reduzir os juros.
- Assim, com os dados de momento, esperamos que o Fed corte 75 pontos base até o fim do ano, aumentando as chances de um pouso suave da economia americana, o que pode ter consequências positivas para a economia brasileira, com real apreciado e menor inflação.
Chegou a hora de ajustar a política monetária
Desde 2022, diversos indicadores antecedentes da economia americana sugerem que uma recessão na economia americana é iminente, mas tal recessão segue sendo postergada. Talvez o indicador mais alardeado seja a curva de juros, que está invertida desde julho de 2022. Tipicamente, as curvas de juros “saudáveis” têm um formato logarítmico, ou seja, os juros pagos nos vencimentos mais curtos são menores que nos vencimentos mais longos. Uma vez que a curva de juros é a descrição gráfica dos custos de financiamentos de acordo com uma maturidade, é razoável que vencimentos mais longos estejam associados com taxas maiores devido à maior incerteza e ao maior custo de oportunidade.
A inversão da curva de juros implica que as taxas mais curtas são maiores que as mais longas. Essa inversão é vista como um prenúncio de uma recessão, pois uma das formas de racionalizar tal comportamento é que os investidores acreditam que uma recessão irá acontecer no curto prazo, o que forçaria a redução dos juros para combater os efeitos de tal recessão. Entretanto, a curva de juros é fruto da formação de expectativas dos agentes financeiros e, portanto, está sujeita a muito ruído. Por conta disso, diz-se de maneira jocosa, que a inversão da curva de juros antecipou 15 das últimas 10 recessões.
Portanto, já são mais de dois anos desde que a curva de juros americana está invertida. Nesse período, a economia americana cresceu 5,8% em 2021, 1,9% em 2022, 2,5% em 2023, e está em trajetória para ter mais um ano de crescimento robusto em 2024, crescendo 3% até o 2º trimestre desse ano. Com isso, o medo de recessão, que era extremamente presente em 2022, foi diminuindo, a ponto de a visão do mercado passar a ser de que a economia não desacelerará ou realizará o tal almejado pouso perfeito.
Entretanto, desde o início desse mês, os receios de uma recessão voltaram a ganhar força devido ao resultado pior que o esperado do payroll americano referente a julho, que indica que a economia americana adicionou 114 mil empregos, bem abaixo da expectativa de criação de 176 mil empregos. Com isso, a taxa de desemprego alcançou 4,3%, o maior valor desde outubro de 2021, e, assim, disparou o gatilho da regra de Sahm, mais um indicador antecedente de recessão.
A regra de Sahm, elaborada pela economista Claudia Sahm, é uma regularidade empírica que sugere que uma recessão sempre acontece na economia americana quando a média móvel de 3 meses da taxa de desemprego fique 0,5 ponto percentual acima da mínima da mesma média móvel dos últimos 12 meses. Entretanto, podemos estar observando mais um alarme falso, pois a regra de Sahm funciona particularmente bem quando se tem uma diminuição na taxa de participação na força de trabalho, como se vê no gráfico abaixo.
Nesse momento, temos uma tendência oposta, com a taxa de participação dos trabalhadores em idade ideal (entre 25 e 54 anos de idade) aumentando e atingindo 84% na última divulgação dos dados de mercado de trabalho. Isso sugere que a taxa de desemprego está aumentando por questões associadas à oferta de trabalho, devido ao maior número de imigrantes, por exemplo, do que associadas à demanda por trabalho, o que seria mais preocupante do ponto de vista da atividade econômica.
Nos Estados Unidos, um período é classificado como recessivo de acordo com o comportamento de nove séries macroeconômicas. Segundo o NationalBureau ofEconomic Research, instituto responsável pela catalogação dos ciclos econômicos, uma recessão envolve o declínio significativo da atividade econômica e de maneira difusa, durando mais que alguns meses.
O gráfico abaixo mostra a dinâmica dessas variáveis, e não sugere uma desaceleração intensa na atividade. Isso não significa que não haverá uma recessão, eventualmente, até porque, por definição, todo ciclo econômico encerra-se em uma recessão.
Se os dados não sugerem uma recessão iminente, eles indicam que a economia americana está caminhando para uma normalização. Com a inflação convergindo à meta, o mercado de trabalho menos apertado e a atividade esfriando na margem, as condições para o início do ciclo de cortes nos juros estão postas. No início do mês tivemos a experiência traumática da correção dos mercados asiáticos, o que trouxe grande volatilidade ao restante do mundo e suscitou pedidos de corte de juros emergenciais pelo Fed. Não nos parece ser o caso. Na nossa visão, tais cortes virão de maneira gradual, como demanda o cenário, mantendo uma política monetária ainda contracionista, mas ajustando o grau do aperto monetário para condizer com o atual cenário de normalização.
Esse cenário foi corroborado por Powell em seu discurso realizado no último dia 23 no simpósio econômico de Jackson Hole. Lá ele afirmou categoricamente que chegou a hora de ajustar a política monetária, indicando que na sua visão os riscos para o mercado de trabalho nesse momento são maiores que os riscos inflacionários, afirmando que a desaceleração no mercado de trabalho é inquestionável, que o mesmo não deverá ser uma fonte de pressão inflacionária no curto prazo e que não busca nem deseja um enfraquecimento adicional do mercado de trabalho, exatamente o oposto do que ele disse nesse mesmo lugar em 2022, quando afirmou que uma recessão no mercado de trabalho talvez fosse necessária para trazer a inflação de volta à meta.
Não foi. Ao dar início ao ciclo de cortes nesse momento, Powell está na rara posição de conseguir o tão sonhado pouso suave. Justamente por isso não esperamos movimentos bruscos na taxa de juros. Powell afirmou que o próximo movimento da política monetária é claro, mas que sua intensidade e frequência dependerão dos dados que serão divulgados nos próximos meses. Com os dados de momento, esperamos que o Fed corte 75 pontos base até o fim do ano, 25 pontos em cada uma das três reuniões restantes, mas esse cenário está condicionado à manutenção da atual tendência. Se os dados do payroll referente a agosto indicarem uma desaceleração mais intensa do mercado de trabalho, poderemos ter um ritmo mais intenso de cortes, com o primeiro movimento sendo de 50 pontos base. Ao se antecipar, o Fed reduz a probabilidade da economia americana entrar em recessão e aumenta a probabilidade do pouso suave. Esse contexto poderá ser extremamente favorável para economias emergentes, pois iniciará uma busca por retornos elevados fora dos Estados Unidos, podendo ter ramificações na economia brasileira via real apreciado e menor inflação.
Diz-se que Deus criou a taxa de câmbio para ensinar humildade aos economistas, mas talvez a maior lição seja que foi preciso um advogado no banco central mais importante do mundo para realizar a façanha de desinflar uma economia ao menor custo econômico possível.