PIB em alta, arrecadação em baixa
A primeira metade de 2023 trouxe duas surpresas econômicas em direções opostas. O PIB brasileiro surpreendeu com crescimento acima do esperado, enquanto a arrecadação federal surpreendeu para baixo, resultando em uma deterioração do déficit primário mais rápida que a antecipada. O que explica essa divergência entre indicadores que são correlacionados?
O crescimento do PIB no primeiro semestre do ano acumula alta de 3,2% em relação ao mesmo período no ano passado enquanto a arrecadação caiu 5% em termos reais. Excluindo receitas não administradas, a queda foi de 1,6%. A combinação desse resultado levou a uma acentuada queda da receita federal sobre o PIB, de 19,1% no acumulado de 12 meses até julho de 2022 para 17,8% em julho de 2023, o que deve impactar o resultado primário e retardar o ajuste fiscal pretendido pelo governo.
Um dos motivos dessa infrequente divergência entre crescimento da economia e da arrecadação é o desempenho setorial desigual no PIB. Como alguns setores são mais tributados e outros menos, essa diferença de desempenho importa para o resultado da arrecadação. Boa parte do crescimento do PIB em 2023 é atribuído ao setor agrícola e à indústria extrativa, que são basicamente destinados à exportação, que também cresceu 10% no período, e tem incidência menor de tributação. Os setores de serviços também tiveram desempenho acima da média no acumulado do ano, ao contrário da indústria de transformação, e são setores sub-tributados no atual arcabouço.
Outro fator que explica a queda na arrecadação é a queda na cotação média das commodities. O indicador IC-Br do Banco Central que calcula o índice médio de commodities em reais, acumula queda de 16% até julho. Apesar do volume maior de produção e exportação, preços menores também impactam a arrecadação, tanto pelos impostos incidentes sobre a receita, como PIS e Cofins, como o IRPJ sobre o lucro. A queda da inflação em geral também tem impacto na desaceleração da arrecadação, apesar de ser mais difícil de mensurar. Por fim, a queda nas importações de 10% no acumulado até julho, junto com desonerações ainda que parciais, contribuíram para a redução do imposto de importação.
Apesar do PIB mais forte, a tendência é de desaceleração, como indica o desempenho das receitas federais. A acomodação dos preços das commodities diminui os incentivos a investir, e a política monetária restritiva, que já reflete na queda da inflação, também reduz a oferta de crédito e o consumo deve estagnar no semestre.
Essa combinação de resultado tem implicações importantes para o planejamento e políticas públicas. A primeira, e já conhecida, não podemos esperar crescimento forte de arrecadação nas atuais condições da conjuntura econômica. Baixo investimento, commodities em queda, inflação desacelerando e juros ainda elevados devem continuar impactando o resultado das empresas. Nesse cenário, o pretendido ajuste fiscal precisa levar em conta o controle dos gastos, pois o crescimento da receita tende a frustrar, mesmo com as novas medidas pretendidas. O segundo ponto é a importância da reforma tributária, principalmente pela criação do IVA. Uma distribuição mais igualitária da carga de impostos, além do ganho de produtividade e potencial de maior crescimento do PIB no longo prazo, vai trazer uma maior previsibilidade de receita para o governo, o que facilita o planejamento fiscal, sem surpresas.
O Brasil tem uma elevada carga tributária, próxima de 34% do PIB e aumentar esse patamar será desafiador e encontrará resistência política. A carga pesada e distorcida também contribui para um potencial de crescimento menor da economia, e o resultado de alta de cerca de 3% do PIB a.a. nos últimos trimestres, quando analisado pela sua composição, ainda não pode ser visto como sustentável. Uma combinação de reforma tributária, que potencialize esse patamar de crescimento da economia, e o controle do crescimento dos gastos é a melhor forma para o ajuste fiscal de longo prazo.