O que o novo arcabouço fiscal pode significar
A principal expectativa do mercado para o mês de março está na apresentação do novo arcabouço de regras fiscais. Após a aprovação da PEC em dezembro que resultou em um crescimento real das despesas para 2023 de 6% e praticamente determinou o fim do teto de gastos, o cenário de incerteza com relação ao rumo das contas públicas elevou os prêmios de risco no mercado, principalmente nas taxas de juros. Existem duas principais formas que o crescimento descontrolado dos gastos públicos pode impactar a economia: i) estimulando a demanda e resultando em maior pressão inflacionária, uma vez nossa economia não tem mais capacidade ociosa pelo lado da oferta, e ii) elevando o prêmio de juros, devido à expectativa de crescimento da dívida pública. Apesar da queda da dívida desde o pico durante a pandemia , que chegou a 86%, para o atual patamar de 72,6% (ajustado para o novo valor do PIB divulgado pelo IBGE), ainda é elevada em relação aos demais países emergentes, que têm em média a marca de 60%. Como divulgado pelo Tesouro, o custo de emissão da dívida vem subindo rapidamente desde 2021, com a elevação da Selic e com juros maiores nas taxas longas. O custo médio já está em 11% ao ano, o que pode representar quase R$800 bilhões em despesas com juros em 2023.
O novo conjunto de regras fiscais pode reduzir o risco do crescimento do déficit primário, estimado em 1% em 2023, e consequentemente da trajetória de crescimento da dívida/PIB. A principal característica positiva do novo arcabouço será o mecanismo de controle do crescimento das despesas, em substituição ao teto. Vale lembrar que as despesas públicas do governo federal cresceram à taxa de 6% ao ano, acima da inflação até 2016. Por outro lado, o teto foi muito rígido e acabou perdendo a credibilidade com as sucessivas PECs para sua flexibilização. Ainda assim, a regra foi efetiva e em 2022 os gastos ficaram em 18,2% bem abaixo do pico de 20% de 2016 (excluindo o ano da pandemia).
Quando analisamos as despesas por grupos, observamos que a principal redução nos últimos 6 anos foi no gasto com a folha, principalmente devido ao congelamento de reajustes nos dois últimos anos. O crescimento menos acelerado da previdência, após a reforma, também foi importante. Por outro lado, os gastos sociais seguem subindo acima da inflação e, com o novo Bolsa Família, podem chegar a 3,5% do PIB em 2023. O teto também acabou forçando uma redução no gasto com investimento do governo, que deve ser recomposto em 2023. Estimamos que as despesas voltem a subir e cheguem em 18,8% esse ano. Portanto, a regra que limita esse crescimento é fundamental para trazer previsibilidade.
Mercado pode ter reação positiva à proposta do novo arcabouço. As estimativas sobre o resultado fiscal foram subestimadas pelo mercado nos últimos 3 anos. Depois de previsões de que a dívida/PIB chegaria a 100%, iniciamos 2023 bem abaixo desse patamar, em 72,6%. O crescimento do PIB maior que o esperado, ciclo de commodities em alta e a inflação mais persistente contribuíram para a reversão do déficit em superávit de 1,3% em 2022. Portanto, temos hoje um ponto de partida melhor que o esperado. Com a redução da incerteza sobre a trajetória futura, uma menor aversão a risco pode significar melhora na precificação dos ativos no mercado, principalmente nos juros futuros. Além disso, a expectativa de inflação re-ancorada pode permitir o início mais cedo do processo de afrouxamento monetário, melhorando também a expectativa de crescimento da economia.
E pelo lado da receita, o que esperar? A arrecadação também deve ser fonte de reavaliação pela reforma tributária, e será tema da nossa próxima carta em abril. Até lá!