Macroeconomia


Carta ao Mercado | Abr22

jeFtv1X8_400x400

Rafaela Vitória

Publicado 11/abr5 min de leitura

Resumo

Os recentes choques econômicos causados pela pandemia e agora pela guerra da Rússia na Ucrânia têm levantado o receio de uma tendência de desglobalização. O Brasil tem sentido os efeitos dos gargalo nas cadeias de suprimentos globais principalmente pela alta da inflação. Apesar do nosso histórico com episódios frequentes de inflação elevada, as causas da inflação atual têm diferente origem, e tem sido em grande parte importada. Porém, a contração fiscal e monetária observada desde 2021 ainda não fez efeito para conter a alta inflacionária e entre os riscos de um processo de desglobalização está uma inflação maior por mais tempo. Por outro lado, o ciclo de commodities em alta por um período prolongado deve favorecer a economia brasileira, uma vez que somos exportadores líquidos para o resto do mundo.

O que a desglobalização pode significar para o Brasil

Os recentes impactos econômicos dos choques causados pela pandemia e agora com a guerra na Ucrânia, tem levantado o receio de uma tendência de desglobalização. Os persistentes gargalos nas cadeias de suprimentos, agravados pela crescente inflação, elevam o risco de os países procurarem soluções internas para seu abastecimento. Mas quais podem ser os impactos para a nossa economia?

O Brasil tem sentido os efeitos das interrupções nas cadeias de suprimentos globais principalmente pela forte alta da inflação. Nos últimos 12 meses a inflação de bens industriais acumula 14% e a de alimentos, 12%. A produção industrial brasileira também tem apresentado retração com a falta de insumos e a perspectiva de uma possível escassez de fertilizantes pode ter impacto na safra no próximo ano, encarecendo ainda mais os preços das commodities agrícolas e consequentemente dos alimentos.

Apesar do nosso histórico com episódios frequentes de inflação elevada, as causas da inflação atual têm diferente origem, e tem sido em grande parte uma inflação importada. A elevada demanda global, estimulada por gastos fiscais durante a pandemia, e também por juros próximos de 0 por um longo período, vem alimentando a inflação global de bens no mundo. Adicionalmente, problemas climáticos, não só no Brasil, também impactaram algumas safras e resultaram em aumentos de preços agrícolas. Por fim, a redução da produção de petróleo a partir de 2020, que não retornou ao patamar pré pandemia resultou em uma forte correção dos preços de energia para cima. Por fim, a guerra, adicionou ainda mais restrições e incertezas ao abalos de ofertas ao redor do mundo. Mas ao contrário de outros períodos inflacionários que já vivenciamos, mais recentemente entre 2013 e 2015, a economia brasileira passa por uma contração fiscal desde o final de 2020. Sim, houve forte expansão de gastos no primeiro ano da pandemia, o que contribuiu para a retomada mais rápida do consumo no país, principalmente via o generoso auxílio emergencial. Mas a partir de 2021, o governo voltou a controlar suas despesas, reduziu os gastos relacionados à pandemia e, com o aumento da arrecadação, saímos de um déficit de 9% para um superávit de 1%. Ao mesmo tempo, nos últimos 12 meses, também passamos por um processo de aperto monetário significativo, com a elevação da Selic de 2% para quase 12%.

No entanto, a contração fiscal e monetária ainda não foi suficiente para conter a aceleração da inflação. Primeiramente, porque leva tempo para uma mudança na política fazer efeito. Assim como os gastos da pandemia e juros baixos levaram tempo para estimular a atividade, a correção também sofre da defasagem. Em segundo lugar, a sucessão de choques de oferta a nível global foi bastante significativa. Aumentos de preços como 150% no petróleo a 90% no trigo também vão levar mais tempo para se dissiparem.

Entre os riscos de um processo de desglobalização está uma inflação maior por mais tempo. Na medida que os países reconstroem cadeias de fornecimento próprio, vai se criando redundância produtiva no mundo, o que tende a encarecer custos e prolongar o processo inflacionário. Aliado a essa tendência, a busca por fontes energéticas mais limpas também deve continuar encarecendo o custo de energia de maneira geral.

Por outro lado, o ciclo de commodities em alta por um período prolongado deve favorecer a economia brasileira, uma vez que somos exportadores líquidos para o resto do mundo, não somente alimentos, como a soja, milho e carnes, mas também de metais e petróleo. Esse ciclo já mostra benefícios como a valorização recente do real, o que ajuda a amenizar a alta inflacionária, e também contribui para a melhora fiscal, como já observado na alta da arrecadação.

Resta a saber qual estratégia o país adotará nesse novo ciclo de alta das commodities. Como na experiência anterior, cambio favorável e crescimento da arrecadação impulsionaram a economia no curto prazo. Mas tratar como permanente esse momento do ciclo, pode nos levar novamente a uma crise como foi em 2015. Para o investidor, mantemos nossas recomendações de alocação extra em ativos tanto ligados à commodities, como renda fixa atrelada a inflação.

Receba nossas análises por e-mail