Macroeconomia


As perdas do tarifaço

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André Valério

Publicado 09/dez

Analisando os primeiros impactos da guerra comercial na atividade econômica brasileira

Em meio à política comercial do novo governo americano, o Brasil foi pego de surpresa com a implementação de uma tarifa de 50% nas exportações aos EUA, anunciada a partir de julho com efetivação no início de agosto. O país foi o mais afetado pela rodada anunciada à época, e mesmo com a isenção posterior de vários produtos na pauta que levaram a alíquota efetiva da medida para cerca de 31%, é de se esperar que o impacto seja assimétrico, com enfoque na indústria: apesar do Brasil também ser um exportador relevante de commodities agrícolas para os americanos, os bens industriais possuem mais dificuldade de adaptação nas cadeias comerciais por serem menos homogêneos, ao ponto de não contarem com preços padronizados no comércio internacional como é o caso do café, petróleo e minério.

Assim, é possível que a magnitude deste choque exógeno no setor, que corresponde a cerca de ¼ do PIB brasileiro, seja grande o suficiente para afetar as estatísticas agregadas de atividade econômica, gerando um novo desafio para o Banco Central que vem procurando filtrar os ruídos nas estatísticas de atividade econômica para dosar a restrição apropriada da política monetária em meio a um quadro de desaceleração errática na economia.

Embora estimativas dos impactos possam ser efetuadas por meio de modelos de equilíbrio geral, em estilo parecido à hipótese de retaliação que divulgamos num Relatório Especial recente, o horizonte de materialização dos impactos é menos claro por conta de rigidezes como contratos previamente assinados e repasses ao importador que podem ser suavizados por vários meses em meio à incerteza da duração da medida, num ano pontuado por acordos comerciais que foram feitos e desfeitos em rápida velocidade.

Utilizando informações detalhadas da balança comercial, um dos dados econômicos mais tempestivos da economia brasileira, percebemos que a medida já aparenta ter atingido as principais pautas de exportação aos EUA que são atreladas à bens de capital: aeronaves, motores e máquinas elétricas registraram contração acima de 30% em agosto e setembro frente ao mesmo bimestre do ano anterior.

Por outro lado, identificar a transmissão dos impactos comerciais na atividade econômica é uma tarefa menos trivial por conta dos custos de ajuste de capital, outra forma de rigidez que faz com que indústrias evitem a ociosidade em meio a choques transitórios. Dada a incerteza do momento, é possível que empresas não alterem seu plano de produção, acumulando estoques que serão suavizados posteriormente.

Por conta das economias de aglomeração, indústrias frequentemente formam concentrações geográficas em torno de polos que, conjuntamente, tendem a ser mais abertos ao comércio exterior do que em outras localidades. Dessa forma, podemos olhar para os dados regionais visando identificar os efeitos de maneira mais clara: dentre as 131 regiões intermediárias – agrupamentos de municípios com características similares – que possuem exposição à exportação de bens manufaturados aos EUA, 60 apresentavam variação interanual positiva nessa métrica em julho. Dois meses depois, o contingente caiu para 28 enquanto a quantidade de regiões apresentando forte queda avançou para 63, o maior registro desde a greve dos caminhoneiros de 2018 que provocou contração aguda na produção industrial da época.

Ressaltamos, também, que os impactos de uma quebra estrutural no comércio devem ser altamente localizados: analisando a razão entre exportações industriais e o PIB da indústria de transformação, encontramos ampla dispersão nos níveis de exposição comercial entre as regiões intermediárias, detalhes que são perdidos ao efetuar análises mais agregadas para compatibilização com pesquisas disponíveis somente a nível estadual, como é o caso da produção industrial mensal.

Considerando a necessidade de granularidade para o estudo, cruzamos os dados de comércio exterior com os microdados do Caged em um modelo estatístico que é capaz de estimar os impactos da dependência comercial aos EUA na geração local de vagas para a indústria de transformação, utilizando a difusão de contratações como uma aproximação suficiente que se adequa à estrutura do modelo.

Conforme os resultados ao lado, as evidências preliminares apontam para um impacto substancial e significativo do tarifaço no padrão de contratações para agosto e setembro, resultando na destruição de 15 mil empregos nesse período. Os efeitos também são potencializados para as regiões que são mais abertas para os EUA enquanto as regiões mais expostas ao resto do mundo também sofrem efeitos negativos, porém menores.

Lembramos aqui que as medidas de impacto conjunto não são significativas visto que contamos com apenas dois meses de dados, e ruídos setoriais podem não necessariamente se concretizar como perdas permanentes de emprego.

Como prova disso, utilizamos o modelo para decompor os efeitos da medida comercial a nível estadual e setorial para a indústria de transformação, e encontramos que os impactos identificados são altamente concentrados, com 30% de todas as perdas empregatícias vindo da indústria de alimentação – mais especificamente do refino de açúcar, atividade tipicamente aglutinada em São Paulo, estado que conforme nossas estimativas agregou pouco mais de ¼ de todos os empregos industriais perdidos até setembro. Boa parte deste resultado aparenta ser decorrência de uma frustração no salto sazonal das contratações de agosto, que todavia ocorreu normalmente em setembro. Resta assim saber como o setor reagirá nos próximos meses à queda de cerca de 80% nas exportações de açúcar do Brasil para os EUA que foi observada com o início do tarifaço.

Os resultados também apontam para contratações abaixo do usual nos demais estados e setores, ressaltando-se a perda estimada de cerca de 4500 empregos nos estados da região Sul, que contém diversas regiões dependentes em indústrias de bens de capital cuja produção é quase inteiramente exportada aos EUA.

Esse estudo reforça a expectativa que se tinha quando as tarifas foram anunciadas. Devido à baixa abertura comercial em geral da economia brasileira e baixa dependência da economia americana como destino das nossas exportações, estimava-se que o impacto agregado da medida seria limitado. De fato, o que vimos foi aumento das exportações, com outros destinos ganhando relevância, enquanto a atividade e o emprego mantiveram tendência recente, ainda robusta. Entretanto, o impacto foi heterogêneo e significativamente sentido pela indústria, como também era esperado. Com a abertura do diálogo entre os dois governos, esperamos que esses danos sejam limitados, mas não podemos descartar efeitos prolongados devido à inércia inerente às relações econômicas.


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