O setor de serviços, após sofrer forte impacto da pandemia, vem apresentando uma tendência de crescimento mais acelerada nos últimos trimestres. Nesse relatório analisamos as variações nas diferentes atividades que compõem o setor, bem como o impacto na geração de empregos e mais recentemente na inflação. Concluímos que há um potencial crescimento estrutural maior no setor, juntamente com a recuperação tardia dos impactos da pandemia, que pode continuar liderando o crescimento do PIB.
Em apenas dois meses após o início da primeira onda da pandemia, o volume de vendas do setor de serviços despencou 19% até abril de 2020, segundo dados do IBGE. Devido às medidas de restrição à mobilidade, as prestadoras de serviços foram desproporcionalmente afetadas, bem como experimentaram uma recuperação mais lenta, quando comparamos com a indústria e o varejo. Apesar do forte impacto, o volume de serviços prestados no Brasil cresceu 10% desde fevereiro de 2020, o que equivale a uma taxa anual de 3,9%, bem acima do PIB potencial estimado. A despeito dessa forte recuperação pós-pandemia, o setor ainda está 0,9% abaixo do pico da série histórica, alcançando em novembro de 2014, o que sugere um espaço adicional de crescimento.
O forte ritmo de crescimento de serviços se destaca na comparação com os demais setores da economia brasileira. O volume de vendas na indústria e no varejo, que tiveram crescimento maior no 2º semestre de 2020, recuaram e se encontram 1,5% e 3% abaixo do patamar pré-pandemia, respectivamente. Em nossa opinião, esse fenômeno é justificado pela aceleração do consumo de bens após a primeira onda e disponibilidade de renda, mas ultrapassada pela retomada da tendência de aumento da participação do setor de serviços na economia - um processo universal, observado em diversas outras nações. Particularmente no Brasil, destacamos as reformas microeconômicas, como a flexibilização da legislação trabalhista e maior liberdade de empreender, que podem ter impulsionado o crescimento do setor, juntamente com o avanço do uso da tecnologia fortemente atrelado aos setores de serviços.
Informação e Telecomunicação
O maior uso da tecnologia é evidente na evolução do setor “informação e comunicação”. Desde o início da pandemia, houve uma aceleração significativa no setor. Inúmeras empresas se viram obrigadas a acelerar o processo de digitalização de suas operações, elevando de forma expressiva a demanda por profissionais e especialistas em TI (tecnologia da informação). Simultaneamente, o governo regulamentou o teletrabalho, ou home office, contribuindo para o aumento da oferta de mão de obra especializada, na medida em que a presença física não é um fator necessário para que os profissionais possam realizar suas atividades. O setor de TI, que representava 5% da atividade de serviços em 2011, passou a representar quase 15% em 2022, tornando-se o segmento que apresentou a maior taxa de crescimento. Juntamente com o maior volume de serviços prestados, o setor de informação e telecomunicação é importante empregador de mão de obra e, entre fevereiro de 2020 e agosto de 2022 o número de empregos no setor cresceu mais de 10%, e se aproxima de 12 milhões, segundo dados da Pnad.
Outro ponto relevante para a economia é que a inflação (diferença entre receita e volume de vendas) desse setor tem sido sistematicamente inferior à das demais atividades de serviços. Como vemos no gráfico abaixo, a partir de 2011, a inflação anual média de “informação e comunicação” foi de 1,2%, muito abaixo da média de 4,1% registrada pelo índice de serviços. Tal fato reflete o impacto deflacionário atrelado ao desenvolvimento da TI, que gerou ganhos de produtividade expressivos e manteve os custos estáveis.
Transportes
A expansão de transportes também merece destaque. A performance acima da média é explicada pelo aumento do volume de transporte de cargas, que se encontra 31% acima do patamar de fevereiro de 2020. Outra mudança de caráter estrutural que a crise trouxe foi a forte expansão do e-commerce. De acordo com o índice de e-commerce disponibilizado pelo MCC-ENET, as vendas onlinemais que dobraram nos últimos dois anos. O crescimento da produção de commodities também contribui, o PIB do agronegócio no 1º semestre de 2022 está 40% superior ao de 2020.
O setor de transportes, no entanto, foi fortemente afetado pelo choque de oferta que ocorreu durante o período mais crítico da pandemia. A elevação dos preços dos combustíveis contribuiu de forma direta para a inflação que vimos no setor. Apesar de enfrentar preços elevados, a demanda por esse serviço permaneceu robusta. Para os próximos meses, os efeitos defasados da política monetária contracionista sobre o consumo podem gerar um arrefecimento do setor.
Serviços às famílias
Por fim, os serviços às famílias também vêm contribuindo recentemente com maior crescimento, no entanto, o setor está entre os poucos que ainda não retomou o patamar pré-pandemia. As restrições à mobilidade tiveram um impacto mais duradouro no setor e sua retomada completa não foi concluída. Além disso, o alto nível de endividamento das famílias e deterioração da renda real, em virtude da elevada inflação observada em 2021, contribuíram para o segmento não ter se recuperado plenamente. Esse também é um setor forte gerador de empregos e, pelo dado mais recente da Pnad, segmentos como alojamento e alimentação ainda não retomaram o mesmo nível de emprego de 2019, o que indica potencial de crescimento dos serviços às famílias à frente. Ressalta-se que, com a desinflação dos últimos meses, o aumento da renda real das famílias deve contribuir para o crescimento do setor.
Geração de empregos
Como um todo, o setor de serviços é o que mais emprega no Brasil. Em agosto, a taxa de desemprego brasileira recuou pelo 7º mês consecutivo, atingindo 8,9%, menor taxa desde 2015. Além disso, a quantidade total de ocupados subiu para 99 milhões, o maior patamar da série histórica da PNAD. Ao analisar a variação de ocupados por setor, constata-se que, desde o início da série, o número de empregados em serviços permaneceu em trajetória de crescimento e já ultrapassa em quase 25% o patamar de 2012, enquanto outras atividades, como indústria e agricultura, sofreram uma redução no total de ocupados. Esse fato corrobora o aumento de participação de serviços no PIB brasileiro na última década e a retomada recente pode indicar um potencial de crescimento maior à frente.
Segregando entre formal e informal, observamos que o crescimento das contratações em serviços tem sido maior no mercado de trabalho formal desde o início da pandemia. Os dados do CAGED mostraram um aumento substancial de aproximadamente 2 milhões (+11,1%) de empregos nos setores de serviços desde fevereiro de 2020. Assim como vimos nos dados do PNAD, a melhora no CAGED é disseminada entre todas as categorias, e o saldo de admissões em “informação e comunicação” apresentou o maior impacto positivo no agregado.