Macroeconomia


Análise | Resultado Fiscal - Mar22

Daniel_Arruda

Daniel Arruda

Publicado 02/mai5 min de leitura

Governo Central teve déficit de R$ 6,3 bilhões em março

Mais uma vez, o resultado veio melhor que a projeção do mercado, que esperava déficit de R$ 8,3 bilhões. De forma mais detalhada, a receita líquida do governo superou a expectativa em R$ 13,7 bilhões, o que se explica principalmente pelo desempenho das fontes administradas, enquanto a despesa observada também excedeu o número projetado.

No acumulado do primeiro trimestre, o Governo Central teve superávit de R$ 49,6 bilhões. O crescimento expressivo de 86% em relação ao primeiro trimestre de 2020 é explicado, principalmente, pelo avanço da arrecadação tributária. Mas vale destacar que o déficit do Regime Geral de Previdência Social também recuou na mesma base de comparação, mas ainda atinge o valor expressivo de R$ 55,5 bilhões no primeiro trimestre desse ano.

A Receita Federal divulgou arrecadação de R$ 164,2 bilhões para março, também acima da expectativa. No acumulado do primeiro trimestre, o crescimento interanual descontado o IPCA foi de 11,1%. Não obstante, a forte elevação da receita tributária em setores ligados ao preço das commodities, como na exploração de petróleo, aponta para a necessidade de testar outro deflator que incorpore a variação de preço desses bens. Corrigindo a arrecadação nominal pelo IGP- M, que atribui peso de 60% à inflação ao produtor, observa-se crescimento ainda positivo de 6,0%, o que reforça a percepção de melhora fiscal estrutural.

O desempenho da arrecadação administrada teve caráter heterogêneo. As taxas reais de crescimento mais expressivas no trimestre seguem sendo observadas no IRPJ (+17,5%) e na CSLL (+33,8%), com impacto do ajuste de declaração que reflete o lucro extraordinário das empresas no último ano, principalmente no setor de commodities. O IRRF (+12%) também teve alta, refletindo o lucro distribuído pelas firmas aos funcionários e o aumento do rendimento do capital, com a taxa Selic mais elevada. Linhas mais ligadas ao desempenho da atividade também mostram crescimento, embora a taxas mais moderadas, como no caso do PIS/PASEP (+3,6%) e do COFINS (+5,9%). Por último, a principal retração veio do imposto sobre importação (- 14,2%), que reflete a apreciação cambial e a queda da alíquota média, seguida do IPI (-10,3%), decorrente da desoneração aprovada para diversos setores.

Outras linhas de receita tiveram desempenho positivo no trimestre. Em particular, a arrecadação para o RGPS cresceu 6,8% acima da inflação, enquanto a receita com royalties do petróleo teve alta de 59,6%, dado o preço elevado da commodity.

No lado da despesa, a principal surpresa ante as expectativas foi a elevação de R$ 11,6 bilhões no abono salarial em março. Esse número, no entanto, reflete a mudança no calendário de pagamentos do programa, e possui pouco efeito permanente nas contas públicas. Outra alta de despesa obrigatória foi o gasto maior do Auxílio Brasil em relação ao Bolsa Família, vigente no último ano. Nesse caso, o aumento de despesa pode se tornar permanente: a Câmara aprovou recentemente a manutenção do complemento das transferências até o patamar mínimo de R$ 400 para os próximos anos, o que poderá gerar um impacto fiscal da ordem de R$ 41 bilhões por ano a partir de 2023. Por fim, a despesa com pessoal teve retração real de 8,1% em março, mas o cenário para o reajuste dos servidores segue indefinido, o que acarreta um risco para essa rubrica a partir do segundo semestre.

Mercado projeta superávit para abril e déficit de R$ 46,4 bilhões para as contas do Governo Central. Apesar de melhor do que o constante no último Relatório Bimestral, que aponta déficit de R$ 66,9 bilhões, as expectativas ainda são conservadoras e não incorporam integralmente a melhora estrutural observada. Os dados mais recentes apontam para um quadro fiscal mais favorável, mas é essencial monitorar alguns riscos fiscais adiante, como o impacto da desaceleração da atividade e das desonerações tributárias na arrecadação e a possibilidade de um reajuste a servidores públicos, principalmente a partir de 2023.

Setor público tem superávit de R$ 3,5 bilhões em fevereiro e dívida recua

Em 12 meses, o resultado acumulado é positivo em R$ 123,4 bilhões, ou 1,4% do PIB. Apesar de defasada, a divulgação pelo Banco Central trouxe números positivos para os entes regionais. Em particular, o superávit do Setor Público pode ser decomposto em um déficit de R$ 19,2 bilhões para o Governo Central e superávits de R$ 20,2 bilhões para governos regionais e de R$ 2,5 bilhões para as estatais. Nos estados, o crescimento do ICMS foi de 2,4% acima da inflação no primeiro trimestre, mas ainda é fortemente dependente da alta dos combustíveis, cuja arrecadação para esse tributo mostrou crescimento de 26,3% ante o mesmo período do ano anterior.

A despesa com juros nominais do Setor Público atingiu R$ 26,0 bilhões em fevereiro. O gasto ficou abaixo do mesmo mês de 2021, quando foi de R$ 29,2 bilhões. Para uma leitura mais precisa, no entanto, faz sentido segmentar o indicador entre a despesa do Governo Federal e do Banco Central. No caso do primeiro, a variação interanual é de 83,0%, refletindo os impactos da Selic e da inflação mais altas. No entanto, o Banco Central registrou um ganho total de R$ 22,0 bilhões no mês, decorrente do impacto do câmbio valorizado nas operações de swap, o que beneficiou a despesa do Setor Público em fevereiro. Embora os ganhos com swap tenham sido novamente expressivos em março, esse movimento foi revertido em abril, o que pressionará as despesas com juros em 12 meses, que hoje acumulam 4,8% do PIB.

Com a incorporação dos juros, o resultado nominal do Setor Público foi negativo em R$ 22,5 bilhões em fevereiro. Levando em conta também o crescimento nominal do PIB e a valorização cambial, que reduz a dívida externa em reais, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) recuou para 79,2% do PIB. Conforme destacamos em relatórios anteriores, embora esse número seja bastante positivo frente ao anteriormente esperado, ainda podemos observar alguma aceleração da DBGG nos próximos anos, de forma que o Brasil deverá seguir com um quadro fiscal relativamente deteriorado na comparação a outros emergentes.

Condições financeiras voláteis levam Tesouro a reduzir as emissões de títulos em março

Ao longo do mês, houve uma colocação de R$ 66,9 bilhões, bem abaixo da média de R$ 114 bilhões nos dois primeiros meses do ano. Além disso, houve um resgate elevado de R$ 272 bilhões, concentrado em títulos de taxa flutuante. Em consequência, a dívida mobiliária recuou no mês, assim como o saldo da reserva de liquidez, que cobre atualmente 9,8 meses de vencimentos, ante uma métrica de 10,6 meses até fevereiro.

Vale destacar, também, a composição das emissões escolhida pelo Tesouro. Nos últimos meses, a concentração de títulos ligados à Selic atingiu cerca de 63% da colocação, na média. No entanto, a participação desse papel foi de apenas 40% em março. Essa variação pode sinalizar uma possível redução da demanda por esse título, o que já se reflete no deságio observado para o vencimento de 2024, que atingiu 0,13% na leitura mais recente, ante 0,03% no início do mês. Prospectivamente, no entanto, o Tesouro pode ser obrigado a sancionar esse custo de colocação mais alto, de forma a se enquadrar nos limites estabelecidos no Plano de Financiamento Anual.

O elevado resgate de março contribuiu para a queda da composição dos vencimentos em 12 meses e aumento do prazo médio. Esses indicadores se encontram enquadrados no planejado e em patamar confortável, permitindo colocações de prazo mais curto nos próximos meses.

Apesar do resultado fiscal corrente melhor que o esperado, o custo da dívida segue em alta. O custo de emissão acelerou para 10,5% em março, ante 9,5% em fevereiro e 5,5% em março de 2021. A alta foi generalizada pelos diversos títulos, o que seguirá pressionando a despesa com juros e o déficit nominal no curto e médio prazo. Além da alta inflação corrente, os juros reais embutem elevados prêmios de risco, refletindo a desconfiança do mercado na continuidade da consolidação fiscal.


Compartilhe essa notícia

Notícias Relacionadas

Receba nossas análises por e-mail