Resumo
- Dados divulgados dos EUA sugerem um melhor equilíbrio entre oferta e demanda na economia americana, com dados de varejo e mercado imobiliário piores que o esperado, inflação diminuindo e mercado de trabalho desacelerando na margem.
- Ainda assim, os membros do FOMC se mostraram mais pessimistas em relação às projeções, com apenas um corte no juros para esse ano e expectativas de taxa de juros neutra e inflação mais altas.
- Dado o contexto econômico e a função de reação do Fed, argumentamos que o mercado de trabalho será determinante para o início do ciclo de cortes de juros.
- Esperamos que o Fed dê início ao ciclo de cortes em setembro, com um corte adicional em dezembro.
Onde estamos?
Os dados da economia americana divulgados em junho sugerem, nas palavras do Fed, um melhor equilíbrio entre oferta e demanda. Observa-se a atividade crescendo, mas desacelerando, ao mesmo tempo em que a inflação diminui e o mercado de trabalho desaquece na margem. Payroll continua forte, indicando que a economia americana adicionou 272 mil novos empregos em maio. Ainda assim, a taxa de desemprego aumentou de 3,9% para 4%. Entretanto, o Payroll parece em descompasso com outras estatísticas do mercado de trabalho. A ADP, uma empresa de processamento de folha de pagamentos, sugere que a criação de vagas foi de apenas 152 mil. Se considerarmos o total de vagas criadas em 2024, a ADP indica um ritmo bem menos intenso do que o Payroll. Enquanto a ADP indica que a economia americana adicionou 837 mil novos empregos no ano até o momento, o Payroll indica a adição de 1,24 milhão de vagas. Os pedidos de seguro-desemprego também apontam para uma piora do mercado de trabalho. Tanto os novos pedidos quanto os pedidos continuados estão em clara tendência de alta.
Considerando o conjunto total de dados do mercado de trabalho, há mais evidências sugerindo uma deterioração do que uma melhora. O que poderia explicar, então, o aumento da taxa de desemprego em meio a uma criação tão robusta de vagas, como sugere o payroll? Para responder essa questão é necessário dar um passo atrás e compreender como é feita a pesquisa de emprego americana. A divulgação do relatório de emprego é fruto de duas pesquisas realizadas paralelamente. De um lado, temos a pesquisa dos estabelecimentos (Establishment report) que fornece o número de criação de vagas. De outro lado, temos a pesquisa a nível domiciliar (Household report) que fornece a taxa de desemprego. A pesquisa dos estabelecimentos pergunta às empresas quantos empregados ela tem, enquanto a pesquisa a nível domiciliar pergunta aos indivíduos se eles estão empregados. Um primeiro candidato óbvio a explicar a discrepância é que as novas vagas estão sendo absorvidas por trabalhadores que já estão empregados, ou seja, as pessoas estão acumulando dois ou três empregos. Os dados indicam forte crescimento no número de trabalhadores com mais de um emprego, mas não além da retomada da tendência pré-pandemia.
Outra possível explicação é a metodologia de pesquisa dos estabelecimentos, que é feita em três fases. A primeira estimativa é realizada na primeira fase, enquanto esse dado inicial sofre revisão até dois meses depois, a medida que as fases dois e três são realizadas. E desde a pandemia tem se observado uma forte queda da taxa de resposta da pesquisa por parte dos estabelecimentos. Até 2019, a taxa de resposta era estável em 60%, enquanto no pós-pandemia ela oscila ao redor de 45%, o que prejudica a precisão das estimativas. Ademais, como a pesquisa não é censitária, ela passa por diversos ajustes amostrais que, aliado à baixa taxa de resposta, introduzem mais ruído nas estimativas. Um desses ajustes é o de nascimento e morte de firmas, que desde a pandemia tem rodado a um patamar elevado. Até 2019, esse ajuste adicionava, em média, 67 mil vagas de empregos por mês. Desde 2021 esse ajuste é responsável pela adição de 111 mil vagas. Portanto, não podemos descartar uma sobre estimação do número de vagas do Payroll. De fato, podemos comparar o Payroll diretamente com a pesquisa a nível domiciliar que tem uma medida de equivalente ao Payroll e ela sugere que em 2024 a economia americana destruiu 262 mil vagas até o momento.
Para onde vamos?
Na última reunião do FOMC, o presidente do comitê Jerome Powell reafirmou que para iniciar o ciclo de cortes seriam necessários o acontecimento de uma de duas alternativas: uma sequência de bons resultados de inflação que deem maior confiança ao comitê de que a convergência à meta é sustentável ou uma deterioração do mercado de trabalho.
Em se tratando de inflação, os últimos dois meses foram positivos para os objetivos do Fed. O dado de abril veio em linha com o esperado, enquanto a inflação de maio veio abaixo do esperado e com um qualitativo benigno, com as medidas de núcleo melhores que o esperado e a inflação mantendo sua tendência de queda no acumulado em 12 meses, indicando que as surpresas negativas no primeiro trimestre foram devidas a aspectos sazonais e reduzindo os temores de uma reaceleração inflacionária. Além disso, o índice de preços ao produtor também registrou variação abaixo do esperado, o que sugere pressões inflacionárias menores à frente.
Mesmo com a boa notícia da inflação de maio, que foi divulgada no mesmo dia do anúncio da decisão de política monetária no dia 12, o FOMC adotou uma postura mais cautelosa, com os membros vendo progresso na evolução da inflação nos últimos meses, mas não o suficiente para ganharem confiança para iniciar o ciclo de cortes. O grande destaque ficou por conta da atualização das projeções dos membros do FOMC, que estão mais pessimistas do que estavam em março, quando antecipavam 3 cortes nos juros e agora antecipam apenas um. Outro destaque é a expectativa de uma taxa de juros neutra maior, com a projeção de longo prazo saindo de 2,6% em março para 2,8%. Finalmente, a projeção de inflação também aumentou, com o FOMC esperando uma inflação de 2,6% ao fim desse ano, ante 2,4% em março. Portanto, o comitê transferiu um corte previsto para esse ano para o ano que vem, de modo a ganhar maior liberdade.
Por outro lado, as projeções para emprego e atividade ficaram inalteradas. Hoje os membros do FOMC esperam que a economia americana cresça 2,1% em 2024, enquanto a taxa de desemprego seja de 4%. A atividade econômica tem sido a grande surpresa desse ciclo de aperto monetário, se mantendo em patamar bastante robusto, criando questionamentos de quão restritiva está a política monetária. Entretanto, os dados mais recentes sugerem uma desaceleração no ritmo de crescimento. Em maio, as vendas no varejo americano cresceram apenas 0,1%, bem abaixo da expectativa, ao mesmo tempo em que o excesso de poupança do americano, construído durante a pandemia, parece ter se esgotado. Além disso, o mercado imobiliário teve um mês de maio bastante negativo. O início de construção de novas casas teve uma queda de 11% em maio, pior momento do atual ciclo. O número de unidades multi-familiares em construção está colapsando, enquanto as condições de compra de imóveis está no menor patamar desde a década de 80 em meio ao elevado custo de hipotecas. Portanto, temos alguns sinais iniciais de declínio no mercado imobiliário, que tipicamente é o canário na mina para o ciclo econômico.
Dado o atual contexto econômico, as condições postas pelo FOMC e as preferências do comitê, acreditamos que o determinante para o início do ciclo de cortes de juros será o mercado de trabalho. Antecipamos uma queda gradual da inflação americana, o que significaria uma convergência longa para a meta. Por outro lado, as condições do mercado de trabalho se mostram mais próximas de eventualmente levar o Fed a apertar o gatilho nos cortes de juros. Como mencionado, o FOMC projeta uma taxa de desemprego de 4% ao fim do ano. Com os dados do payroll de maio, a taxa de desemprego já se encontra em 4% e, mantida a tendência de deterioração no mercado de trabalho, a taxa de desemprego encerraria 2024 em 4,2%.
Há de se mencionar, também, a Regra de Sahm, elaborada pela economista Claudia Sahm. Essa regra sugere que sempre que a média móvel de 3 meses da taxa de desemprego fique 0,5 ponto percentual acima da mínima da mesma média móvel dos últimos 12 meses, uma recessão acontece na sequência. A não ser que a taxa de desemprego recue para 3,8% no próximo payroll, a Regra de Sahm ativará esse gatilho, sugerindo que uma recessão se aproxima. Portanto, dado o cenário e as projeções do FOMC, há maior probabilidade de uma surpresa negativa no mercado de trabalho do que na inflação. Até o momento, o reequilíbrio do mercado de trabalho tem se dado mais pelo lado da oferta, com a diminuição gradual da abertura de postos de trabalho.
O enfraquecimento na demanda por trabalho nos próximos meses refletiria nas vagas já preenchidas e podemos ver em breve destruição líquida de empregos na economia americana, o que muito provavelmente faria o Fed agir. A nossa projeção é que o FOMC dê início ao ciclo de cortes na reunião de setembro, com um corte adicional na reunião de dezembro.