Macroeconomia


Análise | Internacional | Dez/22

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Rafaela Vitória

Publicado 16/dez

Cenário internacional demanda cautela

Inflação elevada é responsável pelo maior aperto monetário global das últimas décadas. Ao longo desse ano, mais de 40 bancos centrais ao redor do mundo elevaram suas taxas básicas de juros em 75 bps em alguma decisão de política monetária. Com isso, a probabilidade de uma recessão global em 2023 aumenta. Apesar da inflação dar sinais de ter atingido o pico nos Estados Unidos e na Europa, ela se mantém em patamar muito elevado, exigindo aperto nas condições financeiras por mais tempo, o que, historicamente, foi a causa de recessões econômicas. Dessa vez não parece ser diferente. A economia americana ainda se mostra aquecida, mas há sinais claros de desaceleração. A economia europeia caminha a passos largos para uma forte recessão, enquanto a economia chinesa ainda sofre com o combate à pandemia. Sendo assim, a perspectiva para a economia mundial em 2023 é bastante delicada e demanda cautela.

Estados Unidos

Apesar do maior aperto monetário dos últimos 15 anos, a economia americana se mantém aquecida. O PIB no terceiro trimestre de 2022 registrou alta de 2,9% na comparação anual, fruto de um maior gasto por parte dos consumidores, a despeito da inflação elevada. Inflação, essa, que surpreendeu positivamente em novembro, crescendo apenas 0,1%, mas ainda acumula em 12 meses 7,1%, bem distante da meta de 2%. Qualitativamente, o dado de inflação foi melhor que o esperado, com o núcleo variando apenas 0,2%, alcançando 6% no acumulado em 12 meses.

Mesmo com melhora na trajetória de inflação, Fed não dá sinais de mudança na condução da política monetária. Em sua última reunião, o FOMC elevou a taxa de juros em 50 bps, abaixo dos 75 bps dado nas quatro últimas reuniões. Com isso, a taxa básica de juros da economia americana alcançou 4,50%, a maior taxa dos últimos 15 anos. A expectativa dos membros do Fed é de alta até a região de 5-5,50% e que a taxa de juros fique em patamar restritivo ao longo de todo o ano de 2023, encerrando 2024 em 4%. Powell, presidente do Fed, não se mostra disposto a arriscar um alívio prematuro nas condições financeiras e outros membros do Fed já declararam desconforto com a leitura mais dovish do mercado. Portanto, apesar do fim do ciclo estar próximo, o Fed pretende manter a taxa de juros em patamar restritivo por um longo período, com a expectativa dos membros do FOMC para a taxa de juros ao fim de 2023 e 2024 sendo 5,1% e 4,1%, respectivamente.

Apesar do mercado de trabalho americano ainda estar aquecido, tendo criado 263 mil novas vagas de emprego em novembro, há sinais de desaceleração no emprego.

Quando analisamos a média móvel de 3 meses do Payroll americano, vemos que está em desaceleração desde fevereiro. Além disso, há algumas características da pesquisa conduzida pelo Bureau of Labor Statistics (BLP) que ensejam cautela na análise dos dados. Primeiro, a taxa de resposta na pesquisa por estabelecimentos teve o menor valor em 20 anos, em novembro, com apenas 49% dos pesquisados respondendo. Uma baixa taxa de resposta reduz o poder estatístico da pesquisa. Além da pesquisa por estabelecimentos, o BLP também conduz a pesquisa por domicílios, e há diferenças marcantes entre elas. Na pesquisa por estabelecimentos, trabalhadores com múltiplos empregos são contados diversas vezes, pois os respondentes são as empresas, enquanto na pesquisa por domicílio esses trabalhadores são contados uma única vez, portanto, o número obtido pelo Payroll pode estar inflacionado.

Dado o grau de aperto monetário, a pergunta que fica é se a economia americana entrará em recessão em 2023

Ao longo da história, os bancos centrais raramente conseguiram liderar um processo de desinflação sem causar uma recessão. Dessa vez não parece ser diferente. De fato, alguns indicadores sugerem isso, como a inversão da curva de juros. Além disso, o Fed da Filadélfia calcula a probabilidade de uma recessão ocorrer nos próximos trimestres e atualmente ela está no maior valor da história (43,5%), acima de períodos em que a economia americana de fato entrou em recessão.

China

Flexibilização no combate à Covid. Ao longo novembro, o número de casos de covid na China explodiu, fazendo com que o governo intensificasse ainda mais as medidas de combate à pandemia, na política que ficou conhecida como tolerância zero. Entretanto, a população se revoltou e tomou as ruas exigindo maior flexibilização no combate à pandemia. E o pedido foi acatado. A China parece ter optado por uma reabertura rápida, desmantelando a maioria das restrições internas. Porém, com a maior flexibilização, os casos voltaram a disparar, particularmente em Pequim.

Retomada em risco

A expectativa era que o governo chinês realizasse a flexibilização de maneira gradual. A forma como está sendo conduzida aumenta a incerteza a respeito do desempenho econômico chinês, uma vez que a China enfrenta um inverno rigoroso, tem baixa cobertura vacinal de idosos e utiliza, predominantemente, uma vacina de baixa eficácia. Além disso, o sistema de saúde não parece estar bem equipado para lidar com um aumento repentino de internados.

Atividade apresenta forte desaceleração em novembro. Os dados ainda são referentes ao período anterior à flexibilização, e ao longo do mês de novembro as medidas restritivas interromperam a produção industrial e pesaram sobre o consumo. Assim, as vendas no varejo recuaram 5,9% em relação a novembro de 2021, uma forte desaceleração frente a outubro, quando houve alta de 0,5% (a.a). A produção industrial aumentou 2,2% em relação ao ano anterior em novembro, desacelerando acentuadamente em relação ao crescimento de 5,0% em outubro.

Cenário para economia chinesa em 2023 é incerto

A expectativa é de retomada do crescimento com a flexibilização das políticas de combate à covid. Entretanto, como mencionado, o governo chinês saiu de um extremo para outro, e já se observa aumento nos casos de covid. Não seria surpreendente uma reversão da flexibilização, que mesmo que parcial poderá dificultar a retomada. Portanto, a forma como a pandemia será lidada em 2023 será o principal fator por trás do desempenho econômico chinês, afetando, assim, a nossa expectativa para as commodities.

Europa

Economia europeia em franca desaceleração. O PIB da zona do euro oscilou próximo à estabilidade no terceiro trimestre de 2022, crescendo apenas 0,3% em relação ao segundo trimestre. Menor consumo por parte das famílias e do governo, somado à inflação dos importados, contribuíram para o resultado. Na análise setorial a desaceleração é ainda mais evidente. O volume de vendas no varejo recuou 1,8% em outubro, com a venda de produtos não- alimentícios puxando o resultado com recuo de 2,7%, sinal de demanda mais fraca em meio à alta inflação e piora das condições financeiras. A produção industrial recuou 2% em outubro na comparação com setembro, fruto da crise energética que fez com que a produção de energia recuasse 3,9%. A guerra na Ucrânia e as subsequentes sanções à economia russa, maior fornecedora de energia para a Europa, têm causado dor de cabeça à economia europeia. Os estoques de gás natural ao redor da Europa se mostraram eficazes em suavizar o choque, entretanto, isso só foi possível devido ao clima mais ameno, o que deve mudar nas próximas semanas. A expectativa é que o inverno europeu seja mais rigoroso devido a uma área de baixa pressão sobre o polo norte, que direcionou um fluxo de ar ártico sobre o continente europeu, o que pode vir a pressionar ainda mais os preços de energia.

Inflação atingiu o pico em outubro. Em novembro, a inflação na zona do euro foi de 10,1% (a.a), recuando dos 10,7% observado em outubro. Os custos de energia continuam pressionando o índice de preço, com alta anualizada de 34,9%. Entretanto, pela primeira vez em meses, dá sinais de desaceleração, uma vez que em outubro a taxa foi de 41,5%. Ainda assim, o trabalho do Banco Central Europeu (BCE) ainda está apenas no começo, e a expectativa é de que o ciclo de alta se mantenha ao longo de 2023, mas em um ritmo menor. Após realizar duas altas consecutivas de 0,75 bps, o BCE elevou a taxa de juros em 0,5 bps na reunião de dezembro, em uma decisão considerada bastante hawkish. No comunicado, sinalizam que o ciclo de alta está longe do fim, antecipando que a taxa de juros ainda terá que subir consideravelmente em um ritmo constante para que alcance nível de restrição suficiente para trazer a inflação de volta à meta de 2% ao ano. Além disso, darão início ao enxugamento da liquidez, conhecido como quantitative tightening, em fevereiro, e, apesar das altas de juros, ainda estimam que o núcleo da inflação encerre 2024 em 2,8%. Portanto, o caminho é longo e uma recessão é quase certa, e podemos esperar novos aumentos de 50 bps para as próximas reuniões.

Japão

Iene é uma das moedas com pior performance em 2022. No ano, a moeda japonesa acumula desvalorização de mais de 17%, um fato surpreendente para uma das paridades mais estáveis da economia mundial. A média dos últimos 30 anos é uma taxa de câmbio de 1 dólar para 103 ienes. Ao longo das últimas semanas, a taxa de câmbio ultrapassou 150 ienes, algo que não era visto desde junho de 1990. Atualmente, a cotação oscila entre 130 e 140 ienes, o que parece ser o novo normal.

Essa é mais uma consequência do forte aperto monetário observado nos Estados Unidos

O Japão foi a primeira grande economia a cortar a taxa de juros para zero, e o Banco Central japonês (BoJ) é o precursor do quantitative easing. Com o aumento agressivo nas taxas de juros americanas, é natural que o fluxo em direção ao dólar aumente. Por outro lado, o BoJ ainda mantém sua taxa de juros básica em terreno negativo, amplificando esse movimento. E não há expectativa de aumentos no curto prazo, pois seu presidente vê a economia japonesa muito fraca para aguentar taxa de juros elevadas. De fato, uma maior taxa de juros aumentaria consideravelmente o custo da massiva dívida japonesa, forçando uma contenção de gastos por parte do governo. Portanto, o BoJ se vê obrigado a aceitar um iene mais fraco, restando apenas a alternativa de intervir no mercado cambial, o que de fato aconteceu após mais de 24 anos.

O iene mais fraco contribui para a maior inflação em 40 anos. Os preços ao consumidor alcançaram 3,6% (a.a) em outubro. Pode não parecer muito, mas para uma economia que lida a décadas com deflação, uma inflação nesse patamar chama a atenção. Uma consequência da desvalorização da moeda nacional é tornar os bens mais caros, especialmente os importados. No caso do Japão, o país é altamente dependente de petróleo e gás importado, o que tem contribuído para o encarecimento da economia. O aumento no custo de vida, por sua vez, pode ser a oportunidade tão esperada para dar início a uma espiral inflacionária de salário, o que pode ser a senha para o início do ciclo de alta nas taxas de juros japonesas. De fato, os dirigentes do BoJ têm indicado que, caso observem crescimento dos salários, e consequentemente uma inflação impulsionada pela demanda, podem iniciar o aperto monetário em 2023.

Portanto, ao longo de 2023, podemos ter o Fed pausando seu ciclo de alta na taxa de juros ao mesmo tempo em que o BoJ inicia seu ciclo de alta, criando condições para uma apreciação do iene contra o dólar. Assim, a economia japonesa se torna um ponto de atenção para 2023.

Dólar no mês

De acordo com o índice DXY, o dólar acumula perdas de 7,8% desde o pico atingido em outubro deste ano. Isto ocorre a despeito do aperto monetário, um sinal de que o mercado antecipava uma mudança de rumo do Fed, que não veio. O discurso do Powell indica que o FOMC considera que as condições financeiras aliviaram, logo, a continuidade do aperto é necessária para o controle da inflação. Portanto, em 2023, devemos observar a retomada do fortalecimento do dólar.


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