Lei das Estatais: o que é e quais os riscos de alteração.
Um dos grandes avanços em termos de governança corporativa para as empresas públicas ou de economia mista foi o sancionamento da Lei das Estatais em 2016. O contexto da época era de instabilidade em vários níveis, escândalos de corrupção, no âmbito da lava jato, e prejuízos em diversas empresas. Após a promulgação, muitas companhias passaram por uma serie de reformas internas, visando a implementação de melhores práticas de governança. Um dos indícios é o IG-Sest, o Índice de Governança da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, que passou de 4,15 em 2016 para os 8,07 atuais, em uma escala de zero a dez.
Outro efeito da mudança na gestão das empresas foi a performance na bolsa. Segundo dados da Teva Índices e B3, as estatais da bolsa tiveram um retorno acumulado superior ao Ibovespa, e até este mesmo considerando o resultado das eleições em outubro. A implementação de melhores práticas de governança, transparência na apresentação de resultados, metas mais claras e busca por eficiência se traduzem, ao longo do tempo, em resultados operacionais melhores, o que, por sua vez, afeta o valor de mercado das companhias. Privatizações concluídas e anúncios de privatizações também contribuíram para a valorização das empresas listadas, uma vez que a aquisição do controle pelo investidor privado envolve o pagamento de elevados prêmios. Exemplos de privatizações recentes são a TAG, BR Distribuidora (atual Vibra Energia), CEEE-G, CEEE-D, Sulgás, Celg T, entre outros.
A sociedade, como um todo, também se benéfica com empresas mais eficientes. Seja na melhora da qualidade do produto/serviço ofertado, no aumento de arrecadação de impostos, e na expansão dos investimentos com a ampliação da capacidade das empresas.
Mas, o que é a Lei das Estatais e o que pode mudar?
A Lei foi um dos grandes marcos na história da administração das empresas públicas, buscando proteger a gestão, reduzindo a margem de manobras de possíveis interferências políticas e adoção de uma gerência mais técnica. Destacamos alguns pontos da Lei das Estatais como: i) a exigências de políticos que tenham disputados eleições e/ou participado na gestão ativa de campanhas eleitorais nos últimos 36 meses, não possam ser indicados a diretoria ou conselho administrativo; ii) experiência prévia de 10 anos no setor ou 4 anos em companhias similares; iii) administradores não podem ser inaptos, moral ou tecnicamente; iv) limitação de gastos em publicidade a 2% do faturamento bruto das empresas.
É perceptivo que estes mecanismos limitam, de certa forma, o “apadrinhamento político”, o que impacta na gestão da empresa. Entretanto, propostas para alteração da lei estão em tramitação no Senado, deixando-a mais permissiva. Uma das intenções é diminuir o tempo que impede políticos de serem indicados, passando de 36 meses para 30 dias. Uma alteração desta forma permitiria, por exemplo, indicações como o Mercadante para presidência do BNDES e Jean Paul Prates para gerir a Petrobras.
Estatais Federais, Estaduais e Municipais: iguais, mas diferentes.
O que se chamam de titãs do Governo, as 5 empresas Federais, Petrobrás, Banco do Brasil, BNDES, Caixa e Correios, são as maiores companhias estatais e estão entre as maiores de seus mercados, com potencial de influência estatal na condução de políticas públicas, mesmo nos caso do Banco Brasil e Petrobrás, que são listadas em bolsa e possuem investidores minoritários do setor privado, inclusive estrangeiros.
Como demonstramos neste outro relatório, o próximo governo Federal demonstra interesse em mudar a atual política de preços da Petrobras, o que, em nosso entendimento, apresenta uma serie de riscos. O Brasil é autossuficiente em termos de produção de óleo bruto, mas deficitário em termos de derivados, principalmente diesel, uma vez que a capacidade das refinarias não supre toda a demanda. A solução, então, é a exposição ao preço internacional. Todavia, com as diversas pressões no preço da commodity, o consumidor brasileiro acaba sentido este repasse, mas uma mudança da política pode acarretar em acúmulos de prejuízos a Petrobras, aumento do seu endividamento e entre outros. Com todas estas incertezas, optamos por uma recomendação neutra em todas as estatais neste momento, não só Petrobras.
O Banco do Brasil, por sua vez, apesar de possuir uma governança corporativa robusta com um modelo de decisão colegiada, que envolvem representantes das unidades do banco e apoio de comitês executivos na definição das estratégias e aprovação de negócios, possui como seu principal acionista o Governo Federal, que através do conselho de administração ainda consegue ter forte influência na diretoria e, consequentemente, nos rumos estratégicos. O uso do crédito para ampliar os interesses e incentivos do governo, desalinhado à garantir solidez e rentabilidade nolongo prazo, pode ser um fator a se atentar para os próximos anos, o que pode afetar o nível de spread e qualidade de crédito, apesar de que no BB, por ser um banco listado e pertencente ao novo mercado da B3 com boas práticas de governança e transparência, achamos um caminho não improvável, porém, difícil, enquanto existem instituições como Caixa e BNDES com menor nível de transparência e dispositivos de governança, que são amplamente utilizados nas políticas públicas da União.
Uma interferência direta do Governo nestas entidades bancárias pode afetar diretamente a atuação do Banco Central brasileiro, limitando os instrumentos de política monetária, o que pode se desdobrar em juros mais elevados por mais tempo, situação bem danosa para sociedade, uma vez que impacta diretamente a atividade econômica do país.
Com relação às estatais estaduais e municipais, também mantemos certo pessimismo com a gestão e performance das mesmas. No entanto, salientamos que possam ter teses individuais sobrepondo a este cenário, como possíveis privatizações, Sabesp, Copasa e Cemig, por exemplo. Em São Paulo o drive é a vitória de Tarcísio Freitas (Republicanos) para o Governo do Estado, que tem postura mais inclinada a privatização. Minas Gerais, por sua vez, segue a mesma linha, mas com a reeleição de Romeu Zema (Novo).
Salvo estes possíveis casos, mantemos recomendação neutra com certo receio ao futuro da performance destas ações. Muitos são os exemplos de interferência que estas companhias tiveram no passado, ou ainda tem, levando a uma performance abaixo dos seus pares.
Embora acreditemos que nenhuma lei é imutável, a sociedade pode exigir situações diferentes ao passo em que a mesma evolui, entendemos que as propostas de alteração atual da Lei das Estatais que se pleiteia no Senado é mais danosa do que os possíveis benefícios, podendo levar a grandes prejuízos, além do retrocesso na governança de empresas no Brasil.