Macroeconomia


Uma concessão nada light!

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Rafael Winalda

Publicado 07/fev

Uma concessão nada light.

O debate que tomou os holofotes do setor elétrico nas últimas semanas foi em relação à distribuidora de energia Light (LIGT3), principalmente no que tange as amortizações previstas para os próximos anos, sua capacidade de geração de caixa, seu próprio caixa e o fim da concessão da distribuidora de energia. Rumores quanto a uma possível “queda de braço” entre a companhia e os bancos que temem uma não-renovação da concessão vis-à-vis um risco de inadimplência, acabou ganhando força após a empresa comunicar ter contratado a Laplace, empresa que assessorou a Oi (OIBR3) em seu processo de reestruturação de capital. Mas o que isso implica de fato para a Light?

A concessão da distribuição da companhia vence em 2026 e a renovação é negociada entre o poder concedente e os atuais controladores da Light. As discussões recentes giram em torno de uma possível não-renovação da concessão, algo incomum no segmento, em razão das dificuldades quanto à própria operação, principalmente quanto às perdas não-técnicas (os famosos “gatos”), e as taxas de retorno que se tornam menos atrativas. Além disso, a companhia ainda lida com o desafio da sustentabilidade de sua própria geração de caixa e possíveis dificuldades para acessar capital de terceiros (bancos, neste caso).

Assim, consideramos cinco possíveis cenários para o futuro da operação: i) uma renovação perpétua da concessão, mas mantendo as atuais condições da última RTP; ii) renovação por +30 anos, somente em 2026, iii) devolução da concessão em 2026, na qual o regulador remunera os acionistas por toda a BAR líquida de R$ 14 bi, iv) atraso de dois anos, mas corrigindo a BAR pelo WACC regulatório e, por fim, v) uma renovação antecipada, melhorando as metas regulatórias e tornando o investimento mais atrativo para a renovação da concessão.

Aproveite nosso relatório e boa leitura!

O preço da luz:

Basicamente existem três níveis na tarifa de energia no Brasil, Parcela A, responsável pelos custos de geração de energia, repassados integralmente aos consumidores, além de incluir os impostos, parcela que cabe ao governo, e por fim a Parcela B, que consiste na remuneração da distribuidora em si.

A Parcela B tem o seu processo revisitado periodicamente, sendo reajustada anualmente pela Revisão Tarifária Anual, corrigida pela inflação e pelo Fator X, sendo este um fator que visa a compartilhar os ganhos de escala que as companhias obtêm ao longo do tempo, como crescimento populacional e outros.

›Mas, em nossa opinião, o processo mais importante é a Revisão Tarifária Periódica (RTP), que ocorre entre 3/4/5 anos, a depender da concessão. Neste, são revisitados diversos aspectos, como o nível de custos eficiente, a base de ativos regulatória bruta e líquida, nível de perdas regulatória, perdas regulatórias, etc.

A metodologia é empregada pela ANEEL e o regulador visa aplicar a mesma base a todos as distribuidoras. Um dos pontos mais complexos é a determinação da base de ativos regulatória, que são todos os componentes físicos de uma distribuidora de energia, como cabo, fios, medidores. É também incrementado o Capex realizado dentro do ciclo tarifário, remunerando então o capital empregado.

O Grupo Light: uma luz no case.

O grupo atua em diversos segmentos do setor elétrico, como geração, comercialização, soluções energéticas e distribuição de energia. Destacamos que a empresa tem cerca de 873 MW de capacidade instalada, possuindo usinas hidroelétricas em vários estados do Brasil. Todavia, o carro chefe é a Light Energia, detentora da distribuidora atuante no Rio de Janeiro, contando com a segunda maior Base de Ativos Regulatória Líquida, atuando em um dos estados mais populosos e desenvolvidos do Brasil.

A última RTP foi em 2022, reajustando a tarifa de energia em 14,68%, determinando a RAB Líquida em R$ 10,1 bi, uma taxa de depreciação regulatória em 4,02% a.a. e um WACC regulatório de 10,82%, nominal. Entretanto, o maior atrito, em nossa opinião, foi o patamar de perdas regulatórias.

A concessão de distribuição vence de 2026, e a renovação é negociada entre o poder concedente e os atuais controladores da Light. As discussões recentes giram em torno de uma possível não-renovação da concessão, algo incomum no segmento.

Uma concessão nada Light.

Nossa abordagem foi dividida em três partes, uma voltada à estrutura de capital, principalmente no que tange a dívida e amortizações, em seguida temos a geração de caixa e por maiores quanto a última RTP, uma vez que algumas metas do regulador limitam o EBITDA potencial versus o regulatório e, por fim, possíveis cenários que vão desde a devolução da concessão até renovação da mesma.

Um dos grandes fatores de risco hoje é a alta alavancagem da empresa. Em termos de dívida líquida/EBITDA o indicador está entre 3,5x-4x, para o grupo Light como um todo, enquanto a média de seus pares é inferior a 3x. Embora o EBITDA tenha evoluído nos últimos anos, com melhor gestão de custos e maiores eficiências conquistadas pela empresa, tem-se investido mais, o que acaba consumindo caixa. Além disso, o consumo de energia tem caído no Rio de Janeiro ano após ano, situação que limita o avanço da geração de caixa da empresa.

Outro ponto muito importante nesta análise são as amortizações de dívida previstas para os próximos anos de, na média, cerca de R$ 2,3 bi até 2026, quando se encerra a concessão. Visto que o caixa atual gira em torno de R$ 4 bi, bem como o EBITDA da empresa pouco inferior a R$ 2 bi e o capex previsto é de R$ 850 mm ao ano, e ainda somando o fato da alta alavancagem, a empresa precisa ir a mercado para renegociar sua dívida (a famosa rolagem de dívida)

É neste contexto que a volatilidade acabou aumentando entre o fim de janeiro e início de fevereiro deste ano, uma vez que os bancos podem se mostrar reticentes renegociar ou ofertar novos recursos para a empresa, uma vez que uma não-renovação da concessão implicaria em liquidação da empresa.

Em nossa opinião, a última RTP determinou algumas metas de difícil sucesso, o que poderia limitar o apetite da Light pela renovação da concessão. Uma delas, se não a principal, são as perdas de energia. Existem dois tipos de perdas de energia, técnicas e as não-técnicas. A primeira é inerente a todo sistema de distribuição, correlacionada à qualidade dos ativos do sistema. Atualmente, as perdas técnicas estão próximas a 2 mil GWh, correspondendo a quase 7% do volume total injetado na rede, em linha ao patamar regulatório do próximo ciclo, 6,86%.

Entretanto, os desafios se dão em relação as perdas não-técnicas, popularmente conhecidas como “gatos na conta de luz.” Um indicador utilizado é o nível de perdas não-técnicas sob o consumo do mercado cativo, onde a Light apresenta números superiores a 50%, e no qual a meta regulatória para o próximo ciclo parte de 40,93% em 2022, atingindo 37,4% em 2026, situação que levanta questionamentos quanto à viabilidade de sucesso nesta linha. Lembrando que qualquer patamar acima do regulatório é arcado como prejuízo pelos acionistas.

O somatório das duas, ou seja, as perdas totais, é de quase 9 mil GWH, o que representa cerca de 26% ante a toda energia injetada na rede, e no qual o patamar regulatório para o próximo ciclo é próximo a 21,5%. Nas áreas de maior dificuldade de acesso para atuação e capex/manutenção, chamadas áreas especiais, as perdas chegam a mais de 31%. Segundo nossos cálculos, este delta de perda implica em uma redução de mais de R$ 400 mm no EBITDA da empresa.

Diante disto e outros fatores considerados em nossa modelagem, o EBITDA potencial da Light tende a fica abaixo do EBITDA regulatório, sendo este calculado pela remuneração de capital ante a Base de Ativos Líquida adicionado a Depreciação Regulatória. Projetamos uma ineficiência entre 20-25% para o longo prazo, considerando as atuais condições da última RTP.

Possíveis cenários

Existem duas grandes forças atuando neste case. Por um lado, o Grupo Light pode sofrer maiores riscos quanto à capacidade de geração de caixa, bem como amortização ou rolagem da dívida, uma vez que é incerta a renovação da concessão. Por outro, o regulador, em caso de não-renovação, precisaria ressarcir aos investidores todos os investimentos não-depreciados (RAB Líquida), cotada em R$ 10,1 bi em 2022 e, segundo nossos cálculos, perto de R$ 14 bi em 2026.

Assim, consideramos cinco possíveis cenários: i) uma renovação perpétua da concessão, mas mantendo as atuais condições da última RTP; ii) renovação por +30 anos, somente em 2026, iii) devolução da concessão em 2026, na qual o regulador remunera os acionistas por toda a BAR líquida de R$ 14 bi, iv) atraso de dois anos, mas corrigindo a BAR pelo WACC regulatório. Os quatro primeiros cenários retornam a seguintes Taxas Internas de Retorno (TIR):

O quinto cenário, que em nossa opinião é o de maior probabilidade de ocorrência, é uma renovação antecipada, melhorando as metas regulatórias e tornando o investimento mais atrativo para a renovação da concessão, uma vez que a TIR esperada do terceiro cenário é a mais elevada. Dificilmente um outro player assumiria esta concessão arcando com R$ 14 bi, já que este retornaria uma TIR negativa, o que corrobora para uma expectativa entre um melhor acordo entre o atual grupo e o poder concedente.


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