Curto prazo desafiador, mas em breve serão águas passadas.
O setor de saneamento tem passado por fortes movimentações desde a sanção de seu Novo Marco Legal, aprovado no Congresso em julho de 2020. Como foi discutido em nosso Início de Cobertura, o intuito desta sanção era aumentar a competitividade e o nível de investimentos no setor, que além de ser um incentivo econômico, visava, principalmente, incrementar a qualidade da prestação de um serviço que é considerado essencial. Desde a aprovação, foram registrados nove leilões de concessão de serviços de saneamento, que totalizaram R$ 72,2 bilhões de investimentos.
Entretanto, a qualidade dos serviços de saneamento no Brasil ainda é considerada precária. Últimos dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes ao ano de 2020, reportaram que cerca de 15,9% da população brasileira ainda não possui acesso a água em domicílio, e cerca de 45% não possui coleta de esgoto. Estes números equivalem a aproximadamente 33 milhões de pessoas sem abastecimento de água, e 95 milhões sem atendimento com rede de esgoto. Além disso, de todo o esgoto gerado no ano de 2020, apenas 50,8% dele foi tratado.
O atendimento precário do serviço sanitário se torna extremamente prejudicial à qualidade de vida da população, podendo acarretar uma série de doenças relacionadas à inadequação da prestação destes serviços. Estas doenças acabam se tornando uma das principais causas da mortalidade infantil, e de acordo com o IBGE, nos últimos 10 anos, em média 11 mil pessoas morreram anualmente, vítimas de doenças infecciosas e parasitárias, comumente originadas em ambientes que apresentam má qualidade de seu sistema sanitário.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA) órgão regulador do setor, apenas 15 companhias estaduais apresentaram documentação que comprove a capacidade de cumprimento das exigências de atendimento do Novo Marco Legal. Além das alterações no atual modelo de contratos, abrindo a renovação dos atuais contratos de programa para um processo licitatório obrigatório, o Novo Marco impôs que as companhias que tivessem contratos vigentes, apresentassem um índice de cobertura em sua área de atendimento de 99% de abastecimento de água, e 90% de tratamento de esgoto, com data limite para 2033, impulsionando assim, os investimentos no setor. Esta situação atual insatisfatória, segundo recente declaração do presidente do BNDES, leva a uma fase atual de início da estruturação de nova onda de leilões de concessão e financiamentos de longo prazo no setor, o que dá, através da nova legislação, maior abertura para penetração da iniciativa privada, algo que pode proporcionar boas oportunidades para as companhias abertas do setor, como veremos a seguir.
Copasa: margens apertadas, mas uma boa opção para dividendos.
A Copasa é uma sociedade de economia mista de capital aberto, controlada majoritariamente pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Em março de 2022, a companhia detinha 640 concessões de prestação de serviços de abastecimento de água (75% do estado) e 310 concessões de serviços de esgotamento sanitário (36% do estado), o que resulta no atendimento de aproximadamente 5,4 milhões de economias de água, 3,8 milhões de economias de esgoto, e de uma população aproximada de 12 milhões de pessoas.
Um dos pontos mais sensíveis da análise de Copasa está ligado à eficiência de sua operação e sua gestão de custos. Minas Gerais é um estado extenso, e é o que apresenta maior número de municípios dentro do território nacional, sendo que a grande maioria deles apresenta um IDH considerado entre médio e baixo, fator que muitas vezes resulta em ambientes com carência de estruturas sanitárias. Desta forma, a companhia acaba apresentando uma elevada quantidade de custos e despesas com instalações, deslocamento, manutenções e gerenciamento em geral, acima de seus demais pares, o que penaliza as suas margens operacionais. Apesar disso, a companhia vem apresentando uma crescente melhora, ao longo de seus últimos resultados, mesmo que ainda seja menos eficiente do que os seus peers.
Já um ponto positivo para a Copasa é o longo prazo de vencimento médio de seus maiores contratos. Apesar de o novo marco excluir o processo de renovação dos contratos de programa, obrigando as companhias a entrarem em um processo licitatório, ele vale somente para novos contratos, não alterando contratos vigentes, o que, para a companhia, garante certa estabilidade de seu portfólio, em, ainda por alguns anos, mediante claro, a comprovação da universalização de seu atendimento, com vencimento em 2033.
Riscos
Para os principais riscos que podem impactar as ope- rações da Copasa, listamos: (i) fatores macroeconômicos, como variações sobre o câmbio, taxa de juros, e inflação, dada a alavancagem moderada da companhia, o seu custo local de financiamento de dívida, e a sua posição de dívida em moeda estrangeira (atualmente, 6% em euro); (ii) gestão operacional, que mesmo apre- sentando uma curta melhora, ainda possui custos elevados; (iii) risco político, em razão do controle majoritário da companhia pertencente ao Governo do Estado de Minas Gerais, além das elevadas regulamentações do setor.
Valuation
Sustentamos a nossa recomendação para CSMG3 em Neutra, com preço alvo de R$ 17/ação para o final de 2022. A nossa recomendação reflete o desempenho operacional da companhia e a sua gestão de cus- tos ineficiente, quando comparada com seus pares de capital aberto. Realizamos as devidas atualizações de premissas macroeconômicas, bem como a atualização de sua base de ativos, além da incorporação de seus recentes resultados no modelo, que resultaram em um WACC de 10,79%.
Apesar disso, com uma robusta política de distribuição de proventos, seja em dividendos regulares ou sob for- ma de juros sobre o capital próprio, atualmente situa- da em 50% de seu lucro líquido, a companhia continua sendo uma boa opção para um portfólio voltado para distribuição de proventos. O nosso DY esperado para a Copasa ao final de 2022 é de 7%.
Sabesp: de olho nas oportunidades.
Fundada em 1973, a Sabesp é uma Sociedade Anônima de economia mista, que regula as operações de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos sólidos em 375 cidades do estado de São Paulo. É definido pela Lei Estadual No 11.454/03, que o Governo do Estado de São Paulo deve ser o acionista controlador da companhia, detendo qualquer quantidade superior à metade das ações com direito a voto de seu capital social, valor que atualmente corresponde a 50,3%. Atualmente, aproximadamente 30% de todo o investimento feito em saneamento no Brasil passa pela companhia.
Hoje em dia, a companhia opera aproximadamente 9,9 milhões de ligações de água, e 8,5 milhões de ligações de esgoto, atendendo uma população de aproximada- mente 28 milhões de pessoas. Dada a elevada densidade demográfica de São Paulo, principalmente em função da região metropolitana da capital, a companhia é responsável pelo atendimento de aproximadamente 70% de toda a população urbana do estado. Além de sua elevada densidade demográfica, a “Grande São Paulo” ocupa uma posição de destaque como centro econômico e polo de desenvolvimento financeiro no país.
Mesmo com as novas implementações do setor, a companhia apresenta uma estabilidade de receita, dado que os seus 10 principais contratos ainda vigentes apresentam um prazo restante médio de aproximadamente 25 anos, e representam juntos, aproximadamente 65% de sua receita líquida.
Os reservatórios da região sudeste foram fortemente impactados pela crise hídrica do ano anterior. Com o Cantareira atingindo os seus menores níveis de volume dos últimos seis anos, desde a severa crise hídrica de 2014-2015, a companhia teve que adotar uma série de medidas que partiram desde a redução da pressão de abastecimento durante a madrugada, até a aplicação de políticas de corte e racionamento entre blocos municipais. Como contramedida, foram implantados uma série de investimentos que interligassem os reservatórios que abastecem a companhia, possibilitando o intercâmbio de volume físico caso seja necessário. Atual- mente, o volume dos reservatórios da Sabesp está em 60%.
Em relação ao seu desempenho operacional, destaca- mos que a companhia já apresenta tanto as suas ope- rações de distribuição de água, quanto a de coleta de esgoto enquadradas nos pré-requisitos de cobertura de atendimento do Novo Marco de saneamento. A companhia, segue apresentando um modelo de negócios com uma eficiência operacional, e uma gestão de cus- tos que possibilita a obtenção de uma margem EBITDA superior à de seus pares abertos, encerrando 2021 em torno de 42%.
Por fim, outro fator positivo para a Sabesp ao nosso ver é o seu interesse em expansão operacional além do estado de São Paulo. Mesmo sendo uma empresa de economia mista controlada pelo GESP, por meio do Novo Marco Legal a Sabesp já demonstrou interesse na expansão, como por meio da participação nos leilões da Companhia de Água de Alagoas, e da Cedae, no Rio de Janeiro, em 2020 e 2021, respectivamente. Mesmo
não se sagrando vencedora dos eventos em questão, o interesse de expansão no portfólio, ao nosso ver, pode trazer boas oportunidades para a companhia no futuro.
Riscos
Em relação aos riscos relacionados as atividades da companhia, elencamos principalmente: (i) fatores macroeconômicos, com elevação da taxa de juros, e aumento da inflação; (ii) deterioração da taxa de câmbio, dada a significante posição em moeda estrangeira de sua dívida total, em 15%; (iii) Risco político e regulatório, dada a elevada participação do Governo do Estado de São Paulo no capital social e no capital votante da companhia, podendo implicar em também em implementações na regulamentação do setor.
Valuation
Manteremos a recomendação de SBSP3 como Com- pra, com o preço-alvo em R$ 52/ação, visando dezembro de 2022. A recomendação de compra decorre do desempenho eficiente da companhia, em comparação com os seus pares, os seus novos investimentos em infraestrutura de interligação hídrica, diminuindo o risco hidrológico e a sua atual precificação, onde vemos espaço para upside. Nosso modelo foi contemplado com os seus resultados, em conjunto com a atualização de nossas premissas internas. O custo médio pondera- do de capital utilizado foi de 10,9%.
Sanepar: situação hídrica já não é tão preocupante.
Fundada em 1963, a Companhia de Saneamento do Paraná é também uma economia mista de capital aberto, que possui 20% de seu capital controlado pelo Governo do Estado do Paraná, mas que resulta em um controle de aproximadamente 60% do capital votante da companhia. Atualmente a empresa conta com o indicador de seu atendimento com água tratada universalizado, e com um índice de atendimento da sua rede de esgoto em 77,5%, mas com 100% de seu esgoto coletado sendo tratado. Desta forma, são aproximadamente 3,6 mm de ligações de água atendidas, e 2,4 mm de ligações de esgoto.
Entre as demais companhias abertas do setor, a Sane- par foi a mais afetada pela crise hídrica ao longo dos últimos anos, dado o maior impacto de estiagem que o La Niña gera sobre a Região Sul do país. Apesar disso, os níveis dos reservatórios que abastecem os sistemas utilizados pela companhia já apresentam significativa recuperação, principalmente em razão do volumoso período de chuvas no início deste ano. Com todas as re- presas localizadas na região metropolitana de Curitiba, com apenas uma com volume abaixo de sua capacidade máxima, a represa de Passaúna, em junho de 2022 o nível consolidado dos reservatórios da companhia era de 90%, minimizando o risco hidrológico para esse ano.
Um destaque negativo para as operações da Sanepar é o seu risco regulatório. A companhia atualmente se encontra sob a segunda etapa de sua Revisão Tarifária Periódica, que foi iniciada em 2020, visando alterar a sua tarifa para o ciclo 2021-2024. Após algumas reviravoltas, porém, a revisão atualmente se encontra em etapa de consulta pública, e a revisão que antes possuía prazo final para 2022, atualmente apresenta data limite de conclusão para abril de 2023. Recentemente, a Agepar divulgou o ajuste tarifário anual da companhia, que apresentou um reajuste de 4,963% para os serviços de água e esgoto praticados pela companhia, sendo o último reajuste anual antes da próxima RTP.
Riscos
Para a Sanepar, destacamos três principais riscos, sendo eles: (i) risco regulatório, dado que a companhia ainda aguarda a conclusão da segunda etapa do processo de revisão tarifária periódica, adiado novamente até abril/23; (ii) deterioração de alguns indicadores macro- econômicos, como taxa de juros e inflação, o que pode encarecer o seu custo de capital; e (iii) risco hidrológico, mesmo tendo em vista que a os reservatórios da companhia atualmente se encontrem em uma situação confortável, a Região Sul se torna mais suscetível a sofrer impactos mais drásticos em decorrência de fortes variações climáticas.
Valuation
Alteramos a recomendação de SAPR11 de Compra para Neutro, mantendo o preço-alvo de R$ 27/ação, para dez/2022. A mudança da recomendação reflete a nossa expectativa de valorização das ações da companhia até o final do ano, principalmente tendo em vista que o deadline de conclusão da 2a Etapa de sua Revi- são Tarifária Periódica será somente em abril de 2023, sendo já próximo do fim de seu ciclo, o que, em nossa opinião, pode acabar prejudicando os resultados da Sanepar até lá.