Macroeconomia


Global Markets | Real Estate

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Gabriela Joubert

Publicado 23/mar

O mercado imobiliário norte-americano

Frequentemente se diz que o ciclo de negócios do mercado imobiliário americano é o ciclo de negócios da economia americana. O setor imobiliário como um todo é responsável por cerca de 17% da riqueza gerada nos Estados Unidos e, apesar dos investimentos residenciais representarem menos de 5% do PIB americano, este acaba sendo mais volátil que o de outros setores da economia. Por ser mais cíclico, em tempos de expansão econômica, ele avança mais que a média, por outro lado, em tempos de recessão ele também recua mais que a média.

Por ser um setor de capital intensivo e um dos primeiro a sofrer os impactos dos ciclos econômicos, é visto como um indicador antecedente. De fato, contrações no mercado imobiliário anteciparam 9 das últimas 11 recessões. As duas exceções foram a bolha ponto.com, em 2001, e a recessão causada pela pandemia em 2020. Um framework muito utilizado para medir a temperatura do ciclo econômico é o H.O.P.E, que consiste em Housing, Orders, Profits, e Employment. Ou seja, se observarmos o mercado imobiliário desacelerar, juntamente com a diminuição nos novos pedidos e dos lucros das empresas, seguido de aumento no desemprego, é porque muito provavelmente iremos observar uma recessão. E a ordem aqui importa. Primeiro observamos desaceleração no mercado imobiliário, que por sua vez leva a uma diminuição nos novos pedidos, que por sua vez diminui os lucros das empresas, que, por fim, eleva o desemprego da economia. E o ciclo contrário também é verdadeiro. Quando, em momentos de queda de crescimento, vemos o mercado imobiliário acelerar, a probabilidade de novos pedidos crescerem, seguido de alta nos lucros das empresas e queda no desemprego também aumenta.

Fonte: Bea.gov

Mas, afinal de contas, o que é Real Estate?

O segmento de Real Estate, em sua raiz, é o investimento em ativos reais, como imóveis residenciais, comerciais, propriedades industriais e terras. Na economia americana, o setor representa uma grande parcela da riqueza das famílias, e prevalece o forte hábito de compra da casa própria, tornando-se este importante motor do crescimento econômico pelo seu alto nível de empregabilidade e capital intensivo. Outra característica importante é a sua ciclicidade, tendo como os principais fatores a i) taxa de juros, que impacta diretamente o custo do financiamento, desacelerando a demanda por casas, ii) o crescimento econômico do país, iii) subsídios, créditos fiscais e deduções podendo fomentar a demanda do setor e vi) demografia, com envelhecimento da população agindo em prol da maior demanda por imóveis.

O mercado imobiliário tem sua própria ciclicidade e na imagem abaixo demonstramos as suas principais fases e seus impactos nas empresas dentro do setor:

Fonte: Inter Research

Principais indicadores do Setor

Entre os principais indicadores para acompanhar o desempenho do setor, destacamos:

i) Building Permits: é a autorização concedida pelo órgão regulador antes do início da construção. Esse indicador pode ser utilizado como um termômetro para a confiança e solvência dos consumidores, pois com o aumento nas licenças provavelmente teremos um aumento subsequente no número de construções. Diante da constante elevação nas taxas de juros o indicador Building Permits apresentou uma forte desaceleração nos últimos 11 meses consecutivos. Contudo, no mês de fevereiro, vimos uma reversão desta tendência de queda, com o índice apresentando uma alta de 7,6%, podendo indicar que estamos diante do início de uma retomada de novas construções, com o aumento das apostas do mercado no início do corte de juros em breve.

Fonte: U.S Census Bureau

ii e iii) Housing Starts e New Home Sales: são indicadores que reportam o início de construção e a venda de novas casas. Os dois indicadores ajudam a medir a saúde do segmento imobiliário e servem como um indicador antecedente da economia americana. Depois da forte queda desde o início do cilco de alta de juros pelo Fed, com a expectativa de uma possível queda nas taxas das hipotecas, os indicadores Housing Starts e New Home Sales apresentaram uma recuperação em fevereiro, sinal de que uma possível estabilidade no ramo imobiliário possa estar a caminho.

Fonte: U.S Census Bureau

vi) Existing Home Sales: é a venda de casas já existentes, sendo considerado um indicador posterior, pois as escolhas de trocas de moradias estão ligadas à mudança nas taxas de juros com grande parte das vendas envolvendo uma hipoteca. As vendas de imóveis tiveram queda expressiva com a elevação das taxas de juros, seguindo a deterioração das expectativas e do apetite do consumidor para troca de imóvel. Recentemente, podemos observar leve reversão desta tendência com o cenário de aquecimento da economia.

Fonte: National Assoc. of Realtors

Dinâmicas dos Indicadores

Na figura abaixo demonstramos a dinâmica no ciclo da construção, sendo o primeiro passo a concessão do alvará, ou o Housing Permit. Após a concessão, a próxima etapa é o início da construção, que normalmente se inicia com a preparação do terreno. Em seguida, começa o trabalho de venda das novas casas, New Home Sales. Por fim, devemos analisar o mercado secundário de casas pelo Existing Home Sales.

Na figura abaixo demonstramos a dinâmica no ciclo da construção, sendo o primeiro passo a concessão do alvará, ou o Housing Permit. Após a concessão, a próxima etapa é o início da construção, que normalmente se inicia com a preparação do terreno. Em seguida, começa o trabalho de venda das novas casas, New Home Sales. Por fim, devemos analisar o mercado secundário de casas pelo Existing Home Sales.

Hipotecas/Mortage: As hipotecas são o principal meio de financiamento do setor imobiliário, usada para comprar ou manter um imóvel havendo em seu empréstimo a propriedade como garantia. A taxa de juros das hipotecas está atrelada às taxas do tesouro americano, e taxas baixas por um longo período, desde a crise de 2008 mantiveram o custo do financiamento imobiliário também historicamente baixo. A recente elevação das taxas de juros é bastante significa e deve desacelerar a concessão de novos financiamentos bem como refinanciamentos no setor.

Fonte: Bloomberg, Mortgage Bankers Association

Crise do Sub Prime, lições aprendidas e o legado da Lei Dodd-Frank: A grande recessão de 2008 teve como protagonista a insolvência do mercado imobiliário americano. O segmento vinha de um boom de financiamentos que gerou enorme alavancagem em emissões de títulos lastreados a hipotecas e derivativos. Instituições financeiras, seguradoras e resseguradoras criaram mecanismos de refinanciamento de hipotecas, com garantias duvidosas, incorporando esses recebíveis em portfólios, avaliados como de baixo risco pelas principais agências de rating globais e vendidos ao mercado. Em um relatório escrito pela Comissão de Inquérito à Crise Financeira foram apontados os seguintes erros durante a crise: i) incapacidade do FED em evitar que os bancos concedessem hipotecas a tomadores com alto risco, ii) elevado nível de risco, principalmente com o mercado bancário paralelo e iii) fraca supervisão regulatória. Por fim, em 2010 o governo assinou a lei Dodd-Frank que dentre diversas medidas, deu poderes ao governo para regular o mercado financeiro.

Fonte: Inter Research e Anbima

Onde estamos e para onde caminha o setor? No atual momento do ciclo econômico americano já se observa uma desaceleração considerável do mercado imobiliário. O aperto monetário elevou as taxas de hipoteca para acima de 6%, quase o dobro do custo observado em janeiro de 2022. A taxa mais alta reduz a demanda por imóveis, e as vendas de imóveis existentes saiu de 6,5 milhões em janeiro de 2022 para 4 milhões em dezembro, o que indica que estamos na Fase IV do ciclo econômico. Como o ciclo de aperto monetário perto do fim, o setor deve manter a desaceleração ao longo de 2023.

Outro ponto importante a se notar é o efeito riqueza. Tipicamente, os imóveis constituem grande parte do net worth das famílias, que muitas vezes utilizam como colateral para hipotecas, em algumas ocasiões hipotecando mais de uma vez o mesmo imóvel. Quando os preços dos imóveis estão em tendencia de queda, o patrimônio das famílias diminui, piorando as condições financeiras da economia como um todo. O preço médio dos imóveis ainda está em patamar elevado, mas um cenário em que o preço médio recue mais de 4% em 2023 é bem provável.

Fonte: S&P/Case-Shiller

No entanto, quando olhamos outros indicadores do setor, como o NAHB que mostra a confiança do segmento, já começamos a ver sinais de melhora. Após os recentes acontecimentos, as apostas de que o FED deva estar caminhando para o fim do seu ciclo de alta dos juros ganharam força, o que, somado com a redução observada nos preços dos insumos e nas melhores perspectivas para a inflação, contribuem para uma visão de que talvez o pior já tenha ficado para trás.

Além disso, vale ressaltar que mesmo com a alta significativa que vimos nos últimos meses nas taxas das hipotecas, o índice de inadimplência do setor permanece em nível baixo, configurando um mercado mais maduro e protegido do observado em 2008, resultado também de um mercado de trabalho que segue aquecido. A vacância dos imóveis alugados que vinha subindo já dá sinais de reversão de tendência, podendo indicar que a virada de fase do ciclo está próxima. As apostas do mercado são para 2024, momento em que, de acordo com as projeções, as taxas de juros da economia norte-americana já estejam em níveis mais baixos dos atuais.


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