A pauta é... recessão nos Estados Unidos
Desde o início do ciclo de aperto monetário mais contundente por parte do FED, o termo recessão tem ganhado cada vez mais menções, refletindo o sentimento mais preocupado dos executivos em diversas indústrias, diante das pressões de custos vindas de uma cadeia de suprimentos sob estresse, preços de commodities em níveis ainda elevados, restrições logísticas seja por conta de fechamento de portos, ausência de contêineres, seja por greve de trabalhadores. Por outro lado, números acima do esperado de indicadores nos Estados Unidos ainda mostram uma economia forte, o que poderia tornar o árduo processo de trade-off entre controle de inflação e menor crescimento do FED mais ameno.
As incertezas em curso, contudo, trazem um momento de grande volatilidade, conforme comportamento do VIX nos últimos meses, e exigem elevado nível de cautela por parte dos investidores.
Ao mesmo tempo em que vemos uma economia global caminhando para desaceleração, esta por sua vez já refletida nas bolsas chinesas e ainda por muito a se ver no velho continente, oportunidades acabam surgindo. Em processo de fuga de incertezas, temos visto um swap com saída generalizada de mercados desenvolvidos e busca por mercados com riscos já mapeados e devidamente precificados, como é o caso das bolsas chinesas e até mesmo do nosso próprio índice. Neste curto prazo, ações ligadas ou expostas à economia chinesa, como por exemplo, mineradoras e siderúrgicas, podem apresentar um viés de alta, motivadas pela retomada das atividades no país.
Américas: A pauta é recessão
O receio de que os Estados Unidos vivenciem uma recessão a partir de 2023 ganha força nas falas de executivos, agentes do governo e demais atuantes do mercado. A dúvida que baliza as discussões aparentemente não se trata mais de se haverá ou não uma recessão, mas sim de quando e em que magnitude. Enquanto o FED sinaliza continuidade de um aperto mais agressivo, com possível alta de outros 75 bps para julho, o mercado mantém a cautela, mas segue pressionando os preços dos ativos. Conforme levantamento feito pela Refinitiv, nos últimos meses, quase 70% das empresas com projeções revisadas sofreram algum tipo de downgrade este mês, refletindo os impactos de inflação e juros nos fundamentos das companhias.
Com a temporada de balanços do 2T22 chegando, devemos observar números mais comedidos nos relatórios de prévias divulgados ao mercado, e continuidade nos cortes nas projeções de crescimento dos lucros das empresas. Com isso, poderemos ver uma safra de revisões de preços-alvos conforme sejam incorporadas nos valuations a deterioração recente observada nos fundamentos.
Na semana passada, nossa economista chefe esteve reunida com investidores e analistas em road show em Nova Iorque e abaixo trazemos um resumo com os principais pontos abordados:
- Cenário nos EUA: para a maioria dos investidores, a recessão é praticamente uma certeza e o risco está na sua magnitude, se será mais branda ou uma queda mais forte da atividade. O cenário base para a taxa de juros está hoje próximo de 4%, mas ainda há um receio de que o Fed tenha que ir mais longe caso a inflação continue a persistir.
- Inflação americana: a aceleração da inflação foi uma surpresa para a maioria dos investidores e, mesmo quem esperava inflação maior, não previa uma taxa chegando próxima de 9% ao ano. Não são somente gargalos de oferta, mas o excesso de estímulos também causou desequilíbrios pelo lado da demanda e o mercado de trabalho segue bastante pressionado. Alguns sinais de desaceleração da economia, incluindo a queda recente das commodities podem já ser indícios de desaceleração, mas por outro lado, a desglobalização, com a busca pelas empresas por maior segurança e não mais low cost, pode manter custos maiores por mais tempo. Nessa linha, poderemos ver inflação mais próxima de 3% pelos próximos anos, ou seja, os juros também serão mais altos por mais tempo, mesmo em um cenário de recessão.
- Eleições nos EUA: as eleições para o congresso americano também adicionam preocupação no cenário, pois a perda da maioria pelos democratas, partido do atual presidente, pode dificultar a aprovação de medidas fiscais e trazer maior polarização para a reeleição em 2024.
- Mercados emergentes: o risco para mercados emergentes também aumentou, como já observado pela alta recente do CDS dos países, reflexo de maior prêmio devido à maior taxa de juros nos EUA. O ciclo de alta das commodities tende a favorecer alguns países do bloco, particularmente os exportadores. A maior preocupação é com os países importadores de petróleo e a pressão de alta nos custos, tanto pelo petróleo mais caro, mas também pelo dólar mais forte.
- Cenário Brasil: para os investidores estrangeiros, o cenário global de maior aversão a risco, devido à alta de juros pelo Fed, impacta negativamente o Brasil, mas as exportações de commodities são um contraponto. Outro risco no radar seria um crescimento menor da China, caso não concretize a expectativa de uma recuperação mais robusta após a recente queda da atividade devido aos lockdowns.
- Eleições no Brasil: o cenário de incerteza em ano eleitoral está dentro do esperado, mas segue menor que em outros momentos, devido ao maior conhecimento dos candidatos. Não há significativas menções ao risco fiscal, pelo menos não no curto prazo. Mas para 2023 em diante, é esperada uma retomada das discussões em torno de uma regra fiscal crível, reduzindo o risco fiscal de longo prazo. Ainda sobre incertezas eleitorais, investidores estrangeiros esperam que riscos ambientais e governança sejam endereçados e podem impactar novos investimentos no país.
O mês de junho foi marcado por grande volatilidade no mercado de renda fixa americano, refletindo a incerteza com o risco de inflação e os próximos passos do Fed. Os juros dos títulos de 10 anos chegaram a 3,5% e voltaram para mais próximo de 3,2%. Apesar de recessão ter sido a palavra mais mencionada entre os investidores, os dados recentes ainda não são claros sobre o início da desaceleração e, com a inflação ainda bastante elevada, a próxima alta do Fed pode novamente ser de 75 bps. O S&P500 chegou a cair cerca de 12% ao longo do mês, mas recuperou na última semana. Um maior alívio na inflação pode vir da queda das commodities, que também caíram 10% do pico, puxada pela queda na cotação do petróleo. Mas a dinâmica de inflação nos serviços ainda pode permanecer negativa por um tempo, com a elevada demanda e mercado de trabalho aquecido. A volta do equilíbrio entre oferta e demanda ainda vai demorar e o ajuste nos juros será fundamental nesse processo e assim, estamos longe de antever o fim desse ciclo. Por isso, lembramos da importância em manter a cautela no cenário de incerteza e volatilidade global mais elevada.
Europa: Enquanto isso, no velho continente
A situação segue ainda mais desafiadora. Os gargalos causados pela guerra na Ucrânia, seguidos pelos embargos e sanções à Rússia limitam a oferta de importantes insumos na região por um lado. Por outro, na ponta demandante, os recentes fechamentos da economia chinesa, importante mercado consumidor da região, também têm colaborado para o aumento das incertezas e limitado expansão de receitas das companhias. De mesmo modo, as pressões inflacionárias e os altos níveis dos preços de commodities seguem pressionando não apenas as margens das companhias, mas também o padrão de vida da população, que já mostra deterioração nos níveis de confiança, ficando estes próximos ao observado na crise de 2008-2009 e apenas abaixo do pico de 2020, quando do auge da pandemia.
Além disso, nota-se um descontentamento quanto ao posicionamento e atuação dos BCs na região no controle mais incisivo da inflação. Tendo ou não agido de maneira mais talhante, fato é que o cenário vem apresentando rápida deterioração e as medidas que devem ser tomadas para tirar a região do imbróglio em que atualmente está exigirão um esforço maior das autoridades monetárias e, enquanto isso, os ativos vão sendo reprecificados, reforçando a visão mais cautelosa na região.
Ásia: Se uns perdem, outros ganham. Sempre!
Após meses de correção em virtude de uma maior percepção de risco advinda das medidas de contenção do avanço de casos de covid na região, nas últimas semanas temos visto um retorno de capital às bolsas chinesas, especialmente após a remoção dos lockdowns, notícias de zeragem de casos de covid em Xangai e, mais recentemente, flexibilização de quarentena para turistas. Com aumento do risco de recessão e confirmação do bear market nos Estados Unidos, bem como situação mais delicada na Europa, os índices asiáticos apresentam-se como uma opção aos demais. Assim, empresas atreladas à economia chinesa, como mineradoras, siderúrgicas, varejo de luxo, têm sido impulsionadas pelos efeitos de retomada econômica no país asiático, ao menos no curto prazo. Entretanto, dados de PMI e outros indicadores macroeconômicos retomando em velocidade abaixo do esperado, bem como uma taxa de desemprego acima do preferível, indicam que uma desaceleração é o cenário mais plausível para o médio e longo prazo, mesmo com os pacotes de incentivos anunciados pelo governo chinês nos últimos meses.
Flashing Forward
Dados de inflação e PMIs serão acompanhados de perto pelos agentes econômicos visando a entender os efeitos das medidas tomadas até agora e os possíveis próximos passos dos BCs, especialmente o FED, nas próximas reuniões. Conforme falado, um aumento de 75 bps na taxa de juros americana em julho já parece consenso, contudo mercado atentará para o tom adotado no discurso do presidente da instituição, Jerome Powell, e seus efeitos para o restante do ano. Na China, com reabertura da economia após lockdowns, espera-se melhora nos PMIs a serem divulgados amanhã, apesar do sentimento ainda dúbio quanto às expectativas de crescimento para o ano.