Aversão ao risco e a desaceleração global
Desde o início de janeiro, o S&P500 já acumula queda de mais de 18%, acompanhado pelo forte desempenho negativo do Nasdaq, que recua quase 30% no ano. As perdas não se limitam apenas aos índices norte-americanos, uma vez que o cenário na Europa também segue desafiador, especialmente após a eclosão da guerra na Ucrânia, enquanto na Ásia, o governo chinês se vê em posição delicada entre manter sua política de intolerância à Covid e ao mesmo tempo estimular uma economia que já apresenta sinais de arrefecimento. Com um cenário inflacionário dado, a atenção do investidor agora se volta aos desdobramentos decorrentes deste panorama: sejam políticas monetárias mais contracionistas, seja uma retração econômica generalizada.
Se nas últimas semanas a pauta era inflação e o posicionamento dos Bancos Centrais, ante uma política monetária mais contracionista para controle de preços sem reduzir abruptamente os já comprometidos níveis de atividade, o assunto que agora permeia as decisões dos investidores são as consequências destas deliberações, tardias ou não, na desaceleração do crescimento global. Dados de atividade tanto na China quanto na Europa e, em menor escala, nos Estados Unidos, já mostram os efeitos da pressão de custos e choque de oferta na cadeia de suprimentos. O tom dos Bancos Centrais permanece ameno, ou até mesmo alheio (como no caso da China) em tentativa de conter as expectativas sem gerar um alarde, mas, de fato, a aversão ao risco tem se elevado no mesmo ritmo que as preocupações quanto ao ritmo de expansão das economias mundiais.
Na semana passada, grandes varejistas norte-americanas colocaram ainda mais pressão sobre o mercado, com resultados aquém do estimado e revisões para baixo de seus guidances, apesar de dados de varejo ainda se mostrarem resilientes. Enquanto isso, na China, afrouxamento das políticas de lockdown deram fôlego aos mercados globais, em especial às empresas exportadoras de commodities, com ímpeto maior após anúncio do Banco Central chinês sobre redução de taxa de juros acima do esperado. Na Europa, o assunto foi mais uma vez inflação e fala de Lagarde sobre início do aperto monetário na região.
Américas:
Em comunicações recentes, o Presidente do FED, Jerome Powell, tem ressaltado que existe a possibilidade de a inflação retornar para patamar compatível com a meta sem que haja uma recessão na economia americana. Ao menos no curto prazo, os indicadores de fato parecem apontar na direção de uma economia forte e aquecida. Em abril, a produção industrial apresentou crescimento de 1,1%, na comparação ao mês anterior, superando a projeção mediana do mercado de 0,5%. Apesar da divulgação mostrar um avanço relativamente homogêneo entre os principais grupos, vale destacar o desempenho forte da produção de bens de capital e de insumos intermediários. Após uma recuperação mais lenta em 2021, a produção industrial acelerou nos últimos meses e já supera a tendência pré pandemia em cerca de 0,8%. Além disso, o indicador de uso da capacidade instalada alcançou 79%, acima da média de aproximadamente 77% da última década. Dessa forma, é possível que haja uma continuidade da pressão sobre os preços de bens industriais, especialmente caso os gargalos de oferta globais demorem a mostrar alguma normalização.
Já as vendas no varejo e serviços alimentícios tiveram crescimento de 0,6% em abril, ajustado pela inflação e por fatores sazonais. Vale ressaltar o avanço do ecommerce, do comércio de automóveis e dos serviços alimentícios, enquanto a venda de combustíveis recuou com o impacto do aumento abrupto de preços. Destaca-se ainda, que o varejo americano mostra patamar 14,0% acima da tendência pré pandemia. Dados das grandes varejistas referentes ao 1T22 sinalizaram mudança de comportamento do consumidor que passa a considerar mudança de marcas para produtos mais baratos, uma vez que uma parcela cada vez maior de sua renda está sendo direcionada a produtos alimentícios.
Dessa forma, a economia americana parece operar com um hiato do produto positivo, o que contribui para explicar a persistência inflacionária observada. Apesar da intenção do FED de arrefecer a demanda por meio de um “ajuste fino” nos juros, os dados de inflação até o final do ano podem apontar para a necessidade de uma contração monetária mais forte, o que elevaria o risco de decrescimento da atividade econômica em alguns trimestres dos próximos anos.
Ásia:
A semana iniciou com alívio após afrouxamento dos lockdowns que estavam em vigor no país há quase um mês. Assim, empresas de tecnologia e de Real Estate tiveram forte recuperação na região, principalmente após o PBoC (Banco Central da China) ter anunciado um corte dos juros acima do esperado, de 4,6% para 4,45%, em tentativa de impulsionar a economia local alarmada pelos constantes fechamentos desde o início da pandemia. Com isso, companhias exportadoras de commodities, em especial as metálicas, viram suas ações recuperarem parte da abrupta queda dos últimos meses. Ajudando a aliviar parte da pressão, a visita do presidente norte-americano, Joe Biden, à China visando remoção de algumas tarifas da era Trump pode funcionar como trigger adicional para as exportações do país, limitadas pelos gargalos logísticos em virtude dos fechamentos de portos, bem como a crise do transporte marítimo ainda em andamento. Apesar dos recentes estímulos anunciados pelo governo chinês, as dúvidas quanto a um possível hard landing seguem no ar. As idas e vindas de lockdowns devem seguir como o novo normal no país, gerando incertezas não apenas locais, mas para empresas em todo o mundo, considerando a importância do país no fornecimento de insumos para linhas de produção global. No curto prazo, setor imobiliário, siderurgia e empresa de tecnologias podem refletir positivamente as medidas recém-anunciadas.
Europa:
A inflação causada duplamente pelos choques de oferta em virtude da guerra entre Rússia e Ucrânia e uma demanda impulsionada por políticas monetárias mais brandas segue como ponto de atenção na região. Na semana passada, dados de abril mostraram avanço de 9% na inflação do Reino Unido, maior nível desde 1982. Com isso, a ata do BCE mostrou previsão de elevação dos juros a partir de julho. A fala recente de Lagarde – trazendo pela primeira vez um posicionamento oficial do órgão sobre o avanço da inflação – apesar de afirmar o início do aperto monetário gradual, foi interpretada com um tom mais dovish pelos mercados que questionam se o ritmo anunciado pela instituição será suficiente para conter os efeitos no bolso do consumidor. Porém, ao longo da semana o setor automotivo e as ações de tecnologia mostraram recuperação, impulsionados pelas notícias de estímulos na China. Esta semana, notícias de possível taxação extra sobre o setor de Utilities (windfall tax) em posicionamento do governo exigindo maiores investimentos e expansão de oferta em momento crítico para o fornecimento de energia na região (intensificado pela guerra na Ucrânia) derrubaram as ações do setor. Lembramos que em 2021 parte da Europa sofreu com racionamento de energia devido à escassez de oferta, limitada pela redução de investimentos em operações de combustíveis fósseis nos últimos anos, em processo de mudança da matriz energética global em busca de fontes de energia renovável.
Flashing Forward:
Esta semana, os mercados acompanham dados de PMI nas principais economias globais, os quais devem apresentar sinais de arrefecimento em virtude da escassez de oferta de insumos gerada pelos fechamentos na China e pelas limitações ainda em curso de produção na região do leste europeu pela guerra na Ucrânia. Falando em China, novos casos de Covid em Pequim forçaram mais medidas restritivas na cidade e acenderam novo alerta na região, contribuindo para o aumento da aversão ao risco nos mercados acionários. Nos Estados Unidos, mais uma empresa revisa para baixo suas projeções de crescimento para o ano, desta vez a Snapchat, que viu seus papéis cederem 40%, levando consigo as ações de tecnologia e social media. Ainda, dados de vendas de casas novas no país registraram menor nível em dois anos, com elevação dos juros e escalada de preços limitando o poder de compra do consumidor inicial. Assim, foco nas empresas de tecnologia e possíveis pressões baixistas nos papéis, bem como no setor financeiro, que tem se apresentado mais resiliente e um pouco mais defensivo neste momento de elevação de juros.