O que está acontecendo com os Bonds norte-americanos?
Temos visto muita volatilidade nas Treasuries norte-americanas, especialmente nos últimos dias, o que tem intensificado ainda mais a volatilidade dos ativos de risco e do mercado em geral. Os juros dos títulos federais de 10 anos, referência como ativo risk free, bateram as máximas de 16 anos, quando da crise do subprime, para rapidamente recuarem na última semana.
Em apenas cinco meses, os juros de 10 anos dos títulos da dívida pública americana subiram 168 pontos base, saindo de 3,30% em abril de 2023 para 4,98% em outubro de 2023. Esse movimento, de tamanha intensidade, traz consigo muitas incertezas e perdas generalizadas. Na renda fixa, os juros andam na direção contrária dos preços dos títulos, portanto, quem estava segurando esses títulos viu seu patrimônio sofrer um grande baque ao longo desses cinco meses.
Esse movimento não foi restrito aos títulos de 10 anos, com toda a curva de juros americana reprecificando um cenário com taxa de juros maiores. Além disso, a trajetória dos juros nesse período não foi linear, ela foi acompanhada de muita volatilidade, justamente porque o mercado não sabe o que esperar. Para entender esse movimento, é preciso compreender o contexto.
Os juros longos americanos estavam confortavelmente abaixo de 2% desde o segundo semestre de 2019 e mantiveram-se assim até que o Fed iniciou o ciclo de alta na taxa de juros em março de 2022. Mas por muito tempo, o Fed ficou refém do seu próprio argumento de que a inflação seria transitória, ou seja, ela desapareceria por conta própria, não ensejando uma política monetária muito contracionista. Entretanto, o Fed se enganou, e o que vimos foi o maior aperto monetário em mais de 20 anos, obrigando a autoridade monetária americana a mudar seu discurso para o higher for longer, ou seja, juros elevados para sempre, ou até quando for necessário. Porém, dada a reticência inicial do Fed em elevar juros e o tamanho do aperto monetário, o mercado demorou a comprar a tese de juros elevados por muito tempo, apostando desde cedo que o aperto monetário causaria uma recessão e que o Fed se visse obrigado a cortar juros antes da hora.
Mas nem todo mundo estava na mesma página. O governo americano implementou uma política fiscal altamente expansiva em 2022, o que, juntamente com os efeitos da reabertura econômica pós-pandemia, deu um impulso elevado para a atividade econômica, que continuou robusta a despeito dos juros elevados. Portanto, à medida que os dados eram divulgados e continuavam a mostrar a economia aquecida, com taxa de desemprego nas mínimas, o mercado começou a de fato acreditar que não haveria uma recessão para forçar o Fed a cortar juros e que, portanto, os juros teriam que ficar elevados por mais tempo. Sendo assim, vimos um movimento ao longo da curva de juros, que no jargão do mercado é conhecido como bear steepener, ou seja, quando as taxas de juros de longo prazo sobem mais rápido do que as de curto prazo. De fato, com os juros de curto prazo pagando 5,5% ao ano e a economia não dando sinais recessivos, não faz sentido os juros de longo prazo serem muito menores que os de curto prazo, então havia a necessidade de correção.
Entretanto, os movimentos nos juros longos têm sido muito voláteis, justamente porque o cenário econômico não está muito claro. Ainda existe uma chance não descartável de uma recessão na economia americana, o que causaria uma forte redução nos juros longos. Além disso, há a questão fiscal. O governo americano tem visto sua dívida pública se tornar objeto frequente de preocupação e a atuação do Tesouro nos leilões da dívida pública tem contribuído para o movimento das taxas longas. Com o impasse do teto da dívida, o colchão de liquidez do Tesouro foi totalmente drenado, o que tornou necessária a recomposição desses recursos através da emissão de dívida. E tal recomposição foi focada em títulos mais longos, aumentando a oferta deles em um momento em que a demanda não está tão elevada. Com isso, os juros foram pressionados para cima.
Mas nas últimas semanas temos visto uma acomodação dos juros longos por alguns motivos. Primeiro, o Fed manteve a taxa de juros inalterada pela segunda reunião consecutiva com um discurso menos rígido. Na sequência, tivemos a divulgação de dados do mercado de trabalho americano que mostram um enfraquecimento, na margem, na criação de empregos. Assim, o mercado interpretou que o Fed terminou seu trabalho e que estamos no pico dos juros nesse momento. Soma-se a isso o fato de que no último leilão do ano, o Tesourou surpreendeu e emitiu menos títulos longos do que o previsto inicialmente, dando mais um alívio nos juros longos pelo lado da oferta.
Isso não quer dizer que o cenário de volatilidade acabou. Apesar do Fed estar muito próximo de encerrar o ciclo de alta, a inflação continua desconfortavelmente acima da meta, o que impede o Fed de adotar uma postura mais frouxa no combate a inflação. Além disso, a questão fiscal americana continua no centro das atenções, especialmente em um momento em que o governo americano financia duas guerras por procuração. Portanto, cautela ainda é a palavra de ordem.
Em nossa opinião, o FED deve realmente estar próximo do fim do aperto, o que não necessariamente significa corte de juros já no início do próximo ano. A economia americana continua surpreendendo, enquanto a inflação, apesar de desacelerar, ainda está distante da meta. Enquanto esse cenário vigorar, o banco central americano terá que manter os juros em patamar ainda restritivo, o que, dado tempo suficiente, pode fazer com que a economia americana entre em recessão, um cenário que não descartamos totalmente. Neste caso, poderíamos ver, posteriormente, uma antecipação das discussões sobre cortes de juros.