2023 – Sinal verde para a bandeira tarifária
Nos últimos dois anos, o Brasil vem lidando com as consequências de um fenômeno climático que afetou a geração de energia elétrica. O La Niña, como é conhecido, é caracterizado por um resfriamento anormal das águas do Pacífico Tropical, que resulta na diminuição das precipitações em certas áreas do território brasileiro, principalmente sob o Sudeste e, em 2021, o país enfrentou a sua pior estiagem dos últimos 91 anos.
Como a matriz de geração de energia elétrica no país tem grande dependência de recursos hídricos, como o aumento do risco hidrológico, a ONS, órgão responsável pela operação do setor, eleva o despacho das usinas térmicas, no intuito de preservar os reservatórios. Apesar de garantir o abastecimento de energia, esta decisão encareceu significativamente a geração de energia no Brasil em 2021. Felizmente, 2022 tem sido bem diferente. O quadro de chuvas no último período úmido foi bem satisfatório, permitindo o aumento da geração hídrica e preservação dos reservatórios.
Geração Térmica
Devido à crise, em 2021, a geração de energia a partir das termoelétricas teve forte crescimento e somou 120 mil GWh, cerca de 49% maior que em 2020, e 30% acima da média dos últimos 10 anos. Já em 2022, a geração não deve ultrapassar 60 mil GWh, uma queda de aproximadamente 50% inferior ao valor registrado no ano passado, e o menor patamar médio dos últimos 10 anos.
A geração hídrica apresenta sazonalidade durante o ano, com maior volume durante as estações chuvosas. As fontes alternativas, eólicas e solares, demonstram um padrão inverso, gerando mais energia durante o período de seca. As térmicas atuam garantindo a oferta do sistema.
O fator de utilização (energia gerada / capacidade de geração) também demonstra que a utilização média tem ficado bem abaixo em 2022, lembrando que a capacidade térmica cresceu ao longo dos anos.
Fontes Alternativas
Além da melhora do quadro, no intuito de diminuir a dependência de ativos hídricos e acompanhar as novas tendências de investimentos em geração sustentável, diversas companhias passaram a expandir significativamente os seus investimentos em geração por fontes eólica e fotovoltaica. Atualmente, com 22 GW de capacidade instalada, as eólicas apresentam um nível médio de geração em 8.158 MWm, 14% superior a quantidade gerada em 2021. Com os seus 5,6 GW de capacidade instalada, as usinas fotovoltaicas também reportaram um significativo avanço, no valor de 44%, com geração média em 1.266 MWm.
Importação de Energia
Com o receio de insuficiência energética, durante a crise de 2021, o governo brasileiro também optou por importar energia elétrica. Ao final de 2021, as importações de energia elétrica da Argentina e do Uruguai apresentaram um crescimento de 64% em comparação com o ano anterior, somando um montante de aproximadamente US$ 2 bi. Em 2022, o Brasil já reverteu e tem exportado energia para Argentina, apesar de manter importações do Paraguai em menor nível.
Custo Marginal de Operação
O acionamento das térmicas onera o custo de geração, principalmente em razão do gasto com combustíveis, em sua maioria fósseis e não-renováveis. Foi observado um abrupto crescimento do Custo Marginal de Operação – CMO da produção de energia, saindo de R$ 215/MWh ao final de 2020, para um pico acima de R$ 3.000/MWh, em agosto de 2021. O custo médio de 2021 foi de R$ 517/MWh, em comparação com a média de R$ 30/MWh em 2022, até o momento.
PLD
Outro fator importante é o PLD, Preço de Liquidação das Diferenças, que pode ser explicado como o preço à vista do mercado de curto prazo. Em 2021, ele atingiu o seu teto, alcançando R$ 583,88/MWh, com um valor médio de R$ 282 MW/h. Atualmente, o PLD se encontra em seu piso de 2022, estagnado em R$ 55,70/MWh, com uma média no acumulado do ano em R$ 56/MWh.
Bandeiras Tarifárias
O aumento de custos provenientes da geração térmica é repassado integralmente aos consumidores do Ambiente de Contratação Regulada – ACR. A cobrança é realizada por duas formas, sendo a primeira pelo modelo de bandeiras tarifárias, regulamentadas pela Aneel, que cobra tarifas adicionais de acordo com a quantidade consumida, ou na revisão tarifaria anual, onde as distribuidoras passam por esse processo de revisão. Os gatilhos para o acionamento das bandeiras tarifárias variam de acordo com o teto e o piso do PLD.
Para realizar a gestão dos encargos, foi criada então a Conta Bandeiras, administrada pela CCEE. Esta conta recebe os recursos captados por meio das bandeiras tarifárias, e de acordo com as movimentações no mercado de curto prazo, a Aneel define quais serão os valores que deverão ser pagos ou ressarcidos às devidas concessionárias credoras/devedoras. A melhora em 2022 pode ser observada com recuperação de todo o saldo negativo.
Ao todo, em 2021, as bandeiras tarifárias custaram um montante total de R$ 20,6 bilhões para o consumidor final, atingindo o maior valor desde a sua criação, em 2015. Mesmo assim, com um custo total por volta de R$ 31 bi, ao final do ano ainda existia um saldo negativo de R$ 10,6 bi que foi pago ao longo de 2022. Até o presente momento, a arrecadação soma um valor de R$ 13,5 bi. Com a melhora do cenário hídrico, a partir de abril deste ano a Aneel anunciou o acionamento da bandeira tarifária verde, eliminando custos adicionais.
Tarifa de Energia e 2022
Com um volumoso período de chuvas iniciado ao final de 2021, a situação atual se reverteu. O nível consolidado dos reservatórios do SIN voltou a subir, ultrapassando, no início deste ano, a marca de 80%, acima de sua média dos últimos 20 anos. Com o retorno da afluência dos reservatórios, vimos redução da geração térmica, o que consequentemente resultou na queda dos custos operacionais, e dos encargos tarifários adicionais cobrados dos consumidores, aliviando na conta de luz.
A composição da tarifa de energia elétrica também sofreu algumas alterações ao longo da crise. Esta tarifa é dividida em diferentes parcelas, de acordo com o direcionamento de sua cobertura de custos. A Parcela A, de maior peso, é a que corresponde aos impactos referentes às principais tarifas de energia (TE) como custos de compra, transmissão, perdas e outros encargos não-gerenciáveis, fatores que sofreram alterações ao longo da crise. Já a Parcela B fica responsável pelos custos gerenciáveis e encargos de distribuição, tendo entre eles grande parte da Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
Dado o encarecimento da tarifa de energia ao longo de períodos com maior acionamento térmico, o que se torna observável também é a forte variação do índice de preços sobre a energia elétrica residencial, categoria que possui cerca de 5% de peso no cálculo do IPCA. Em 2021, a inflação de energia elétrica residencial apresentou uma variação acumulada em cerca de 53%.
Portanto, as tarifas são utilizadas para cobrir grande parte dos custos e encargos presentes dentro da normalidade de um contexto operacional. As bandeiras, por sua vez, representam uma cobertura de custos adicionais de acordo com uma deterioração das condições de geração de energia.
Inflação da tarifa elétrica
Em 2022, com a redução do custo de geração térmica devido ao fim da bandeira de escassez hídrica, a inflação das tarifas elétricas acumulou variação negativa de -13% até maio. Com a redução do ICMS no segundo semestre, que passou a ser limitado em 18%, conforme lei aprovada no Congresso, a redução média das tarifas medida pelo IPCA em 2022 deve ficar próxima de -19% no acumulado do ano, revertendo a maior parte da alta de 21% observada em 2021.
Cenário atual e 2023
Com o aumento do nível de chuvas registrado ao longo de 2022, os reservatórios acabaram evoluindo de um dos níveis mais baixos já registrados, para o volume percentual armazenado mais elevado dos últimos 10 anos, que se aproxima também do maior valor da série, registrado em 2009. A previsão da CCEE de energia armazenada para o SIN é de 54% no encerramento do ano, o que proporciona um forte alívio em várias frentes de itens que compõe a tarifa de energia, desde encargos, custos de geração e outros fatores, o que nos leva a crer em um cenário mais otimista para 2023.
Em resposta a estabilização do cenário hídrico, para 2023 a CCEE apresenta uma previsão de manutenção do PLD em seu piso, em R$ 55,70/MWh, em conjunto com uma redução significativa do CMO, o que deve levar à uma média anual em torno de R$1,00/MWh.
Para 2023, com a revisão da premissa de bandeira tarifária para verde para todo o ano, nossa projeção aponta para um reajuste médio de cerca de 5,5%, abaixo da expectativa anterior de 7% que contava com a bandeira amarela no período seco.