Macroeconomia


Especial | O petróleo no mundo

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Rafael Winalda

Publicado 08/abr20 min de leitura

Petróleo no mundo, um tema profundo

Antes de dar início à nossa cobertura do setor de Óleo e Gás, prepararemos uma série de relatórios começando pela dinâmica do setor, explicando sobre principais consumidores e produtores de petróleo e derivados no mundo, passando pelos principais efeitos e impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia, principalmente sobre disponibilidade da oferta, que ainda sofre com efeitos da pandemia. Em seguida, adentramos na cadeia produtiva, dividida em Exploração e Produção, Refino, Distribuição e Vendas, e falamos da relevância do setor para a economia brasileira e as principais empresas listadas na bolsa. Abordaremos ainda os fatores ESG, os impactos e o que vem sendo feito por empresas e governos quanto a este assunto.

Neste primeiro relatório, falaremos com maiores detalhes sobre o mercado da União Europeia (UE), o qual conta com uma baixa produção de óleo cru e gás, sendo, portanto, grande dependente de importações, em especial do petróleo e gás russos, o que vem elevando as preocupações na região quanto ao fornecimento dos insumos em razão da guerra na Ucrânia. Em seguida, analisamos a importância da OPEC (em português, OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo), uma das principais organizações produtoras da commodity no mundo, para a dinâmica de oferta e demanda global e seu impacto nos preços dos produtos. Abordamos também o mercado norte-americano, historicamente grande consumidor e importador, mas que após o início da produção do gás xisto, passou a ser exportador líquido. Obviamente, não poderia faltar uma análise sobre China e Rússia, duas regiões muito relevantes para o contexto global. Por fim, conectamos todos estes produtores e consumidores para uma análise agregada da oferta e demanda mundial.

Entendemos que o setor tem vivido momentos bem desafiadores, com a temática de transição energética sob escrutínio em muitas economias, a repercussão dos gargalos de oferta devido às implicações de decisões tomadas por conta do Covid-19 e os temores quanto à disponibilidade da oferta russa, que podem seguir trazendo incertezas ao setor e, consequentemente, volatilidade de preços para o curto e médio prazo.

Aproveite o relatório e boa leitura!

União Europeia, o mercado de petróleo e a dependência Russa

A união europeia é um grande mercado consumidor de petróleo bruto, derivados e gás natural do mundo. As destinações e usos finais são diversos, mas a maior parte é direcionada para o consumo de gás, diesel e gasolina, fazendo com que, de acordo com a Eurostat, 60% de todo o petróleo consumido pela região fique dentro do segmento de transportes. Embora a demanda tenha enfraquecido nos últimos anos, este setor ainda desempenha um papel fundamental na geração de energia, apesar do avanço das pressões ambientais que temos observado.

Como utilizamos a base de dados do Eurostats, a métrica utilizada são toneladas equivalentes de óleo, embora seja mais usual “barris por dia”. Em 2020 vimos uma retração de quase 10% no consumo, em decorrência das implicações da pandemia, bem como pela busca de fontes mais limpas. Os maiores consumidores foram Alemanha, França e Reino Unido.

Apesar de comumente utilizado na indústria, em virtude do frio intenso na região, o consumo de gás abastece, majoritariamente, a classe residencial para uso de aquecedores. Os maiores consumidores de gás são Alemanha, Reino Unido, Itália e França.

Apesar do alto consumo, a produção é modesta. Levando em conta os 27 países da União Europeia, menos de 15% de todo o gás consumido é produzido internamente, e um fator que agrava a situação: há uma clara tendência de queda como pode ser observado no gráfico a seguir.

A produção de petróleo cru na região também é relativamente baixa quando comparada ao volume consumido; mesmo com a alta capacidade de refino – o que leva a menor importação de derivados. Como a conta não fecha, as importações do produto cru se fazem necessárias, e é aí que entra a Rússia.

As importações de óleo cru caíram cerca de 13% entre 2019/20, reflexo das medidas tomadas por conta do Co- vid-19, ao mesmo tempo que as importações de gás tiveram queda de 9%.

Vale ressaltar, que a queda nas importações se deu muito mais pela retração do consumo do que pelo aumento da produção interna. A União Europeia tem grande dependência das importações tanto de petróleo cru quanto de gás natural, com relevante participação da Rússia. Apesar de já observarmos uma tendência de queda da importação de petróleo russo na região, em virtude de maior diversificação da União Euro- peia, aumentando exposição a outros países como Noruega, Cazaquistão, Estados Unidos e Arábia Saudita. Mas quando voltamos ao gás natural, a situação é diferente, com volumes importados crescendo ao longo do tempo.

Com os dados apresentados, fica evidente a “russodependência” da União Europeia em termos de fornecimento de pe- tróleo bruto e gás natural, importante ponto para abordamos as implicações e desdobramentos do conflito entre Rússia e Ucrânia. Diversas sanções estão sendo impostas à Rússia mas, no curto prazo não há opções de diversidicação do fornecimento sem causar desabastecimento significativo.

Com o aumento das sanções e das incertezas, a volatilidade nos preços das commodities tem imperado, em especial para o petróleo. O movimento altista que já predominava nos mercados internacionais foi intensificado e vimos o brent bater US$ 140/barril, corrigindo, mas ainda mantendo-se acima dos US$ 100/barril.

Apesar das sanções, não trabalhamos com a hipótese de como seria o mundo sem a oferta russa, mas vamos analisar os principais mercados produtores e consumidores do mun- do, com o intuito de explorar alternativas viáveis para uma possível redução desta exposição.

A OPEC

A Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC), ou em sua tradução, Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), é uma organização que visa a promover políticas unificadas de produção de petróleo, com o intuito de assegurar a estabilização de preços e abastecimento econômico, eficiente e regular. Atualmente, são 13 os países membros: República Islâmica do Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Venezuela (cinco primeiros fundadores), Líbia, Emirados Árabes Unidos, Argélia, Nigéria, Gabão, Angola, Guiné Equatorial e Congo. Também fizeram parte da OPEC, hoje não mais, Equador, Indonésia e Catar.

Dois comentários antes de prosseguir: (i) muitos confundem os países do Golfo Pérsico com a OPEC, pois a maioria faz parte da organização, mas ela engloba também países que têm fronteira com o Golfo: Arábia Saudita, Irã, Emirados Ára- bes Unidos, Omã, Catar, Bahrein, Kuwait e Iraque; (ii) a par- tir de 2017, outros países se alinharam com a organização, intitulada de OPEC+, sendo eles: Rússia, México, Azerbaijão, Bahrein, Brunei, Cazaquistão, Malásia, Omã, Sudão e Sudão do Sul.

A OPEC tem grande relevância e influência na dinâmica global de oferta e demanda de petróleo, em razão de suas elevadas reservas, principalmente levando em conta a participação em relação ao resto do mundo (vide primeiro gráfico), bem como sua capacidade anual de produção, que segundo a própria OPEC correspondeu a pouco mais de 37% de todo petróleo cru em 2020.

Em razão da menor mobilidade global pós-pandemia que influenciou negativamente o consumo, tanto a oferta da OPEC quanto a oferta global foram ajustadas para baixo em 2020, visando a equalizar as práticas de mercado. Desde o início- de 2021, a organização tem sinalizado possível retomada dos níveis pré-pandemia, o que certamente aliviaria o preço do petróleo. No entanto, de acordo com os dados da EIA, apesar de notarmos o acréscimo na produção, nos últimos meses, o nível segue aquém do potencial.

Alguns países já apresentaram forte recuperação, inclusive com uma produção média diária superior aos níveis de 2019. Contudo, vemos que outros integrantes do grupo têm apresentado certa dificuldade para retomar sua produção, por di- versos fatores, o que levanta questionamentos quanto à retomada de sua produção.

O mercado de gás também segue a mesma tendência, porém com implicações diferentes, em nossa opinião. Quando comparado ao petróleo cru, o transporte de gás é bem mais oneroso, uma vez que requerem grandes gasodutos ou transporte via navios, além da necessidade da transformação do gás e armazenamentos mais específicos, fazendo com que o mercado opere focado em grandes regiões específicas (mer- cado americano, europeu/russo, asiático) e não tão interliga- do como o comércio de petróleo.

Por fim, não poderíamos deixar de falar da Venezuela, país que apesar de deter uma das maiores reservas de petróleo do mundo, ainda conta com uma baixa capacidade de produção em razão das condições econômicas desfavoráveis, o que tem afetado os investimentos na a área de O&G, certamente repercutindo na produção.

O mercado de petróleo americano

O mercado americano é, atualmente, o maior consumidor de petróleo no mundo. Segundo os dados da Energy Information Administration, em termos de consumo aparente, os Estados Unidos contam com cerca de 20% de participação, muito em decorrência da sua vasta cadeia produtiva, extensa popula- ção, grande frota de veículos e outros fatores. O petróleo é a maior fonte para a produção de energia do país, o que acabou levando a um grande e complexo mercado ao longo dos anos.

De todas as destinações, a gasolina é o derivado de petróleo mais consumido nos EUA. Em 2020, cerca de 96% do volume total produzido foi destinado a transporte, 2% à indústria e o restante para uso residencial e outros. São mais de 8 milhões de barris por dia (mbd) de gasolina, o que equivale a quase 45% de todo o petróleo consumido na maior economia do mundo. O segundo produto é o óleo combustível destilado, diesel e óleo aquecido, usado em maquinários pesados, caminhões, ônibus, tratores e outros, correspondente a 20% do total, segundo a EIA.

Antes de adentrar no mercado de gás, um ponto é que no EUA a métrica comum é pés cúbicos, em ordem de grandeza, um pé cúbico equivale a 0,28 metros cúbicos, aproximadamente. Em 2020, foram consumidos mais de 30 trilhões de pés cúbicos de gás (Tpc) – um pé cúbico equivale a 0,28 metros cúbicos –, sendo a maior parte destinada para produção de energia elétrica (cerca de 40%), seguido pela indústria, com cerca de um terço e residencial, com 15%. O restante é dividi- do em comercial e transporte. O gás é muito utilizado no meio residencial em aquecedores, também nos Estados Unidos, o que leva a uma complexidade e robustez do mercado e da estrutura no país.

Durante anos, houve necessidade de importações líquidas, uma vez que a produção não atendia à demanda. Não só de gás, as importações de petróleo e derivados também costumavam ser bastante significativas na economia norte-ameicana. Entretanto, a dinâmica no país mudou consideravelmente com a viabilização do xisto, técnica que consiste na extração de petróleo de rochas de xisto inflexíveis.

O gráfico a seguir mostra o quão revolucionário foi para os EUA a produção via xisto. A produção diária de barris que girava em torno de 10 milhões ao dia no início de 2010, praticamente dobrou, assim como a participação norte-americana na parcela mundial, que hoje atinge quase 20%.

Apesar do nítido crescimento da produção, o mercado local ainda conta com uma dinâmica complexa de importação/exportação. Em virtude da extensa territorialidade, os custos de transporte interno acabam limitando o direcionamento da produção local para alguns estados, tornando mais vantajosa a importação em algumas regiões. Em outros estados, per- cebe-se uma exportação maior de petróleo cru e importação maior de derivados.

Os impactos da guerra na Ucrânia e eventual restrição de compra de petróleo da Russia têm efeitos diretos limitados nos EUA, uma vez que as importações de óleo cru compõem uma parcela pequena.

Sendo assim, a pergunta que emerge é: os Estados Unidos poderiam ser uma alternativa de exportação de O&G para a Europa, aliviando as tensões? Acreditamos que a solução de curto prazo é bem desafiadora. Embora revolucionária, a produção dos EUA tem ficado abaixo de algumas projeções, o que impacta o excedente para exportações, até mesmo por conta do forte crescimento do consumo, levando a um nível de estoques muito baixo.

China e Rússia

Um outro grande mercado consumidor de petróleo é a China. Uma parte relevante da economia chinesa é movimentada tanto por sua indústria, quanto pelo setor imobiliário, segmentos historicamente grandes demandantes de energia, a qual, atualmente é suprida por combustíveis fosseis. Segundo a EIA, desde 2017, a China supera os Estados Unidos nas importações globais de petróleo, tornando-se o maior importa- dor do mundo. Em virtude de seu tamanho, necessidade de importação e histórico, a China mantém um relacionamento estreito com a Rússia.

Com a atual situação de guerra entre Rússia e Ucrânia o cenário internacional sofre grandes alterações, em especial com os desdobramentos do conflito, como por exemplo os embargos contra a Rússia, incluindo, dentre outros produtos, o petróleo e derivados. Podemos ver claramente no gráfico abaixo o spread entre o petróleo russo e Brent (produto padrão para comparação de preços globais).

Obviamente, prever os impactos de curto e longo prazo deste conflito não é tarefa fácil. Questionamentos quanto a possível deslocamento do petróleo/gás russo para a China, bem como suprimento da demanda europeia por outros fornecedores na ausência da Rússia e, nesse sentido, como se comportaria a inflação global sem a oferta de insumos da região, são todas perguntas sem respostas óbvias e repletas de especulação. De qualquer maneira, faremos uma análise um pouco mais aprofundada da oferta e demanda global agregada a fim de trazer mais informação de base para a discussão.

Oferta e demanda agregada, possíveis cenários

Por diversas razões, seja o efeito de uma sociedade mais preocupada com prerrogativas ESG e redução de emissões de gases efeito estufa, ou seja, por decisão estratégica de diversificação de receita, muitas empresas reduziram os in- vestimentos voltados para o setor de O&G, limitando a oferta, gerando desequilíbrio, principalmente em um cenário de manutenção de demanda. No gráfico a seguir, plotamos as projeções de oferta e demanda da EIA e é possível observar um descasamento no curto prazo.

Assim, discussões sobre um possível desabastecimento entram no radar. Em 2021, grandes economias como a euro- peia e a chinesa sofreram com escassez de energia, sendo obrigadas a rotacionar o abastecimento por meio de rodízio, “apagões” e mecanismos de economia de energia, o que impactou, momentaneamente, a capacidade produtiva dos países. Outra fonte de preocupação, os estoques também têm sofrido severa pressão.

Com base neste cenário escasso de capacidade produtiva de petróleo e demanda ainda aquecida, e considerando a rele- vante participação russa na cadeia em termos globais, é im- provável um cenário sem a participação de petróleo e gás rus- sos. Como vimos, a OPEP ainda pode ter dificuldades quanto à sua produção futura, assim como o mercado norte-amerciano ainda enfrentar desafios no próprio abastecimento, o que geraria ainda mais pressão de curto prazo para os preços destas commodities, impactando de maneira ainda mais se- vera as pressões inflacionárias mundiais.


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