Macroeconomia


Criptoworld | Fundamentos Bitcoin

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Vitor Martins Carvalho

Publicado 12/jul10 min de leitura

Em meio ao cenário desafiador de início do ciclo de alta de juros pelas principais autoridades monetárias do mundo, os ativos de risco continuam sofrendo perdas expressivas. Desde o início do ano, o preço do bitcoin em dólares já caiu 56,2%, e voltou ao patamar próximo de US$ 20.000. Nesse mesmo período, a taxa de juros americana de 2 anos subiu de 0,8% para 3,0%, enquanto a inflação dos principais países desenvolvidos atingiu valores não vistos há mais de quatro décadas, o que mostra que essa criptomoeda não tem comportado como um hedge contra a inflação, mas sim como um ativo bastante sensível às condições monetárias internacionais.

Diante desse contexto, é importante analisar os fundamentos da tecnologia para verificar se a correção dos preços reflete alguma mudança estrutural ou se é apenas uma adaptação ao novo cenário de menor liquidez da economia.

Hash Rate

O hashrate da rede constitui a soma do poder computacional dos mineradores. Dessa forma, essa métrica representa uma proxy para a qualidade da descentralização da blockchain. Naturalmente, a única forma de aumentar o hashrate é por meio do aumento do investimento por parte dos mineradores ou por meio de inovações tecnológicas que permitem alcançar um poder computacional maior a um custo menor. Nos últimos meses não houve modificações nessas tecnologias relevantes, entretanto, o hashrate permaneceu em trajetória ascendente.

Os mineradores são remunerados em bitcoins. Se o preço dessa criptomoeda está caindo e o hashrate está aumentando, significa que a margem daqueles que buscam resolver o problema computacional gerado pelo algoritmo de consenso da blockchain está sendo comprimida. Apesar disso, aparentemente, ainda há investidores dispostos a arriscar seus recursos nesse mercado, atuando, literalmente, como funcionários dos proprietários de bitcoins, na medida em que contribuem para a melhoria da rede.

Endereços Ativos

Há diversos tipos de proprietários atualmente. Algumas pessoas realizam suas compras em uma exchange e, imediatamente depois, realizam o saque de suas criptomoedas para armazená-las em uma cold wallet. Outros compradores deixam seus bitcoins na conta da exchange ou fazem uma transferência para uma hot wallet, já que planejam realizar transações de forma recorrente. Os endereços das carteiras pertencentes a esse último tipo de usuário são classificados como endereços ativos.

A principal tese de investimento por traz do bitcoin parte do pressuposto que essa criptomoeda apresenta a capacidade de ser utilizada como dinheiro com qualidades superiores ao seu formato tradicional. Portanto, é desejável que a quantidade de endereços ativos aumente com o tempo.

Em momentos de bastante euforia e picos durante o bull market, observa-se, historicamente, um crescimento expressivo nessa métrica. Tal fato está associado ao aumento da atividade de especuladores. Da mesma forma, em bear markets, é comum observar queda da quantidade de endereços ativos à medida que esses investidores mais focados no curto prazo e traders se afastam do mercado. Entretanto, apesar de, nos últimos meses, termos observado uma das maiores correções que esse mercado já vivenciou, o número de usuários ativos não foi afetado, o que demonstra que a utilidade dessa criptomoeda para esse tipo de proprietário se manteve constante

MVRV

A métrica MVRV, do inglês: market value to realized value, mede a razão entre o valor de mercado sobre o valor realizado. O numerador - valor de mercado - representa o valor total da oferta de bitcoins já minerados dado o preço atual, enquanto o denominador - valor realizado - representa o valor total da oferta de bitcoin dado o preço de custo de aquisição.

Essencialmente, um MVRV acima de 1 indica que o preço corrente do bitcoin está maior que o preço pago pela maior parte dos investidores. Dessa forma, indica que há maior probabilidade de realização de lucro e, portanto, potencial para correção dos preços. Segundo a mesma lógica, um MVRV abaixo de 1 indica que, na média, os investidores estão em prejuízo ao preço corrente e, portanto, possuem menos incentivos para realizarem vendas.

Ao analisar o gráfico de preços em conjunto com o MVRV constata-se que quando essa métrica está abaixo de 1, como no caso atual, o mercado está extremamente pessimista, após experimentar quedas próximas de 50% ou mais. De maneira semelhante, quando essa métrica atinge valores muito superiores à 1, como vimos em meados de 2017, ou no início de 2021, significa que o mercado está muito aquecido e provavelmente próximo ao topo.

Taxas de transação e Lightning Network

O valor de mercado do bitcoin mais que triplicou nos últimos dois anos, o que corrobora o crescimento expressivo de popularidade dessa criptomoeda durante o período mais conturbado da pandemia. É de se esperar que quanto mais pessoais disputam para anexar suas transações no espaço limitado oferecido em cada bloco, o custo associado a esse processo aumente. Entretanto, surpreendentemente, a taxa de transação mediana caiu nos últimos dois anos, e tem estado bem menos volátil recentemente. Há diversas causas que justificam esse fenômeno, porém, como destaque, pode-se citar a adoção de soluções de “2ª camada” como a Lightning Network(acesse o nosso relatório sobre a escalabilidade do bitcoin para entender mais sobre a Lightning) e a adoção de adaptações que afetam o próprio protocolo do bitcoin, como o Segwit e o Taproot, adaptações a partir das quais se reduz o tamanho das transações em bytes e, portanto, o custo de anexá-las à blockchain.

Conclusão

Apesar do pessimismo nos últimos meses, diversos fundamentos técnicos analisados diretamente pelos dados gerados pela blockchain não mostraram deterioração, pelo contrário: tais dados indicam que a rede subjacente ao bitcoin segue evoluindo. Entretanto, é inegável que a performance dessa criptomoeda se destaca, principalmente, nos momentos em que os governos e os bancos centrais atuam de forma questionável ao adotarem políticas exageradamente expansionista. O que tem ocorrido, desde o final de 2021, é a total reversão dessas políticas, com os participantes do mercado aguardando um dos maiores apertos monetários já vistos na história das principais nações desenvolvidas.

A alta volatilidade e o excesso de incerteza que temos observado no mercado atualmente ressalta as falhas do sistema monetário internacional que, desde a crise de 2008, não foi capaz de suportar taxas de juros reais próximas à média histórica nas principais economias avançadas sem causar uma recessão ou uma forte desaceleração. As criptomoedas, nesse contexto, continuam representando uma alternativa válida para aqueles que desejam uma solução descentralizada e transparente para esse sistema marcado por assimetria de informação e conflitos de interesses.


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