Macroeconomia


Criptoworld | Cenário Criptomoedas

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Vitor Martins Carvalho

Publicado 09/mai10 min de leitura

Introdução

Desde o início do ano observamos uma forte correção de ativos de risco. O índice da bolsa americana: S&P 500, registrou uma queda de 9% apenas em abril, e de 12% no acumulado de 2022. Como era de se esperar em um cenário de maior aversão ao risco, as criptomoedas também sofreram quedas significativas. Historicamente, quando mercado de cripto entra em “bear market”, as correções são muito mais extremas do que se observa em outros mercados voláteis, como, por exemplo, o mercado acionário.

No gráfico a seguir podemos observar a variação desde o início do ano (YTD), e apenas em abril, das principais criptomoedas. O ano de 2022 tem sido desafiador, todos esses ativos estão caindo pelo menos 15%. Além disso, no gráfico é possível observar um fenômeno que geralmente se repete em crises: bitcoin é a criptomoeda que menos perde valor, enquanto as “alticoins” sofrem de forma mais severa.

O que explica essa situação?

Assim como observamos no Brasil, o restante do mundo também tem enfrentado inflações elevadas. Os EUA, por exemplo, registraram uma inflação de 8,5% em março, patamar não visto há mais de 40 anos. Nesse contexto, o banco central da principal economia do mundo, FED, precisou intervir por meio da adoção de uma política monetária contracionista, isso significa que essa autoridade optou em aumentar a taxa básica de juros em um ritmo acelerado.

O título de dívida americano, denominado Treasury, é muito importante para o pleno funcionamento do sistema monetário internacional. Por ser o ativo com maior volume de negociações e, portanto, maior liquidez, a Treasury é o colateral mais valorizado pelos bancos, na medida em que seu uso torna possível operações de expansão de crédito a um custo baixo. Esse título também serve de benchmark para quase todos os agentes do mercado ao avaliarem o retorno potencial de um investimento.

O intervalo para o Federal Funds Rate, equivalente a taxa Selic aqui no Brasil, foi elevado em 50 pontos base na última quarta- feira (04/05), estando agora entre 0,75% e 1,0%. A expectativa do mercado é de mais seis aumentos nessa taxa no decorrer do ano. Assim, o Federal Funds Rate deve terminar 2022 em um patamar próximo de 3%.

Durante todo o período mais conturbado da pandemia, a taxa americana foi mantida em 0%, uma política monetária significativamente expansionista. Além disso, a fim de controlar o impacto das restrições relacionadas ao combate ao COVID 19 na economia, vários governos aumentaram os gastos e adotaram políticas fiscais que causaram expressiva elevação na quantidade de dinheiro na mão da população.

Cabe refletir que todos esses fatores contribuíram para sustentar o último “bull market” do mercado de criptomoedas. Para os próximos meses, é de se esperar uma total reversão dessas políticas, uma vez que o objetivo dos reguladores agora é “secar” o excesso de dinheiro na economia para conter a inflação. Outro ponto que deve ser levado em consideração é que, à medida que os títulos mais líquidos do mundo se tornam mais atraentes, vários investidores deverão reavaliar suas posições em criptoativos e, principalmente, suas posições naqueles projetos que ainda estão em fase embrionária e por enquanto não apresentam valor de uso.

No passado, a variação no preço das criptos estava descorrelacionada de outros mercados. Ou seja, esses ativos comportavam-se como se fossem independentes do ciclo econômico. Entretanto, com a rápida popularização que observamos nesse setor nos últimos anos, sobretudo após o início da pandemia, o mercado de criptomoedas se tornou extremamente correlacionado a mercados mais tradicionais e cíclicos, como a bolsa de valores.

O índicedodólar(DXY),bemcomooíndicedevolatilidadedo S&P 500 (VIX), são considerados termômetros da economia global. Quando a produção internacional está aquecida e em crescimento, geralmente o preço do dólar está caindo, o que torna a moeda de reserva mundial mais acessível para o restante do mundo. De forma semelhante, quanto menos incertezas em relação à trajetória econômica, menos volátil se torna o índice da principal bolsa de valores do mundo.

Nos últimos dois anos, constata-se que a correlação das criptomoedas com o DXY e o VIX tem se tornado cada vez mais negativa. Esse é um comportamento típico de ativos mais cíclicos.

A importância de criptomoedas em um sistema pautado em crédito.

Primeiramente, é importante ter em mente que crédito é a base do sistema financeiro corrente. Esse fato contribui para fragilidade da economia, por criar uma interdependência significativa entre diferentes players. Se alguma contraparte tiver problema em cumprir suas promessas, há um risco muito grande de contaminação.

O bitcoin é o primeiro ativo sem risco de contraparte 100% digital da história. Papel moeda, imóveis, ouro, prata e outras commodities também são livres do risco de contraparte, e por isso são muitas vezes classificados como “propriedades” ao invés de “ativos” no sentido tradicional. Entretanto, todas essas alternativas não são digitais e, portanto, não possuem a plena capacidade de substituir o uso de crédito no sistema atual, que é altamente dinâmico e não pode depender da transportabilidade de bens para liquidar transações.

Caso o cenário pessimista realmente se consolide e a redução da liquidez no sistema financeiro internacional gere uma crise sistêmica, sem dúvida criptomoedas vão sofrer, assim como ações e crédito privado. Todavia, é inegável que tal acontecimento seria uma oportunidade para instituições começarem a adotar o bitcoin ou outro criptoativo como colateral para suas operações. O renomado banco americano, Goldman Sachs, recentemente realizou seu primeiro empréstimo colateralizado em bitcoin. Outras empresas, como a BlockFi, já fizeram esse tipo de empréstimo antes, porém, esse foi o primeiro banco tradicional a fazê-lo, o que abre um precedente importante para indústria.

Além disso, nos últimos meses vimos várias nações adotarem regulações amigáveis ao ambiente de criptomoedas. Com destaque a El Salvador e a República Central da África, que adotaram o bitcoin como moeda de curso legal. O que esses países possuem em comum é que sempre tiveram dificuldade de se integrar plenamente no sistema monetário internacional devido a forma com a qual tal sistema foi estruturado. Essa realidade é observada em diversos outros países.

Há também aquelas nações que, por questões ideológicas, políticas ou sociais, estão insatisfeitas com a assimetria de poder e de benefícios que o dólar gera a favor dos EUA. Tal ceticismo foi exacerbado após o congelamento das reservas internacionais russas em resposta à invasão na Ucrânia. Esse congelamento só foi possível porque essas reservas eram crédito, isto é, promessas. Pode-se argumentar, portanto, que a Rússia nunca foi de fato “proprietária” de suas reservas, assim como o restante das nações que adquiriram moedas estrangeiras não são realmente “proprietárias” dessas moedas, a não ser caso as possuam em seu formato físico, o que é extremamente raro.

O uso de criptos dá às nações a possibilidade de serem plenamente proprietárias de reservas de um ativo digital descentralizado e mundialmente acessível. Outro ponto relevante é que, diferentemente do que ocorre com a maioria das moedas nacionais, o custo de transacionar cripto entre países é o mesmo de realizar transações domesticamente. Ao somar esses fatores, é possível compreender que, diferentemente do que inicialmente se imaginava, a adoção de criptoativos também pode ser de interesse dos governos. Dados da Thomson Reuters mostram que dos 70 países que já aprovaram regulações específicas para esse setor, 78,3% legalizaram seu uso com poucas restrições, 7,3% adotaram restrições severas e apenas 14,6% tornaram criptomoedas ilegais. Esses valores são positivos para o mercado por ora, ao considerar que, no passado, o mercado de criptomoedas sempre foi marginalizado e alvo de duras críticas por parte das autoridades públicas.

Vale ressaltar que o senado brasileiro recentemente aprovou o marco regulatório das criptomoedas. Esse projeto de lei, que provavelmente irá também ser aprovado pelo executivo, foca, principalmente, em regular as atividades das Exchanges - corretoras especializadas na compra e venda de criptoativos - e em garantir segurança jurídica ao investidor brasileiro, o que irá fomentar o crescimento da indústria no âmbito nacional.

Conclusão

Durante muitos anos, o mercado de criptomoedas tinha “vida própria” e era descorrelacionado de outros mercados tradicionais por ser pouco líquido, pouco conhecido e pouco acessível. Porém, principalmente após o início da pandemia, sustentado por políticas econômicas expansionistas, as criptomoedas se tornaram relevantes, e passaram a se comportar cada vez mais como outros ativos de alto risco. Dessa forma, as criptos deverão se mostrar mais sensíveis ao atual ciclo de alta de juros do que outrora.

Entretanto, para construir perspectivas de longo prazo, cabe relembrar a própria história do bitcoin. O que motivou Satoshi Nakamoto a desenvolver essa criptomoeda foi justamente a falta de confiança e insatisfação com o dinheiro utilizado e com o próprio sistema monetário pautado em crédito. Essa desconfiança e insatisfação, principal fundamento para o mercado de criptomoedas, é exacerbada em crises, ao mostrar fragilidade de um sistema composto por alto risco de contraparte e, portanto, composto por excessiva dependência de confiança.


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