Brasil descolado dos pares
Setembro marcou o início do tão aguardado ciclo de cortes pelo Fed, que não decepcionou e já veio entregando um corte de 50 p.b., reforçando pouca preocupação com inflação e maior comprometimento com a atividade e o mercado de trabalho. A mensagem foi alta e em bom tom, reforçada por Powell e demais membros do Fednos dias posteriores à decisão do FOMC.
Mas setembro foi também o mês que marcou a pressão do mercado sobre o Bacen. A desancoragemdas expectativas por aqui com o risco fiscal prevalecendo foi suficiente para que o Copom decidisse por subir os juros no Brasil, contrariando o movimento que vimos dos demais bancos centrais globais que, com inflação dando claros sinais de melhora, seguem com a flexibilização de suas políticas monetárias, a fim de evitar uma desaceleração mais forte da economia.
O resultado desta dicotomia foi uma elevação dos prêmios, juntamente com uma limitação do Ibovespa que tentou subir, mas perdeu fôlego, boiando na praia. Nem mesmo o superpacote anunciado pelo governo chinês que fez com que as bolsas por lá avançassem cerca de 20% no mês e o minério de ferro recuperasse boa parte do valor perdido recentemente foram suficientes para colocar o Ibovespa em rota de ascensão. O subíndice de materiais básicos até se esforçou e avançou quase 5%, mas o restante do mercado seguiu pressionado, apesar dos bons balanços e fundamentos que ainda temos para as empresas.
Olhando para frente, os desafios internos agora se sobrepõem ao cenário externo que pesava muito mais ao longo de todo o 1S24. O panorama de riscos fica mais evidente aqui, mas reforçamos nossa posição de certo exagero, especialmente considerando o momento do país e os indicadores macroeconômicos que seguem favoráveis e saudáveis, vide inflação e mercado de trabalho.
Neste sentido, reforçamos, como sempre, a importância da diversificação por meio da alocação estratégica no portfólio e seu objetivo principal: mitigar riscos. Afinal, risco nada mais é do que saber que mais coisas poderiam acontecer do que realmente irão acontecer. Atuar com os fatos e se preparar para o que está fora de controle.
Bons investimentos!
Cenário Macro - Brasil
O cenário doméstico continua bastante volátil, devido à maior incerteza fiscal e monetária.
O Copom, como esperado, retomou o ciclo de alta e aumentou a Selic em 25 pontos base, a 10,75%. Tanto o comunicado e a ata da reunião tiveram um tom duro, contratando novas altas, possivelmente com um aumento de ritmo já na próxima reunião. A expectativa no boletim Focus é de que a Selic encerre o ano em 11,75,%.
Com isso, vimos reprecificação ao longo da curva de juros, também influenciada pelo boletim bimestral da política fiscal, que apresentou uma piora substancial frente ao último boletim, com algumas surpresas negativas, como um esforço fiscal afrouxando R$1,7 bilhões, enquanto se esperava um aperto do esforço fiscal entre R$5 e R$10 bilhões. Para completar, o governo dá indicativos de que voltará a recorrer a práticas pouco ortodoxas para o cumprimento da meta fiscal , como antecipação de dividendos das estatais e exclusão de despesas do regramento fiscal. Dessa forma, o eventual impacto positivo do corte de juros americano foi compensado pela maior incerteza fiscal, que tem gerado uma apreciação do real abaixo do esperado.
Por outro lado, não temos visto pressões inflacionárias vindas do desempenho melhor que o esperado da economia. Mesmo com a taxa de desocupação nas mínimas, o IPCA-15 apresentou uma desaceleração da inflação do núcleo e dos serviços. Com isso, o IPCA-15 de setembro surpreendeu com uma variação bem abaixo do esperado.
A perspectiva para a inflação no restante do ano não é tão positiva, mas devido a efeitos sazonais e voláteis. A ANEEL já anunciou o aumento da tarifa de energia elétrica para a bandeira vermelha 2, enquanto a seca e o câmbio contribuem para a continuidade da deterioração da inflação de alimentos. Em tempos normais, esses fatores não deveriam preocupar, pois são temporários, mas em meio ao atual ambiente de incerteza, servirá para pressionar ainda mais a conduta da política monetária.
Cenário Internacional
O tão aguardado ciclo de cortes do Fed chega, e com surpresas.
O FOMC decidiu iniciar o ciclo com uma redução de 50 pontos base, surpreendendo metade do mercado. Como já era claro, o comitê se mostra bastante preocupado com a saúde do mercado de trabalho e tentam se antecipar a uma desaceleração mais intensa do emprego. Powell deixou isso bem claro afirmando que a hora de dar apoio ao mercado de trabalho é quando ele ainda está razoavelmente saudável.
Os dados de inflação de agosto continuam a dar tranquilidade para o FOMC de que a inflação não é o objeto de preocupação no momento. O CPI veio em linha com o esperado, mas com uma leve surpresa negativa no núcleo devido a inflação de habitação pior que o esperado. Mas o PCE, que é o índice oficial de inflação, no qual a meta de inflação do Fed está atrelado, recuou para 2,2% na variação anual em agosto e já se encontra bem próximo da meta de 2% e abaixo da projeção do próprio Fed para 2024.
Portanto, os determinantes dos próximos passos da política monetária americana será o mercado de trabalho. O Fedprojeta cortar mais 50 pontos base até o fim do ano, com dois cortes de 25. Mas isso condicionado a continuidade da atual dinâmica, e há indícios de que o mercado de trabalho pode continuar enfraquecendo nos próximos meses. Além disso, o sul dos Estados Unidos sofrem com os efeitos da passagem de um furacão, enquanto os trabalhadores portuários entraram em greve. Isso deverá impactar negativamente a leitura dos próximos payrolls, o que pode levar a continuidade dos cortes mais agressivos por parte do FOMC.
Cenário Internacional
China e o superpacote de estímulos.
Finalmente, a China anunciou mais um pacote de estímulos. Dessa vez foi o pacote mais audacioso desde a pandemia, com o banco central chinês anunciando diversas medidas para ampliar a oferta de crédito, além de incentivar o mercado acionário local, Os estímulos foram bem recebidos pelo mercado, com a bolsa de Shanghai avançando mais de 20% desde o anúncio das medidas. Entretanto, não acreditamos que o pacote será efetivo em reverter o atual processo deflacionário. A China passa por um episódio de desalavancagem, causado pelo colapso do mercado imobiliário. Tal situação demanda uma política fiscal mais ativa, enquanto a política monetária é inócua. E o governo chinês não indica que chegou no ponto em que irá fazer o que for preciso, do ponto de vista fiscal, para reverter o processo de desaceleração econômica e deflação.
Real Estate
Custos com construção aceleram no Brasil e demanda começa a dar sinais de recuperação nos EUA.
Demanda do mercado imobiliário brasileiro segue em alta e preços continuam pressionados. Os custos com mão de obra voltam a acelerar e a escassez de trabalhadores segue como um dos principais desafios para o setor da construção. As discussões sobre a reforma tributária continuam em divergência entre governo e entidades do setor e não apresentaram evolução.
Minha Casa Minha Vida é o grande propulsor do setor e já atingiu metade da meta estabelecida para o final de 2026, pressionando cada vez mais os recursos do FGTS. O mercado de crédito imobiliário avança e, com poupança mais fraca, o mercado de capitais também tem tido grande importância na recomposição do financiamento imobiliário. As emissões de FIIs no ano já superaram todo o acumulado de 2023 e CRI apresenta forte crescimento.
Primeira queda da taxa de juros americana em quatro anos já começa a agitar o mercado imobiliário por lá. Os custos com habitação reduziram e a demanda começa a dar sinais de aquecimento, podendo influenciar uma recuperação das vendas nos próximos meses. As construções apresentaram melhora e impulsionam a recuperação da competitividade do setor, com potencial de reduzir o preço de aluguéis.
Desempenho das Bolsas Globais
China é destaque de alta com seu tiro de bazuca.
Estados Unidos
O ciclo de cortes de juros pelo Fedajudou a dar um pouco de ânimo às bolsas norte-americanas e o S&P 500 bateu novo recorde no mês, encerrando em alta de mais de 2%.
Mesmo assim, os movimentos foram comedidos, já que boa parte do movimento tem sido ofuscado pelo contínuo desempenho positivo ao longo dos últimos anos com AI e que colocou as bolsas em patamares elevados.
Nos subíndices, o setor de consumo foi a surpresa positiva, beneficiado pelos efeitos futuros de uma política monetária mais flexível no poder de consumo das famílias.
Mundo
Sem dúvidas, o destaque do mês ficou pelas bolsas chinesas que tiveram melhor desempenho em 16 anos, sob efeitos do megapacote do governo chinês que atuou em diversas esferas da economia, passando inclusive pelo setor imobiliário e pelo mercado acionário. O principal índice chinês subiu quase 20% desde o anúncio e levou consigo o MSCI Emergentes.
Na Europa, as bolsas tiveram comportamento misto, com alguns setores sendo puxados por China, como varejo de luxo e mineradoras, mas não o suficiente para suprimir as revisões baixistas de lucros de algumas empresas para o restante do ano.
Desempenho Ibovespa
Perdemos o bonde do Fed e agora da China, graças ao risco fiscal.
Setembro trouxe mudanças e divisores de águas entre os mercados. O tão esperado corte de juros pelo Fedveio e o nível foi intenso, de 50 bps. A essa altura, era de se esperar que os investidores se animassem mais com ativos de risco, e de fato se animaram, conforme visto na maioria dos mercados globais que performaram no campo positivo no mês. Mas aqui no Brasil, perdemos o bonde do apetite ao risco e o Ibovespa apresentou um mês com queda de cerca de 2%, repercutindo o aumento da taxa de juros feito por aqui na mesma quarta em que o Fedcortou.
O cenário interno acabou sendo o principal fator negativo para o Ibovespa, com o holofote mirado para o nosso constante flerte com o risco fiscal. As contas públicas seguem pressionando o Banco Central a manter uma política monetária restritiva para conter qualquer susto futuro na inflação, que hoje, ainda se mostra controlada no topo da meta.
Riscos climáticos também estão entrando na conta e também pressionam os ativos de risco e não só o agronegócio, mas também companhias de energia e demais correlatos às condições climáticas, que ao final do dia vão trazendo pressão sob a inflação. E lá vai o mercado embutir todo o nosso risco na curva de juros, que segue pressionando a renda variável por aqui.
Estamos diante de um cenário de cautela, mesmo com o Ibovespa barato, o risco fiscal aqui fala mais alto e tem contaminado qualquer otimismo com a bolsa brasileira. Nem mesmo a China, que subiu cerca de 17% no mês, após o governo lançar um super pacote de estímulos para tentar reacelerar sua economia e seu combalido setor imobiliário, foi capaz de trazer algum suspiro de alta por aqui. Vale e siderúrgicas responderam bem, mas nem só de Vale vive o Ibovespa. Por ora, gostamos de setores defensivos como o Financeiro, Utilities e Telecom e seguimos esperando ventos favoráveis agora, dependentes do cenário político-fiscal por aqui.
Desempenho da Renda Fixa
Na contra mão do mundo?
Enquanto grande parte do mundo, principalmente os EUA, deram início ao ciclo de cortes nos juros, o Brasil elevou a Selic em sua última reunião, levando-a a 10,75% e confirmando expectativas de novas altas para as próximas reuniões, com as projeções do Focus contratando 11,75% ao final de 2024, enquanto o time macroeconômico do Inter prevê 11,25%.
Alguns fatores contribuíram para a reversão de cenário, sendo o risco fiscal o principal. O governo tem feito esforços para equilibrar as contas públicas, mas os números reportados ainda tem desagradado as expectativas. O mercado projeta que com mais gastos teremos mais inflação, desdobrando em desancoragemdas expectativas. Assim, para reequilibrar tal situação, mais juros são necessários.
Enquanto isso, nos EUA, o FED deu finalmente início ao ciclo de corte de juros, com um corte agressivo de 50 p.b. e contratando mais 25 para cada uma das duas reuniões restantes até o fim do ano. Com a inflação em linha, o mercado de trabalho segue como o principal foco do Fed, que busca ávido pelo soft landing.
Indústria de Fundos
Multimercados têm o pior mês do ano.
Em setembro, os fundos multimercados tiveram seu pior desempenho anual, com uma saída líquida de R$ 53 bilhões.
Já a classe de renda fixa foi novamente o destaque, assim como observado ao longo de todo o ano, com uma captação líquida de R$ 29,25 bilhões.
No ano é a classe que mais captou seguida por Previdência e Ações.
A classe de ETFsficou em 2º lugar com uma entrada líquida de R$ 1,10 bi, representando 0,47% do PL total da indústria de fundos.
A classe de Ações voltou a apresentar saídas líquidas, com R$ 1,42 bi, apesar de seguir positivo no ano.
Alocação Outubro
Cenário favorece juros reais e seguimos otimistas com bolsa brasileira
O cenário de juros mais altos aqui e prêmios estressados fortalecem a oportunidade na renda fixa brasileira, onde seguimos com preferência à posição indexada à inflação, além de mantermos nossa exposição mais sobrealocada em DI neste momento, considerando a trajetória ainda de elevação da Selic para o fim do ano, contrariando os movimentos dos juros globais. No pré, mantemos a posição neutra, uma vez que não vemos tanta oportunidade na relação risco x retorno da classe. Na novidade, segregamos o percentual sugerido de liquidez do percentual de renda fixa pós-fixada.
Na renda variável, apesar do mini ciclo de alta de juros esperado para a Selic, não podemos ignorar o atual patamar de preços do Ibovespa, que continua muito barato, ao operar a múltiplos de 8x. No entanto, entendemos que os riscos de curto prazo podem limitar os ganhos esperados e preferimos nos posicionar em setores mais defensivos, os quais vêm, inclusive se destacando ao longo do ano.
Já no cenário internacional, mantemos nossa preferência por renda fixa de durationmédia, aproveitando as taxas ainda em patamares interessantes, e reduzimos nossa exposição a durationsmais longas, considerando um possível ciclo de cortes mais ameno que o precificado e que poderia elevar a volatilidade na ponta longa da curva. Na renda variável, ainda vemos o S&P 500 caro, principalmente após os recordes renovados. Estamos com posição neutra para desenvolvidos ex-EUA, como Europa e Japão. Mas seguimos mais otimistas com emergentes, principalmente considerando o ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos e a correlação positiva entre estas variáveis.