O hiato do produto de uma economia
É determinado pela diferença em percentual entre o produto (PIB) observado e o produto potencial, representado pela sua tendência de longo prazo. Esse indicador pode ser calculado da seguinte forma:
hiato do produto = (produto observado - produto potencial) / produto potencial
Calcular o hiato é muito importante para compreender o estado da atividade atual e para construir as expectativas para as principais variáveis macroeconômicas, como inflação e desemprego. Todos os bancos centrais acompanham esse indicador para embasar suas decisões quando realizam política monetária. Mas, afinal, como interpretar o resultado do hiato?
Como interpretar o hiato?
Um hiato positivo indica que a economia está sobreaquecida, ou seja, que o nível de demanda agregada está pressionando de forma significativa as cadeias produtivas, o que contribui para aumento do nível de preços (inflação), na medida em que essa elevada demanda não era antecipada pelos agentes.
Geralmente, um hiato extremamente positivo é consequência de uma política fiscal irresponsável. Se o governo de uma nação cria linhas de crédito subsidiadas e realiza transferências de renda à população, como vimos diversos exemplos durante a pandemia, espera-se que os consumidores comessem a gastar mais, o que permite as empresas a aumentarem os preços de seus produtos. Manter a economia sobreaquecida é um processo insustentável no longo prazo, na medida em que o peso da inflação no consumo se torna gradativamente mais expressivo, podendo causar, em última instância, estagflação – processo que uma país enfrenta quando sua atividade está estagnada e a inflação permanece elevada.
Por outro lado, um hiato negativo indica que a economia está operando aquém de seu potencial. Hiatos negativos são comuns após um choque econômico ou uma crise financeira. Geralmente, esses períodos são marcados por um alto nível de desemprego e queda do investimento. Além disso, frente a uma demanda mais deprimida, as firmas são forçadas a reduzirem o preço do que vendem a fim de evitar o acúmulo de estoque e perdas ainda mais substanciais, resultando em um processo deflacionário sistêmico.
Principais críticas em relação ao hiato do produto
Infelizmente, o PIB potencial é uma variável não observável. Isso significa que é impossível determinar, a priori, qual o seu real valor. Atualmente, este é um dos principais assuntos econômicos debatidos entre acadêmicos: qual a melhor maneira de se calcular o PIB potencial. Como não há um consenso quanto à metodologia a ser utilizada, é comum agentes encontrarem valores distintos para o hiato de uma mesma economia, às vezes até mesmo com sinais diferentes. Tal fato pode vir a ser um grande problema. Se a autoridade monetária ou o governo possui uma visão errônea quanto ao PIB potencial, pode acabar agravando um problema econômico estrutural, e pode, por exemplo, optar em adotar políticas anticíclicas (como aumento da taxa da juros) quando o correto seria estimular a economia, levando o país a uma recessão.
Pelo lado positivo, apesar de não haver consenso, existem métodos consagrados de se calcular o produto potencial que já são utilizados pelos principais bancos centrais há décadas. A título de exemplo, vale citar a abordagem que utiliza a função de produção.
Produto potencial - abordagem função de produção
Essa metodologia, que faz uso do que há de mais atualizado em teoria econômica e modelos estatísticos, parte do pressuposto que a produção da economia é determinada, em última análise, pelo estoque de capital (máquinas, equipamentos etc.), pelo estoque de capital humano (quantidade de pessoas empregadas) e pela produtividade (quanto um trabalhador produz por unidade de capital). Entender como esses fatores afetam a produção é bastante intuitivo, o que torna esse modelo mais confiável.
Ao usar essa abordagem, é possível compreender como alguns fenômenos interferem no PIB potencial. Por exemplo, suponha que o governo de um país tenha realizado uma reforma na legislação trabalhista em busca de maior flexibilização, e, por conseguinte, facilitar o processo de contratação. Após tal reforma, espera-se uma redução do desemprego, e, portanto, um aumento do estoque de capital humano. Com mais pessoas produzindo, o PIB observado definitivamente irá subir, bem como o PIB potencial ao ser calculado pela função de produção. Assim, em teoria, não haverá alteração no hiato, o que é um resultado desejado. Caso nosso modelo não captasse o efeito dessa mudança estrutural, o hiato se tornaria positivo. Nesse caso, mesmo sem observar alteração relevante na inflação, a autoridade monetária e outros agentes poderiam fazer uma interpretação errada quanto ao real estado da economia.
Hiato no Brasil
O último exemplo remete ao caso do Brasil, onde a reforma trabalhista foi implementada há aproximadamente 5 anos. Nos últimos meses, o número de ocupados aumentou em um ritmo acelerado, e no trimestre findo em julho chegou a 98,7 milhões de pessoas, o maior patamar para série histórica. Ao utilizar a abordagem da função de produção para a economia brasileira, encontramos um hiato de aproximadamente -2% para o segundo trimestre de 2022, o que indica que mesmo após o crescimento expressivo do PIB de 1,2% no último trimestre, e de 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado, ainda há espaço para a economia crescer de forma natural, isto é, sem a necessidade de programas de estímulos fiscais e/ou monetários.
Outro efeito que contribuiu para o aumento do nosso PIB potencial está atrelado ao estoque de capital. O investimento subiu 4,8% apenas no segundo trimestre desse ano, e já se encontra quase 15% acima do patamar pré-pandemia.
Por fim, cabe o questionamento: se o hiato aparenta estar negativo, o que justifica o forte aumento do nível de preços que temos visto desde o início de 2021? Para responder essa dúvida, é necessário ter em mente que o hiato do produto não é a única variável que afeta a inflação. As disrupções das cadeias produtivas globais, bem como o aumento do preço de commodities nos mercados internacionais são fenômenos extremamente importantes para determinar a variação do nível de preços, mas não são captados pelo cálculo do hiato.