2023 tem muita água para rolar.
Revisamos nossas expectativas e projeções para o setor de saneamento, onde muitas movimentações recentes abriram um leque de incertezas. Desde que rumores de que o atual Governo pode apresentar projetos que modifiquem o Marco do Saneamento Básico, vigorando desde 2020, em nossos entender, a boa expectativa de investimentos vivenciada atualmente pode ser comprometida, o que certamente seria um prejuízo à sociedade.
De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Sistema Nacional de informação sobre Saneamento (SNIS) referentes a 2021, cerca de 35 milhões de pessoas (16% do total da população brasileira) ainda não possui abastecimento de água, enquanto outros 96 milhões (44% dos brasileiros) ainda não conta com coleta de esgoto. Números que o Novo Marco tende a mudar, uma vez que as metas de coberturas para o primeiro são de 99% e o segundo de 90%, até 2033.
Desde 2020 havia um total de 19 concorrências realizadas, com R$ 53 bilhões de investimentos previstos já contratados para as concessões do setor, via leilão. A estimativa, segundo a ABCON, é de que quase 24 milhões de pessoas serão beneficiadas. Já para 2023, é previsto ainda, via leilões, outros 23 bilhões em investimentos.
Mas, tudo pode mudar. Caso as incertezas se elevem, elevando a burocracia no setor novamente, com o retorno dos contratos de programa, por exemplo, poderemos observar uma fuga do capital privado, retornando ao cenário anterior, com falta de investimentos e uma ampla população desassistida.
E como ficam as empresas de capital aberto sob nossa cobertura? Acreditamos no cenário de privatização da Sabesp, principalmente com a eleição de Tarcísio Freitas (Republicanos) para o Governo de São Paulo, o que a coloca como nossa Top Pick do setor, com recomendação de Compra e preço-alvo em R$ 65/ação, visando o final de 2023. Copasa e Sanepar mantemos a recomendação neutra, uma vez que a previsão de privatização para ambas é incerta, ao menos Copasa por ora. Confira mais expectativas abaixo, quanto ao processo de revisão tarifaria e outras expectativas.
Antes de tudo, o preço da água e do esgoto:
A tarifa dos serviços de água e esgoto é geralmente definida pelo órgão Estadual responsável, no caso da Sanepar, por exemplo, a Agepar. A metodologia elaborada difere de Estado para Estado, mas, existem muitas semelhanças, como o reajuste tarifário anual, que, obviamente, ocorre uma vez por ano, reajustando a tarifa pela inflação e o fator X. O fator X é um deflator que visa reduzir a tarifa compartilhando os ganhos de escala que incorrem ao longo do tempo.
O processo mais importante é a Revisão Tarifária Periódica (RTP), que ocorre a cada 3/4 anos, e no qual o regulado reavalia diversos pontos, como custos incorridos inerentes ao fornecimento de água e esgoto, inflação do período, possíveis distorções, crescimento do mercado, expectativas do consumo por usuário, números de unidades consumidoras, entre outros.
Nesta fase é revista também a Base de Ativos Regulatório (BAR), um dos processos mais delicados, em nossa opinião. A BAR contabiliza todos os ativos oriundos dos investimentos prudentes, físicos ou intangíveis, úteis para a realização da prestação do serviço de água e esgoto, sendo estes canos, tubulações, estações de tratamento, represas, entre outros.
A BAR é decomposta entre bruta e líquida, sendo decrescida pela depreciação e ampliada pelos investimentos que ocorrem entre os ciclos tarifários. Como uma parte muito relevante da tarifa é composta por este item, as projeções da nossa modelagem apresentam um rigoroso acompanhamento entre a gestão das empresas de saneamento sob nossa cobertura, como as interpretações do agente regulador.
Assim, uma importante relação, em nosso entender, é o Enterprise Value (Valor de Mercado + Dívida Líquida) da empresa dividido pela RAB. Este múltiplo histórico é um excelente indicador, uma vez pode mostrar pontos de compra ou venda, mas é claro, analisando em conjunto com outros fatores.
Sabesp: privatização em pauta.
O indicador EV/RAB abaixo de 1x implica que a empresa é negociada a um nível inferior ao valor de sua RAB. Segundo nossos cálculos, o múltiplo da SABESP histórico oscila entre 0,7x e 0,8x. É de se pensar que o mercado imputa uma taxa de desconto mais elevada para Sabesp, uma vez que a gestão estatal pode acabar não presando pela busca contínua de eficiência, ou nem sempre buscando maximizar o retorno dos acionistas.
Com as recentes indicações sobre a privatização da companhia, expectativas foram criadas, levando a empresa a ser negociada em um múltiplo EV/RAB superior a 1,2x, porém conforme estas expectativas arrefeceram, a empresa voltou a ser negociada em patamares mais baixos, quase 0,6x. Agora com a chegada do novo governo em São Paulo, o qual trouxe à tona novamente a possibilidade de privatização da empresa, a SBSP3 está sendo negociada a pouco mais de 0,9x, segundo nossos cálculos, e 0,8x considerando a próxima revisão tarifaria.
Embora esteja negociando acima da média histórica, o potencial de valorização, caso seja privatizada, é grande. O setor elétrico, considerando o segmento de distribuição, é um bom exemplo, onde muitas empresas eficientes negociam até 2x EV/RAB. No longo prazo, consideramos para Equatorial e Energias do Brasil, empresa sob nossa cobertura, um múltiplo de 1,5x, enquanto para Cemig, a Estatal mineira, 1x.
Esperamos crescimento da RAB da Sabesp para os próximos anos. O plano de investimentos anunciado gira em torno de R$ 5 bi ao ano até 2027 (mas adicionamos à RAB apenas 95%, ou seja, 5% de glosa), consideramos uma inflação de 3% no período e uma depreciação e torno de 3%, o que retorna uma RAB de 2033 a preços de 2022 em R$ 78 bi, versus os R$ 58 atuais, segundo nossos cálculos, que são conservadores em certas instancias.
Diante disto, ao aplicar um múltiplo de privatização de 1,5x (lembrando que não consideramos ganhos maiores com eficiência operacional), uma taxa de desconto (WACC) de 11,5% e um EBITDA nominal que sai de R$ 7 bi a atinge R$ 12 bi em 2033, o preço alvo de SBSP3 é R$ 76/ação, visando o final de 2023. Caso continue uma Estatal, aplicando então um múltiplo de 1x na RAB, o preço justo é de R$ 48/ação.
Mas qual é então o preço-alvo para o final de 2023? Consideremos os cenários. Entendemos que a probabilidade de ser privatizada hoje é de 60% (R$ 76 * 60% = R$ 45,6), ou seja, 40% de continuar estatal (R$ 48 * 40% = R$ 19,20). Assim, levando em consideração estes pesos, o preço-alvo para Sabesp (SBSP3), visando o final de 2023, é R$ 65/ação (ante aos R$ 52 anterior), com recomendação de Compra.
Copasa: privatização? Ver para crer.
Em nossa visão, a probabilidade de privatização de Copasa é menor, comparado a Sabesp. Embora existam pontos que corroboram a ideia de uma desestatização da empresa mineira, sendo o principal a reeleição do Governador Romeu Zema (NOVO), onde espera-se que em seu segundo mandato exista mais espaço para manobras deste cunho, o processo como um todo é demasiadamente complexo de se alienar um ativo deste porte.
Contudo, os entraves políticos para privatização em Minas são consideráveis. Segundo a constituição estadual mineira, é necessária a aprovação de 3/5 em assembleia legislativa para alienação do controle de uma estatal ou sociedade de economia mista. O atual partido do governador possui somente 2 dos 77 deputados estaduais, sendo assim, minoria na Assembleia.
Outro fator que dificulta a privatização é o paragrafo 17 que foi acrescentado em 2001. Ele determina que a desestatização de companhias de alguns setores, como saneamento básico, deve ser submetida a referendo popular. Assim, o Governador precisará articular além da esfera estadual e os deputados, também com a esfera municipal e a população, para aprovação em referendo. Situação que nos leva a questionar se a privatização aconteceria de fato.
Ao olhar o retrospecto do múltiplo EV/RAB, a média histórica é de 0,76X, sendo que esta foi influenciada pelo bom momento de bolsa Brasil vivenciado após 2018, com maiores expectativas de privatização. Ao desconsiderar tal período, a média se aproxima de 0,6x, número perto, segundo nossos cálculos, do que a empresa é negociada atualmente, 0,65x. Ou seja, entendemos que o mercado pouco precifica um cenário de privatização
Diante disto, levando em consideração o plano de investimentos de R$ 9,5 bi até 2027, cerca de R$ 1,9 bi ao ano em média, mas com uma glosa de 10%, ou seja, atribuindo somente 90% deste à RAB, uma taxa de desconto (WACC) de 11,8%, e um múltiplo de 1x RAB na perpetuidade, projetamos um preço alvo de R$ 15/ação, para o final de 2023.
Ao considerar as mesmas projeções, mas com um múltiplo de 1,5x, sendo este de empresas privadas eficientes, o preço-alvo potencial de CSMG3 é de R$ 23/ação. Como entendemos que a probabilidade de privatização é baixa (30%), atribuímos um preço alvo R$ 17/ação, visando o final de 2023. Como grande parte do upside advém da possibilidade de privatização, não existindo outros grandes triggers de curto prazo, mantemos nossa recomendação Neutra.
Sanepar: crise hídrica é água passada, mas revisão tarifaria é balde de água fria.
Se a expectativa é baixa para uma privatização de Copasa, mesmo com um Governador inclinado para tal movimento, para Sanepar a probabilidade é ainda menor. Com a reeleição de Ratinho Júnior (PSD), Governador do Estado do Paraná, atribuímos um baixíssimo cenário para privatização, uma vez que o mesmo já declarou não ter intenção de alienar a empresa paranaense.
Em termos de múltiplo EV/RAB, a Sanepar apresenta a menor média histórica, 0,63x. Em nossa visão, o mercado atribui um elevado desconto, uma vez que os dois últimos processos de revisão tarifária foram, em nossa visão, muito conturbados, trazendo alto grau de incerteza ao mercado. Em 2017 muitos questionamentos quanto aos investimentos realizados foram levantados, bem como em 2020 uma série de processos foram negligenciados pela agência de regulação. Uma evidência de tal afirmação é que a Revisão Tararia de 2020 ainda não se encerrou. Os agentes sempre devem buscar a modicidade tarifária, mas sem comprometer a capacidade de investimento de uma empresa, uma vez que serviços de saneamento básico são de fato básicos, essenciais à sociedade. Em nossas projeções, as distorções são tão consideráveis que a empresa necessitará de um aporte de quase R$ 2,5 bi para cumprir seu plano de investimentos nos próximos cinco anos.
Outro agravante foi a crise hídrica vivenciada no Sul entre 2020-21, comprometendo os reservatórios da companhia, bem como a capacidade de fornecimento do serviço, sendo, à época, necessário até rodízio na capital Curitiba. Mas, já são águas passadas. As barragens estão com cerca 95% de sua capacidade, com Iraí, o maior complexo, em 100%. Assim, atribuímos pouco risco a este fator no curto prazo.
Em nossa modelagem, consideramos uma glosa de 10% no plano de investimentos de R$ 10 bi apresentado pela empresa até 2027, uma elevada taxa de desconto (WACC) 13,6%, um EBITDA que sai de R$ 2 bi, atingindo cerca de R$ 4,9 em 2033, uma capitação líquida de R$ 2,5 bi, um múltiplo justo de 1x RAB, o que nos retorna um preço-alvo de R$ 28/ação. Ao replicar a metodologia utilizada nas outras empresas de saneamento, considerando um múltiplo RAB de 1,5x, a empresa teria potencial de ser precificada em R$ 46/ação.
Como dito, o cenário de privatização, em nossa opinião, é muito baixo (5%), e ponderando o nosso preço alvo fica em R$ 29/ação (ante aos R$ 28 anteriores), com uma recomendação Neutra, visando o final de 2023. Mesmo com o upside frente ao preço corrente, não observamos gatilhos de curto prazo.