A caminho da normalização
Revisamos os nossos modelos e premissas para as companhias do setor de Frigoríficos, adicionando o resultado do 2T22, bem como atualizando as nossas expectativas para o 2S22 e 2023. De modo geral, no primeiro semestre as companhias mantiveram resultados robustos, com margens levemente inferiores a 2021, mas ainda fortes para o comparativo histórico. Para o 2S22 e 2023, o cenário dos Estados Unidos e custos ainda elevados globalmente, cada vez mais tendem a impactar as margens das companhias que possuem exposição a esse mercado. Por outro lado, as exportações na América do Sul continuam favoráveis, principalmente para proteína de frango com a limitação da oferta mundial, assim como da bovina, que é beneficiada pelo ingresso do Brasil e Paraguai no ciclo positivo do gado.
Perspectivas para o 2S22 e 2023. Com cenário nebuloso, as perspectivas para economia global se estremecem, com recuo das projeções de crescimento global pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), com 3,2% em 2022 e 2,7% para 2023, ante 6,1% em 2021, em reflexo aos impactos das tensões do curto prazo, crise energética e cenário de recessão global, com destaque para estagnação dos Estados Unidos, Europa e China. Contudo, a resiliência do setor alimentício é um ponto favorável, dado que costuma ser o último segmento a sofrer impactos de um contexto de redução da demanda. Em sua maioria, o ganho de rentabilidade nesses últimos anos foi revertido em balanços mais saudáveis, crescimento das companhias e uma maior capacidade de geração e valor para os acionistas, o que favorece as empresas nesse período de adequação do mercado e recessão global.
Proteína bovina
Brasil: avanço da oferta de animais beneficia custos, enquanto exportações se mantém favoráveis. Com o ingresso no ciclo positivo do gado, o Indicador do Boi Gordo pela Cepea/B3 atingiu R$ 287,70/@ (04/11), o que representa uma queda de quase 14% desde o início do ano. Os dados do 2T22 da Pesquisa Trimestral do Abate de Animais, divulgados pelo IBGE em setembro, apresentaram um total de 7,38 milhões de cabeças de gado abatidas, o que representa avanço de 5,7% t/t e 3,5% a/a, sendo o segundo trimestre consecutivo de alta. Os resultados consolidam a esperada virada do ciclo da pecuária, com uma gradual melhora da oferta de animais. Nesse cenário, com dados de exportações ainda robustos, impulsionado principalmente pelo alto patamar dos preços comercializados com demanda externa aquecida, esperamos que 2023 apresente margens superiores para as operações no Brasil, no qual os custos tendem a se arrefecer, enquanto os preços devem diminuir, mas se mantendo em níveis superiores ao histórico.
China, exportações e preços. Com cenário de desaceleração e efeitos da política zero-covid da China, o relatório de USDA sobre oferta e demanda global projetou uma redução de 9% nas importações de proteína bovina pelo país em 2023, impactado também por um aumento da produção doméstica de 5,3%. Contudo, com projeção de queda das exportações da carne pelos Estados Unidos em 2023, além da característica mais premium da proteína americana e australiana, assim como expectativas de custos com grãos mais temperados no próximo ano, vemos que, caso essa projeção se concretize, causará pouco impacto para as operações da América do Sul. Visto isso, com uma contração da oferta externa da carne, acreditamos que os preços tendem a se manter em patamares elevados no próximo ano e nesse semestre.
Demanda doméstica continua enfraquecida, mas com projeção de recuperação. No 2S22, o preço da carcaça do boi caiu para cerca de R$ 19/kg, em reflexo ao aumento da oferta, adicionado a uma demanda limitada, que foi motivada pela perda do poder de compra da população. Contudo, para o 4T22 as expectativas são mais positivas, beneficiado pelo período sazonal de festas e Copa do Mundo, que tende a fomentar o consumo de proteínas. Para 2023, o quadro econômico brasileiro mais positivo, quando comparado com o mercado externo, além de projeções de recuo da inflação e aumento da oferta de animais, resultam em uma expectativa de um cenário de recuperação da demanda doméstica.
Estados Unidos. O outlook de outubro da USDA apresentou uma queda de 6,3% da produção de carne bovina no país projetada para 2023 a/a. Para exportações é esperado um recuo de cerca de 14% a/a. O ingresso dos Estados Unidos no ciclo negativo do gado já era previsto pelo mercado, após anos de um super ciclo positivo, contudo, as secas em algumas regiões dos Estados Unidos impulsionaram uma liquidação superior de fêmeas nesse ano, o que estimula a oferta no curto prazo, porém prejudica ainda mais a disponibilidade de animais nos próximos anos. Visto isso, o preço do boi vivo já registrou um avanço de 4,6% no ano, sendo que ultrapassou os US$ 150/Ib no final de outubro. No mercado futuro, é comercializado a mais de US$ 152/lb em 2023, com forte avanço nos contratos do final de 2023 e de 2024. O cenário inflacionário e receios da recessão também lesionam o consumo doméstico nos Estados Unidos.
Austrália: recuperação do rebanho e efeitos da recessão global. Na Austrália, em reflexo à queda geral das perspectivas de crescimento com cenário de desaceleração, o Reserve Bank of Austrália (RBA) diminuiu para 1,5% as suas projeções do PIB para 2023, com expectativas de uma contração no consumo, exportações e investimento no país, em retrato ao cenário externo e efeitos da política contracionista. Para o rebanho, o cenário continua de recuperação, com projeções do Meat & Livestock Australia (MLA) mostrando um crescimento de 6% em 2022, enquanto é esperado um aumento de 13% na produção de carne bovina em 2023.
Proteína de aves
Dados da Secex de 2022 apresentam resultados recordes para exportação de carne de frango no Brasil, impulsionado principalmente pelo forte avanço dos preços em um mercado externo que sofre com limitações da oferta. O cenário adverso da Europa, consequências da gripe aviária no Hemisfério Norte e continuidade do conflito entre a Rússia e Ucrânia continuam a favorecer as exportações de proteína de frango pelo Brasil.
Cenário doméstico em recuperação, mas ainda com desafios. Apesar de vermos um aumento da preferência por proteína de frango, a perda do poder de compra da população impacta a evolução do consumo da carne, proporcionando uma maior indigestão dos consumidores por repasses de preços. Contudo, a cotação do frango congelado se manteve em patamares elevados no ano, já indicando uma média de R$ 8,05/kg nesse segundo semestre e um crescimento de 22,4% desde o início do ano. Para 2023, por mais que o cenário continue incerto, é esperado um arrefecimento dos custos e uma recuperação da demanda.
Estados Unidos e Europa. Nos Estados Unidos, a produção passa por processo de estabilização, com projeção de crescimento de 2,2% a/a em 2022 e 1,58% a/a em 2023. Entretanto, margens devem se manter resilientes, com amenização dos custos e demanda robusta pela proteína. Na Europa, a situação é mais adversa, com impactos da crise energética, adversidades climáticas, aumento dos custos produtivos e inflação alimentar, que proporcionaram uma expectativa de recuo de 0,9% da produção de aves em 2022, segundo a European Commision, e margens mais apertadas para o setor.
Riscos
Pontuamos como principais riscos:
- Questões sanitárias, que afeta a comercialização com outros países e delibera embargos pelos demandantes, como vimos com a China e as diversas proibições à importação de proteína brasileira que foram efetuadas.
- Tendo em vista a importância da China para as exportações de commodities brasileiras, qualquer crise, oscilação de mercado ou interferências do governo podem impactar o segmento.
- Adversidades climáticas, como longos períodos de secas, queimadas e geadas podem impactar no pasto ou nas safras de grãos, o que prejudica as margens das companhias.
- Riscos relacionados a surtos de doenças no rebanho, como mostra os episódios de Peste Suína Africana (PSA), Vaca Louca, Influenza Aviária e outras.
- As incertezas e oscilações nos mercados emergentes e subdesenvolvidos onde atuam, de modo que interferências ou desorganização do governo influenciam o funcionamento do setor.
- Riscos cambiais, imprevisibilidade dos fornecedores, mudanças de hábitos dos consumidores e políticas ambientais, também são fatores significantes.
- riscos políticos também ficam no radar, principalmente em razão às medidas e direcionamento do novo governo ante às dinâmicas de exportações e produção.
BRF (BRFS3): Visão ainda turva, mas com bom pressentimento para sua transição
O cenário para BRF continua turvo, com incertezas frente à sua gestão operacional, saúde financeira e direcionamento estratégico para o médio e longo prazo. Contudo, com recente ingresso do Miguel Gularte, ex-CEO da Marfrig, no cargo de diretor presidente da BRF, as perspectivas se tornam mais positivas, no qual o know-how da nova gestão deve suavizar e reestruturar as operações da companhia, reduzindo as lacunas e possibilitando melhores retornos para suas atividades e acionistas. O cenário de recessão global e os gargalos produtivos ao redor do mundo também devem impulsionar os resultados da BRF, visto que há uma maior predileção dos consumidores por proteína de frango, principalmente nesse cenário inflacionário e de contenção de gastos, o que pode estimular as suas operações tanto no âmbito externo como interno. As perspectivas para BRF se mantém positivas, entretanto, a sua capacidade de usufruir desse cenário e criar valor para o mercado ainda é questionável.
O 1S22 apresentou resultados mistos, em resposta ao balanço negativo do 1T22, que surpreendeu negativamente o mercado, mas que foi suavizado por uma recuperação do 2T22 com exportações, segmento Brasil e rentabilidade do Halal se sobressaindo. Nesse cenário, para 2022 esperamos que a BRF encerre com um top line robusto de R$ 52,9 bi (+9,4% a/a), beneficiada pelos aumentos de preços, ao passo que as margens sofrerão com o avanço dos custos e peso das operações da companhia, levando a uma margem EBITDA de 7,1% (-4,8 p.p. a/a). Para 2023, considerando um cenário de recuperação e de boas oportunidades para carne de frango e suína, projetamos uma receita de R$ 54,6 bi, com EBITDA de R$ 6,8 bi e margem de 12,4%.
Em vista disso, considerando o sequencial quadro de incertezas da BRF, além dos aspectos administrativos para se esclarecer e atualizar,reduzimos para BRFS3 nosso preço-alvo para o final de 2023 (YE23), no qual se estabelece em R$ 18,00/ação (ante R$ 20,00), mantendo a nossa recomendação de Neutra para o papel. Pontuamos que para o modelo consideramos um WACC de 11,5% e perpetuidade de 4%.
JBS (JBSS3): O brilho da diversificação
Após 2021 ser marcado por recordes, com USA Beef atingindo uma margem EBITDA surpreendente de 17,7% ante a uma média histórica de 9,6%, assim como preços favorecendo todos os segmentos, vemos que o momento de inflexão se aproxima para algumas operações da JBS, com um cenário de soft landing para Beef North América, assim como desafios frente a Europa e economia global. No entanto, a dimensão da JBS, com uma plataforma consideravelmente diversificada, tanto em produtos - com carne bovina, de aves, suína, processados, plant based e peixes - quanto em geografia, protege a sua rentabilidade em cenários cíclicos e de volatilidade.
Nesse sentido, projetamos uma receita de R$ 372 bi para 2022, alta de 7,5% ante as nossas últimas projeções divulgadas. Esperamos também uma margem EBITDA de 8,4%, em espelho a perda de rentabilidade das operações na América do Norte. Para 2023, estimamos um top line de R$ 377 bi, impulsionado principalmente pelas operações da Seara, JBS Brasil, bem como da Pilgrim’s Pride, que são favorecidos pelos fundamentos positivos do mercado. Para margem EBITDA, foi projetada uma leve contração para 8,2%, com conjuntura dos Estados Unidos no radar. Nesse cenário, estimamos os papéis da JBS negociando em 4,0x EV/EBITDA até o final de 2023.
Levando em conta o cenário dos Estados Unidos e seus impactos na rentabilidade consolidada da companhia, reduzimospara JBSS3 nosso preço alvo para o final de 2023 (YE23), no qual se estabelece em R$ 49,00/ação (ante R$ 51,00). Contudo, vemos que a companhia está muito descontada, no qual considerando a sua estrutura de capital equilibrada, forte direcionamento estratégico e fundamentos sólidos para alguns de seus setores,mantemos a nossa recomendação de Compra para o papel. Pontuamos que para o modelo consideramos um WACC de 10% e perpetuidade de 4%.
Marfrig (MRFG3): Margens pressionadas e incertezas frente a BRF
Com grande exposição ao mercado norte americano, compondo mais de 70% da receita consolidada da Marfrig, o cenário de redução da oferta de gado nos Estados Unidos, maiores custos com o animal e efeitos da recessão global, prejudicam a rentabilidade da companhia. Por mais que as operações da América Sul venham se superando ano após ano, o seu cenário mais propício, com ciclo positivo no Brasil, não consegue amortizar o efeito de uma queda de margens da National Beef.
Para o valuation, estamos atualizando as nossas estimativas, de maneira a considerar apenas a Marfrig e adicionar, por partes, a participação na BRF em seu valor. Visto isso, para 2022 foi projetado uma receita líquida (ex-BRF) de R$ 88,6 bi, com aumento de 9,9% ante a nossa última estimativa de R$ 80,6 bi, em espelho a preços mais robustos, desvalorização do real e resultado forte da América do Sul. Para margens, o crescente preço do gado nos Estados Unidos e custos operacionais elevados proporcionaram uma margem EBITDA de 10,6% (-6,0 p.p. a/a), dado o forte recuo da rentabilidade da National Beef, cuja margem EBITDA foi estimada em 15% no consolidado do ano. Para 2023, é esperado um top line de R$ 88,8 bi e margem de 7,4%, refletindo a comentada normalização das margens do setor.
Após um ano de resultados recordes, em 2021 a Marfrig deu um grande passo na sua estratégia de expansão com aquisição de 33,25% da BRF. No entanto, levando em conta o cenário e situação da adquirida, é necessário ter atenção para o desdobramento e desenvolvimento da BRF, agora que a Marfrig possui o controle acionário e faz parte da diretoria da companhia. Por mais que a recuperação da BRF ainda seja impalpável, o mix entre as tendências positivas para avicultura e boa gestão da Marfrig devem resultar em um retorto mais amistoso para o médio e longo prazo.
Por fim, considerando a característica cíclica do setor, a Marfrig apresentou uma gestão estruturada, com uma operação leve e um know-how do segmento que estimula a capacidade de gerar valor para os acionistas. No entanto, a queda das margens com o soft landing das operações da National Beef, assim como incertezas frente a sua participação na BRF, proporcionaram um quadro ainda núbio para Marfrig. Desse modo, reduzimos para MRFG3 nosso preço-alvo para o final de 2023 (YE23), no qual se estabelece em R$ 24,00/ação (ante R$ 27,00), mantendo a nossa recomendação de Neutra para o papel. Pontuamos que para o modelo consideramos um WACC de 10,8% e perpetuidade de 4%.
Minerva (BEEF3): Um ano para ficar na história
Favorecida pelo cenário positivo do Brasil e Paraguai com virada do ciclo do gado, além de ganhos no que tange custos frente aos outros players do mercado, temos uma perspectiva positiva para Minerva, com evolução considerável de sua rentabilidade. No 1S22, a companhia manteve resultados fortes, com uma margem EBITDA de 9,1% (+0,7 p.p. a/a), em espelho aos seus ganhos diante da evolução dos preços, demanda da China após embargos em 2021 e controle operacional.
Nesse cenário, para o curto prazo esperamos que o gradual aumento da oferta de animais, com consequente redução da arroba e demanda externa ainda significativa, apesar de recuo dos preços e uma estabilização da demanda da China vista nos últimos dois anos, proporcionarão um resultado sólido para Minerva, com uma margem EBITDA esperada para 2023 de 10,2%. Para o 2S22, o cenário de sequencial melhora da oferta do gado no Brasil e consequente recuo da arroba, com uma queda de cerca de 9,6% YTD, assim como demanda extra com a Copa do Mundo e sazonalidade positiva do final do ano, acreditamos que resultará em uma receita recorde de R$ 31.966 mm em 2022, com uma margem EBITDA de 9,4%.
Por fim, vemos que a gestão administrativa e financeira da Minerva e bom momentum do cenário, proporcionam uma capacidade superior de geração de valor ao acionista. A companhia tem uma estratégia clara e alinhada, preservada pela diversificação geográfica na América do Sul e foco na rentabilidade operacional, o que beneficia a sua performance. A sua recente aquisição da Australian Lamb Company, processadora de ovinos, abre portas para sua expansão em outros continentes e na diversificação de seu portfolio, sendo um ponto benéfico para o seu crescimento.
No que tange o longo prazo, o investimento direcionado para descarbonização, que já começa a trazer resultados, se torna um diferencial, principalmente com uma crescente demanda por produtos carbono neutro. Contudo, as mudanças alimentares, limitações produtivas e adversidades climáticas são fatores de atenção para o longo prazo.
Em vista disso, seguimos otimistas diante da gestão e conjuntura da Minerva, assim, aumentamos para BEEF3 nosso preço-alvo para o final de 2023 (YE23), no qual se estabelece em R$ 21,00 (ante R$ 17,00), mantendo a nossa recomendação de Compra para o papel. Pontuamos que para o modelo consideramos um WACC de 11,2% e perpetuidade de 4%.