O que aconteceu com o Silicon Valley Bank?
Na última sexta-feira, 10 de março de 2023, o Silicon Valley Bank (SVB) foi fechado pelas autoridades americanas para evitar uma corrida bancária e garantir o acesso dos clientes aos seus depósitos. Com mais de US$ 200 bilhões em ativos, essa foi a segunda maior falência bancária da história dos Estados Unidos, criando incertezas sobre possíveis contaminações e o início de uma corrida bancária no sistema.
O SVB era um banco localizado na Califórnia que focava no atendimento a startups e fundos de Venture Capital, o que foi uma parte do problema. Os recursos captados pelo banco eram, em sua maioria, de ticket alto vindo de companhias de tecnologia, havendo, portanto, um considerável risco de concentração, que aumenta a probabilidade de retiradas massivas simultâneas em momentos de estresse financeiro. Vale mencionar que apenas 2,7% dos depósitos totais do SVB estavam dentro do limite de US$ 250 mil garantido pelo fundo garantidor de crédito americano, o FDIC.
Desde a crise do subprime, os bancos são requeridos a manter uma expressiva quantidade de ativos líquidos de alta qualidade. Tais ativos incluem reservas bancárias e títulos do tesouro americano, mas, também, títulos de dívida corporativa e hipotecária. Boa parte dessas reservas são alocadas em bonds, expondo as instituições financeiras a um outro tipo de risco: o aumento da taxa de juros. É preciso, por isso, que os bancos se resguardem através de operações de swap. No caso do banco SVB, porém, quase 80% dos seus ativos eram alocados em títulos hipotecários de longo prazo, tornando-o vulnerável à alta da taxa de juros.
Tipicamente, os bancos dividem seus portfolios em duas categorias: Available for Sale (AFS) e Held to Maturity (HTM). O primeiro consiste em títulos que o banco pretende vender com rapidez, geralmente títulos de renda fixa de curto prazo. O segundo, consiste em títulos que o banco pretende manter até o vencimento, tipicamente, títulos de longo prazo. E pela regulamentação americana, os bancos podem registrar os investimentos em HTM a preço de custo. Esses investimentos valiam US$91 bilhões em 31/12/2022 de acordo com essa regra. Entretanto, o valor de mercado desses títulos era de US$76 bilhões nessa mesma data, uma diferença de US$15 bilhões. Mas o valor que é contabilizado no patrimônio líquido do banco é o de US$91 bilhões. Para se ter ideia do tamanho do risco incorrido, o patrimônio líquido do SVB em 31/12/2022 era de US$16 bilhões. Se eles fossem obrigados a registrarem os investimentos HTM ao valor real, o patrimônio cairia para US$1 bilhão, muito abaixo o mínimo regulatório.
Aqui entra o cenário macroeconômico. Com a crescente inflação, a taxa básica de juros foi elevada pelo banco central americano de 0% para 4,75% em menos de um ano. Para além de impactar o portfólio do SVB, a alta da taxa de juros afetou diretamente as empresas de tecnologia, que, altamente dependentes de crédito e prejudicadas pela baixa liquidez, viram- se obrigadas a acessar seus fundos sob os cuidados do SVB. Mais uma vez, concretizou-se o risco vindo da concentração dos depósitos do SVB. Em razão da homogeneidade de seus clientes (todos afetados pela piora das condições do mercado), o banco passou a enfrentar uma crise de liquidez e se viu obrigado a renunciar a ativos e assumiu expressivas perdas, diretamente relacionadas à ausência de proteção contra a elevação das taxas de juros. Nesse cenário, demandou-se uma injeção de capital que somente aumentou a crise de credibilidade já instaurada, gerando uma pequena corrida bancária.
Fica a questão: o Fed foi longe demais? Aumentou a taxa de juros de maneiro muito intempestiva? Não parece ser o caso. A insolvência do SVB é uma combinação dos riscos elencados acima com um problema de moral hazard, o risco moral. O banco, sabendo que uma eventual quebra colocaria pressão sobre o governo para resgatá-lo, acabou por assumir riscos desnecessários.
Isso nos leva a outro ponto. O SVB deveria ser resgatado? Provavelmente, não. O banco quebrou por más decisões de gestão. Entretanto, dado o volume de recursos não assegurados pelo fundo garantidor de crédito e o risco de contaminação gerando corrida bancária em outras instituições, o Tesouro americano juntamente do Fed e do fundo garantidor de crédito decidiu, no domingo, garantir os depósitos de todos os correntistas, independente do montante, com exceção dos shareholders. Moralmente, o regaste não parece justo, especialmente porque o governo americano utilizará recursos do próprio sistema bancário para fazer jus aos depósitos, então, os bons estão pagando pelos pecados dos maus. Isso cria uma estrutura de incentivos altamente indesejável. Porém, o risco de uma crise de confiança no sistema bancário da maior economia do mundo se sobressaiu ao risco moral, e o Fed ponderou que uma crise bancária mais grave poderia gerar uma recessão bem mais custosa para o sistema.
Quais as implicações para os próximos passos da política monetária nos EUA e no Brasil?
O recente evento pode afetar os planos do Fed na condução da política monetária, resultando em uma expectativa de menores altas de juros nas próximas reuniões e uma taxa terminal abaixo do que era precificado pelo mercado na semana passada. Apesar da inflação corrente ainda elevada e os recentes indicadores do mercado de trabalho mais aquecido, o cenário prospectivo é de uma maior desaceleração da economia, afetada pela elevação da aversão a risco e aumento da incerteza, o que já pode ser observado na queda das cotações das commodities no mercado global, por exemplo. Não descartamos, inclusive, uma pausa no ciclo de alta, considerando que a próxima reunião será dia 21 e o Fed pode estar ainda avaliando a evolução do cenário.
No Brasil, o cenário de maior aperto também muda o balanço de riscos da inflação e o Copom pode indicar na sua próxima reunião que o início do corte de juros pode ser antecipado. Vale ressaltar que a política monetária tem defasagem, que parece ser mais longa nesse ciclo, e o atual patamar bastante restritivo da Selic ainda terá efeito prolongado na economia. O aperto adicional de crédito, que também já é observado no cenário local, deve contribuir para uma queda maior do que o esperado na atividade, acelerando o processo de desinflação à frente.