Macroeconomia


Relatório Especial | Japão

1FE74EB4-3BA2-4326-8616-33FEB07ED31F_1_201_a - cópia

André Valério

Publicado 07/mar3 min de leitura

O que está acontecendo no Japão?

A bolsa de valores japonesa tem sido um dos grandes destaques em 2024, tendo subido mais de 20% nesse ano, superando as máximas alcançadas em 1989. Desde o fundo da pandemia, a bolsa japonesa já acumula ganhos de mais de 142%. Esse rally tem sido motivado por valuations atrativos, reformas corporativas mais amigáveis aos investidores e, mais recentemente, fluxos de investimentos vindo do mercado acionário chinês, que tem sido maltratado pelos investidores ao longo do último ano.

Mas não é coincidência que a bolsa japonesa tenha só agora superado a máxima de 1989. A década de 80 foi uma década de ouro em termos de crescimento para a economia japonesa, crescendo em média 4% ao ano, assumindo o papel de “rei” da indústria global de eletrônicos. Tamanha exuberância levou ao surgimento de diversas bolhas na economia japonesa, em particular no mercado acionário e no mercado imobiliário. Com isso, a inflação ficou bastante pressionada, o que levou ao banco central japonês a implementar uma política monetária bastante restritiva, o que, eventualmente, estourou a bolha e colocou a economia japonesa em uma deflação crônica ao longo da década de 90, que por sua vez, foi a década perdida da economia japonesa.

Essa deflação crônica assombrou a economia japonesa por quase 30 anos. Entre 1990 e 2020, a inflação anual média da economia japonesa foi de apenas 0,45%. Entretanto, nem o Japão ficou imune ao choque de oferta causado pela pandemia, que causou uma grande ruptura na cadeia global de produção, pressionando os preços dos bens ao redor do mundo. Entre 2021 e 2023, a inflação anual média do Japão foi de 1,9%, chegando a alcançar 4% ao fim de 2022.

A deflação crônica é tamanha, que mesmo com a inflação pressionada, bem acima da meta de 2%, o banco central japonês se mostra relutante em controlar a pressão nos preços, com medo de que um eventual aumento nos juros fizesse com que o processo inflacionário fosse abortado, trazendo de volta a deflação. Enquanto a maior parte dos bancos centrais se mostram preocupados em conter a espiral inflacionária entre salários e preços, o banco central japonês anseia ver os salários aumentarem consistentemente para manter essa espiral viva e um processo inflacionário na economia japonesa.

Com a inflação pressionada, os investidores monitoram de perto os passos do banco central japonês na expectativa de que eles possam aumentar os juros. O banco central japonês namora a ideia de elevar a taxa de juros por mais de um ano, mas sem tomar alguma ação decisiva quanto a isso, acompanhando o contexto global e se as economias desenvolvidas eram capazes de tolerar os juros elevados, como foi o caso nos últimos 2 anos.

Agora, mais uma vez, as autoridades japonesas sinalizam que o momento de encerrar a política monetária ultra acomodativa, com taxas de juros negativas, está próximo. A inflação em Tóquio alcançou 2,5% na taxa anualizada em fevereiro, dando maior confiança para o banco central começar a desfazer os estímulos monetários. Além disso, os salários japoneses cresceram em janeiro no ritmo mais elevado desde junho, dando maior confiança ao banco central de que o momento é adequado para retirar os incentivos monetários de décadas, sem causar um grande impacto negativo na economia.

Com isso, os yields domésticos estão em alta e o mercado já precifica uma probabilidade de mais de 50% de alta nos juros na próxima reunião de março. Uma alta nos juros japoneses não é um movimento que possa ser ignorado. Isso decorre do fato de que o Japão é um “exportador” de poupança, estando entre um dos maiores financiadores de dívida soberana do mundo, representando boa parte da demanda por títulos de dívida pública americano e europeus.

Portanto, um aumento nos juros japoneses teria um impacto relevante no mercado financeiro internacional. Ao investir em títulos soberanos de economias estrangeiras, os investidores japoneses incorrem em risco cambial. Para mitigar esse risco, é feito um hedge cambial. Entretanto, nos últimos 2 anos o retorno de se investir em títulos americanos de 10 anos líquido dos custos de hedge cambial estão negativos para os investidores japoneses. Isso ocorre por diversos motivos, mas os principais são a política monetária contracionista americana vis-à-vis a política monetária ultra acomodativa japonesa, o que levou a uma forte desvalorização do iene japonês desde 2022. Outro fator que contribui para esse custo de hedge elevado é a inversão da curva de juros americana, que já está assim há mais de 16 meses. Nesse contexto, um eventual aumento na taxa de juros japonesa irá piorar ainda mais esse cenário, podendo causar uma reversão de fluxo em direção aos títulos japoneses, reduzindo a liquidez internacional.

Com os investidores japoneses mais avessos aos investimentos internacionais, um candidato natural para esses recursos é o mercado acionário. Portanto, não é exagero dizer que o atual topo da bolsa japonesa é consequência da inflação, que também tem o impacto de elevar as receitas das empresas, melhorando seus earnings per share. E o mercado acionário parece acreditar que a era de deflação finalmente acabou.

Simon Kuznets, prêmio Nobel em economia de 1971, uma vez disse que as economias ao redor do mundo podem ser classificadas em quatro categorias: desenvolvidas, subdesenvolvidas, Japão e Argentina. Definitivamente, a economia japonesa é peculiar, sendo uma das poucas onde uma inflação elevada aumenta o otimismo dos investidores.


Compartilhe essa notícia

Receba nossas análises por e-mail