Fed e os Emergentes
Atualmente, as taxas de juros americanas estão no nível mais alto das duas últimas décadas, com o ciclo de cortes previsto para iniciar esse ano. O mercado ainda diverge em relação a quando será o início dos cortes, com os dados de uma economia americana ainda forte, com resiliência do consumo das famílias, e dados de inflação mostrando maior volatilidade recentemente, mas mantendo tendência de convergência à meta de 2%.
Os ciclos de política monetária são acompanhados de perto pelo mundo inteiro, mas são altamente relevantes para as economias emergentes. Há uma frase muito comum no mercado financeiro de que quando os Estados Unidos espirram, as economias emergentes pegam pneumonia. Isso ilustra a alta sensibilidade que essas economias a eventos macroeconômicos internacionais.
De fato, historicamente, observa-se as economias emergentes sofrendo mais em períodos de aperto monetário na economia americana. Em contrapartida, no processo de afrouxamento o contrário. Isso decorre de uma variável fundamental na macroeconomia internacional, o diferencial de juros. A economia americana é vista como aquela que apresenta o menor risco soberano no mundo, ou seja, a chance do investidor tomar calote ao emprestar para o governo americano é muito próxima de zero. Isso torna o dólar uma moeda muito desejada em momentos de elevada incerteza.
Mas ao elevar sua própria taxa de juros, a economia americana impõe duas opções difíceis às economias do resto do mundo: ou elas aumentam seus juros para manter o diferencial constante, ou aceitam uma depreciação da sua moeda local. Como depreciação cambial tem impacto inflacionário, os bancos centrais optam em acompanhar o aumento dos juros.
Essa lógica também é verdadeira na direção contrária, com o corte de juros na economia americana ampliando o diferencial de juros, levando a uma redução dos juros locais. Além disso, ao cortar sua taxa de juros, o banco central americano eleva o apetite por risco dos investidores internacionais, induzindo um fluxo positivo em direção às economias com maior risco relativo, como as emergentes.
Com a expectativa do início do ciclo de cortes nos juros americanos no 2o semestre desse ano, vemos uma boa oportunidade para se posicionar em emergentes, antecipando esse movimento favorável de fluxo.
Há evidências empíricas que implicam uma relação de causalidade entre a queda nos juros americanos e fluxo positivo em direção às economias emergentes. Bräuninge Ivashina (2018), por exemplo, utilizaram dados de empréstimos corporativos no período de 1990 a 2016 para analisar a correlação entre a política monetária dos EUA e a disponibilidade de crédito bancário para países emergentes. Os resultados encontrados foram que em um ciclo de flexibilização da política monetária na qual o Fed reduz a taxa de juros em cerca de 4 p.p., o volume de empréstimos aos países emergentes excede o de países desenvolvidos em 32%.
Outro fator a ser considerado são as condições financeiras. Desde o fim da pressão sobre os títulos americanos em outubro que elas têm se tornado consistentemente mais frouxas, atingindo o menor patamar em 12 meses. Esse movimento tem a capacidade de manter o crescimento nominal da economia e o mercado de trabalho apertado. Enquanto isso, o mercado precifica que a inflação continuará cedendo, ou seja, um cenário perfeito de Goldilocks.
Para averiguar essa relação e identificar um possível mecanismo causal, estimamos um VAR para 14 países, sendo 7 considerados emergentes e 7 considerados desenvolvidos. Cada VAR contém um bloco de variáveis internacionais e um bloco de variáveis domésticas. As variáveis internacionais são o preço internacional do petróleo, a inflação americana e a taxa de juros americana, representada pela Federal Funds Rate. Essas variáveis foram escolhidas de maneira a modelar da forma mais parcimoniosa possível a função de reação do banco central americano.
As variáveis domésticas são o PIB, o nível de preços, a taxa de câmbio, o índice de ações e a taxa de juros de referência. Dentre o grupo dos países emergentes, foram incluídos o Brasil, África do Sul, Chile, Indonésia, México, Polônia e Turquia. No grupo dos países desenvolvidos foram incluídos a Alemanha, Austrália, Canadá, França, Japão, Suíça, Reino Unido. Mais detalhes sobre o modelo podem ser encontrados no apêndice metodológico. Os dados utilizados são trimestrais, com a amostra se iniciando no primeiro trimestre do ano 2000 e encerrando no último trimestre de 2019, a fim de evitar o período pós-pandemia que foi bastante distorcido e exigiria um tratamento estatístico à parte.
O modelo foi estimado com técnicas Bayesianas, impondo a hipótese de pequena economia aberta, ou seja, as variáveis domésticas não retroalimentam as variáveis internacionais dentro do sistema de equações. Ou seja, oscilações no PIB brasileiro não influenciam a tomada de decisão do Fed. Em um VAR sem a aplicação dessa hipótese, o modelo erroneamente capturaria comovimentos entre as duas variáveis, atribuindo sentido causal a elas, o que não faz sentido. As priors utilizadas seguem as dummy priors propostas por Sims & Zha (1998).
O exercício consistiu em simular um choque negativo na taxa de juros americana, de tal forma que o impacto inicial foi modulado para ser de um corte total de 450 bps na taxa juros, valor mediano dos ciclos de cortes do Federal Reserve. Dado esse choque, analisa-se a resposta da bolsa de valores de cada país na amostra.
O gráfico abaixo mostra a resposta mediana dos países desenvolvidos versus a resposta mediana dos países emergentes, após um choque negativo na taxa de juros americana.
Primeiramente, nota-se que a resposta das bolsas é inicialmente negativa. Isso se deve ao fato de que, normalmente, o Fed inicia o ciclo de cortes nos juros quando a economia já está em desaceleração. Entretanto, obtemos evidências em favor à hipótese de que o ciclo de cortes é mais benéfico às bolsas emergentes vis-à-vis as bolsas desenvolvidas. As bolsas emergentes não apenas caem em menor intensidade, como recuperam mais rápido e, a médio prazo, crescem mais após o choque.
Os modelos VAR nos permite também calcular o quanto cada choque responde pela variabilidade de cada variável. Fazendo isso para o índice de ações, nota-se que a taxa de juros americana tem grande poder explicativo, sendo o segundo fator mais relevante para explicar a variabilidade das bolsas emergentes, atrás apenas dos choques na própria bolsa.
Portanto, esse breve exercício fornece evidências causais adicionais sobre o movimento das bolsas de quando o banco central americano reduz sua taxa de juros. Como antecipado, as bolsas emergentes têm maior sensibilidade aos juros americanos menores do que as bolsas de países desenvolvidos.