Macroeconomia


Real Estate | Agosto 2024

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Luana Bretas

Publicado 28/ago3 min de leitura

Resumo

Mercado imobiliário brasileiro segue aquecido e preços em alta. As construções vem sendo impulsionadas pelo programa Minha Casa Minha Vida, resultando em recorde de vendas no primeiro semestre. O bom desempenho do setor acaba pressionando ainda mais os recursos para financiamento, que buscam se desenvolver em um cenário de maiores dificuldades.

Os custos com mão de obra tiveram desaceleração, mas a escassez de trabalho qualificado segue sendo uma das principais preocupações do setor. As discussões em relação à carga tributária também estão no radar, com divergências entre entidades do setor e governo sobre o desconto apropriado da alíquota para se manter a neutralidade tributária após a reforma.

Nos EUA, o início do clico de cortes já começou a beneficiar o setor imobiliário com a queda nas taxas de hipotecas. As vendas se fortaleceram em julho, contribuindo para um melhor balanceamento do mercado em meio à oferta elevada dos últimos meses. Apesar da forte queda nas construções, a alta da demanda deve impulsionar também uma recuperação em novas obras, com potenciais compradores aproveitando o cenário de taxas hipotecárias mais baixas.

Preços imobiliários seguem altos no Brasil

Preços de venda residencial aceleram em julho. O índice FipeZap mostrou aceleração de 0,76% no mês de julho e 6,53% em 12 meses, com alta anual de 2,21% acima da inflação.O IGMI-R também acelerou em julho de 0,85% para 1,06% na variação mensal e de 11,65% para 12,13% em 12 meses. Já os imóveis comerciais ficaram estáveis em julho (-0,02%) e em 12 meses (-0,04%).

Os aluguéis, por outro lado, desaceleraram em julho. O índice FipeZAP cresceu 1,12% no mês, ante 1,43% no mês anterior. Em 12 meses, o índice passou de alta de 14,9% para 14,6%. O IVAR registrou queda de 0,2%, após uma alta de 0,6% em junho, desacelerando também em 12 meses para 9,9% dos 10,7% anterior. Ainda assim, os índices apresentam alta expressiva no ano, 9,23% do FipeZAP e 9,53% do IVAR, enquanto o IGP-M cresceu 1,71% e o IPCA 2,87%.

A rentabilidade anual do aluguel avançou para 5,96% para imóveis residenciais e manteve em 6,54% para os comerciais. A valorização do aluguel tem feito com que mais pessoas adquiram imóveis nos últimos 12 meses, com preferência em imóveis usados e com aumento da intenção de compra com a finalidade de investimento, de acordo com a pesquisa Raio-X fipeZAP do 2º trimestre. A pesquisa também mostrou um aumento na proporção de pessoas que consideram que os preços estão muito elevados e que devem continuar subindo, o que leva a uma redução da intenção de adquirir um imóvel no curto prazo.

Construção civil cresce 28% no 2º trimestre

De acordo com o levantamento da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), os lançamentos de empreendimentos verticais tiveram alta de 28% no 2º trimestre do ano, comparado ao trimestre anterior. Foram quase 84 mil unidades lançadas, sendo mais da metade (53%) de obras do Minha Casa Minha Vida, que no 2º trimestre de 2023 representavam 31% dos lançamentos. As novas regras implementadas em julho do ano passado surtiram grande impacto no crescimento do programa, com aumento de subsídios, redução dos juros para financiamento, aumento do valor máximo dos imóveis e atualização das faixas de renda. Além disso, nesse período tivemos uma redução da taxa Selic em 3,25 pontos percentuais e melhora nos indicadores de emprego e renda, contribuindo ainda mais para o bom desempenho do setor. Com a demanda aquecida e o bom resultado no 1º semestre, a expectativa é de um recorde de contratações do MCMV ao final do ano, podendo chegar a mais de 650 mil unidades.

O número de vendas no 2º trimestre alcançou recorde de mais de 93 mil unidades, alta de 8,5% comparado ao trimestre anterior e 17,9% comparado ao mesmo período de 2023. Nos últimos 12 meses as vendas alcançaram quase 354 mil unidades, uma alta de 11,5% em relação ao acumulado de julho/22 a junho/23, enquanto os lançamentos cresceram apenas 0,8% no mesmo período, com aproximadamente 325 mil novos empreendimentos. Com esse maior crescimento das vendas do que dos lançamentos, a oferta final encontra-se no menor valor dos últimos 3 anos, com queda de 4,2% no trimestre e 11,5% no ano.

Mesmo com recorde em número de vendas, o crescimento tem sido mais intenso em valores monetários, até mesmo no MCMV que opera em obras mais baratas. No primeiro semestre do ano, o VGV foi de R$102 bilhões, alta de 19,3% frente ao primeiro semestre de 2023, enquanto a variação das vendas no mesmo período foi de 15,2%. Apesar do benefício de contratações de obras mais rentáveis, esse aumento nos preços acompanha a alta nos custos, principalmente com o da mão de obra, que teve alta de 4,3% no semestre.

Custos e impostos elevados são preocupações para o setor

Em agosto, o INCC teve alta 0,64%, acima da expectativa de 0,48%. O índice se encontra em uma tendência de aceleração em 12 meses, passando de 4,42% para 4,84%, enquanto no mesmo período de 2023 o acumulado em 12 meses era de 3,06%. No ano, o crescimento é de 4%.

Custos com mão de obra desaceleram. O componente de materiais, equipamentos e serviços passou de 0,58% para 0,69%, com principal impacto de alta vindo de materiais para instalação, enquanto os serviços recuaram significativamente. Já a mão de obra teve uma segunda desaceleração, de 0,85% para 0,57%, mais um alívio após recentes altas devido a acordos e ajustes salariais. Ainda assim, o custo com mão de obra acumula alta de 5,77% no ano e representa uma das principais preocupações do setor, com a escassez de trabalho qualificado no mercado junto a demanda em alta. A confiança da construção apurada pela FGV ficou estável em agosto, com lado positivo sendo a demanda atual e pelo lado negativo a limitação da mão de obra e as incertezas quanto à trajetória da taxa de juros.

Além disso, as discussão sobre os impactos da reforma tributária no setor aumentam, com os empresários e entidades do setor prevendo um aumento na alíquota do imposto, o que refletirá em aumento de preços e, consequentemente, reduzir demanda e desincentivar investimentos. O Ministério da Fazenda, no entanto, afirma que a reforma trará benefícios ao setor, como, por exemplo, dedução de impostos pagos em materiais e serviços e ganhos de eficiência. De acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o desconto necessário para se manter a neutralidade tributária ao setor após a reforma seria de 60%, e não os 40% que foram negociados com o governo.

Financiamento imobiliário procura se desenvolver para atender demanda

O bom desempenho do setor de construção acaba pressionando os recursos do FGTS, cujo orçamento já superou os R$ 117 bilhões aprovados no final do ano passado. Ainda que a forte geração de emprego formal contribua para retroalimentação do fundo, os recursos se tornaram mais escassos com a modalidade do saque aniversário e o crescimento do crédito consignado. Para esse ano, o financiamento contratado se mostra suficiente para cobrir a demanda aquecida, mas, à medida que vamos se aproximando do final do ano, as preocupações com o funding para 2025 criam força.

De janeiro a julho desse ano o financiamento com recursos do SBPE chegou a R$101,4 bilhões, com uma alta real de 4% nos últimos 12 meses, sendo a maior parte desse financiamento destinado para aquisição. O saldo da poupança teve uma recuperação nos últimos meses e em julho permaneceu estável, mas a participação da poupança no financiamento imobiliário não é mais a mesma de antigamente e o mercado vem se adaptando a novas fontes.

O fato é que a melhora no emprego e na renda da população tem contribuído para a demanda por crédito, mesmo com juro real elevado, e as concessões de crédito imobiliário bancário têm crescido, com mais de R$ 108 bilhões concedidos no 1º semestre, crescimento de 18% acima da inflação ao mesmo período de 2023.

O mercado de capitais e o mercado bancário tem se fortalecido como fontes complementares para o crédito imobiliário. As emissões de FIIs chegaram a R$31,1 bilhões de janeiro a julho desse ano e as de CRI alcançaram R$34,7 bilhões, uma alta de 185% e 104% em relação ao mesmo período de 2023, respectivamente. Já as LCIs, que são instrumento de maior volume financeiro, vêm perdendo força desde as mudanças nas regras das emissões implementadas em fevereiro, levando a uma redução de 5,8 bilhões no estoque. A captação acumulada no ano soma R$111,8 bilhões, uma queda de 32,4% frente ao mesmo período de 2023. Em vista disso, o CMN decidiu no dia 22 de agosto a reduzir o prazo de resgate das LCI de 12 para 9 meses, igualando às LCA, mas somente para papeis com indexadores sem correção inflacionária, que continuam com prazo mínimo de 36 meses. A nova alteração pode levar a uma recuperação nas emissões, mas ainda moderada visto que as LCA continuam com melhores condições de liquidez.

IFIX

O índice de fundos imobiliários subiu 0,7% em agosto e reverteu a tendência de desaceleração dos últimos 4 meses, com alta de 5,4%. A volta do otimismo no cenário externo com início de corte de juros nos EUA contribui para o aumento do apetite ao risco do investidor estrangeiro, beneficiando países emergentes como o Brasil. Por outro lado, a incerteza quanto à política monetária por aqui, com parte do mercado apostando em uma nova alta dos juros, acaba prejudicando alguns fundos, o que impede que IFIX avance no mesmo ritmo do Ibovespa, por exemplo, que cresceu 7,2% no mês.

Mercado imobiliário nos EUA pode estar mais próximo da recuperação

Nos EUA, observamos uma recuperação no mercado imobiliário. O índice de vendas pendentes cresceu 4,8% em junho após tem atingido a mínima histórica no mês anterior. Esse índice mede a atividade contratual de casas existentes, servindo como termômetro para as vendas após 1 ou 2 meses, defasagem do tempo do início do contrato até a venda de fato. A recuperação, portanto, segue em linha com a alta de 1,28% da venda de casas existentes em julho, primeiro resultado positivo depois de 4 meses de queda.

Já a construção de casas novas recuou 6,8% em julho, enquanto o mercado esperava uma alta de 0,8%, e os novos licenciamentos para construção tiveram queda de 3,3% no mês. As construções caíram, mas as vendas avançaram 10,6%, ante expectativa de queda de 6,6%. Um freio nas construções é esperado em um cenário de oferta elevada de casas no mercado e vendas fracas. Essa oferta, no entanto, se deve ao acúmulo de listagens antigas no mercado, enquanto novas listagens estavam sendo desincentivadas com a demanda arrefecida. A falta de competição com a falta de novidades no mercado eleva o poder de barganha dos compradores, fazendo com que vendedores tenham que reduzir o preço do anúncio das casas, desincentivando ainda mais novas listagens, mesmo com os preços elevados. Com isso, o mercado vem permanecendo estagnado em um cenário de preços altos, demanda fraca, estoque elevado, falta de competição e vendas e construções enfraquecidas. A melhora da demanda influenciada pela queda da taxa de hipoteca pode representar o início de uma mudança de cenário.

Os preços ainda estão próximos das máximas, mas agora em desaceleração. De acordo com o índice da Redfin, os preços aumentaram 0,2% em julho, menor variação desde janeiro de 2023, enquanto o índice da Federal Housing Finance Agency(FHFA), os preços haviam ficado estáveis em maio, último dado disponível. O preço médio das casas vendidas caiu de US$519,7 mil no 1º trimestre para US$501,7 mil no 2º trimestre do ano, acompanhando o cenário de inflação controlada e queda das taxas de hipoteca.

As taxas de hipotecas caíram com a precificação do início do afrouxamento monetário, confirmado pelo presidente do Fed, Jerome Powell, na última sexta-feira (23) em seu discurso no simpósio de Jackson Hole. Nos últimos meses, as taxas saíram de 7,2%, pico em maio, para 6,5%, uma precificação de um ritmo acelerado de cortes. A depender dos dados de inflação e, principalmente, emprego, que vão ditar o passo efetivo da política monetária, as taxas podem não ter novas quedas tão cedo. Os compradores que percebem isso começaram e se mexer e a procura de casas aumentou de um mês pra cá. No entanto, a revisão para baixo dos dados de payroll indicam que o mercado de trabalho está mais fraco do que se observava, podendo significar um ritmo de cortes mais agressivo, o que provocaria queda maior na taxa hipotecária. De qualquer forma, se as taxas vão cair mais ou não, o fato é que elas caíram significativamente sem levar a uma pressão de demanda. Pelo contrário, com os estoques elevados, o aumento da demanda leva a um maior equilíbrio no mercado e não leva a aumento de preços.

Esse pode ser um bom momento para potencias compradores, levando a uma continuidade da melhora nas vendas de agora em diante, e não apenas um dado pontual. Como os preços ainda estão muito elevados, à medida que observamos uma normalização das taxas de juros, as vendas aumentam ainda mais e, com aumento da demanda, as construções também ganham espaço para recuperação. Além disso, a implementação das novas práticas de listagem a partir de 17 de agosto, que regularizam as taxas de corretagem, pode influenciar um aumento de competitividade, contribuindo para a queda nos preços. O momento é de muita incerteza, com, além da alteração do cenário macro, a alteração no cenário político com as eleições presidenciais se aproximando. Ainda assim, mesmo sem uma continuidade de melhora no curto prazo, os efeitos da queda dos juros devem começar a aparecer à medida que o afrouxamento monetário se concretize e caso não haja nenhum fator que altere esse cenário.

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