Resumo
A volatilidade aumentou consideravelmente nos últimos meses no mercado financeiro, elevando o pessimismo, impactando principalmente a taxa de câmbio, que chegou a depreciar 5,4% no pico do stress.
Com isso, a política monetária brasileira ficou mais cautelosa, com a expectativa de que a taxa de juros encerre o ano acima do esperado anteriormente.
A deterioração da taxa de câmbio tem potencial inflacionário devido ao repasse cambial para a inflação, o que, em tese, justificaria a posição mais cautelosa do banco central. Portanto, é essencial ser capaz de quantificar o tamanho desse repasse.
Esse artigo tenta contribuir para a discussão chamando a atenção para a natureza do choque que causou o estresse cambial. Em média, uma depreciação de 1% da taxa de câmbio eleva a inflação em 0,16 ponto percentual um ano após o choque. Entretanto, há muita heterogeneidade no repasse cambial, a depender da natureza do choque que causou a depreciação cambial, o que torna fundamental para a função de reação do banco central a identificação de tal choque.
O Impacto Cambial na Inflação
Ao longo do mês de abril, observou-se uma deterioração do ambiente externo, com impacto sobre diversas variáveis macroeconômicas. O VIX, indicador de incerteza da bolsa americana, avançou 14,65% no mês, tendo alcançado alta de 40,9% no pico do stress. A curva de juros voltou a subir, enquanto a taxa de câmbio saltou de R$5,01 no dia 28/03 para R$5,19 no dia 30/04, tendo alcançado R$5,28 no dia 16/04.
Tal piora fez o mercado ficar mais pessimista com os próximos passos da política monetária no Brasil. Dado que a origem do stress foi a constatação de que os juros americanos terão de se manter em patamar elevado por mais tempo, o espaço para cortes nos juros brasileiros diminuiria devido ao diferencial de juros entre as duas economias. Quanto menor esse diferencial, tudo mais constante, maior a pressão sobre o câmbio. Além disso, o aumento do stress gera uma “fuga por qualidade”, com investidores buscando porto-seguro fornecido pelo dólar.
A relevância da taxa de câmbio para a condução da política monetária se deve ao chamado repasse cambial para a inflação. A taxa de câmbio é mais um dos preços relativos da economia, e qualquer alteração nela tem impacto na alocação de recursos da economia e, por consequência, na taxa de inflação. Quanto mais desvalorizado está o real, mais caro se tornam os bens importados. Além disso, aumenta-se o incentivo à exportação dos bens domésticos. Ambos os fatores aumentam a escassez de bens internos, elevando o nível de preços.
Momentos de estresse cambial são acompanhados de perto pelo banco central devido ao seu potencial inflacionário e, portanto, torna-se relevante ter uma medida do tamanho do repasse cambial para a taxa de inflação.
Esse artigo tenta contribuir para a discussão chamando a atenção para a natureza do choque que causou o estresse cambial. Nas economias emergentes, a grande maioria desses episódios tem origem externa, o que torna de grande valia a distinção da origem dos choques para a quantificação do repasse cambial.
Para tanto, estimamos um VAR Bayesiano com exogeneidade em bloco para a economia brasileira.[1] As variáveis escolhidas foram divididas em dois blocos, um internacional, exógeno, e um doméstico, endógeno. As variáveis internacionais são uma medida de PIB mundial, o índice VIX da bolsa americana e um índice de preços de commodities. A primeira variável representa um choque de demanda global, enquanto a segunda representa um choque de incerteza econômica. Finalmente, os preços de commodities representam um choque de oferta global. No bloco doméstico, incluímos o PIB, a taxa de inflação medida pelo IPCA, a taxa de câmbio nominal, a taxa de juros de referência da política monetária, medida pela Selic, e o índice EMBI de risco país.
Com o VAR estimado, utilizamos a definição de repasse cambial proposta por Forbes et al (2017).[2] Definimos o repasse cambial como a razão entre a resposta acumulada da inflação um ano após o choque sobre a resposta acumulada da taxa de câmbio um ano após o choque. Antes de analisarmos os resultados, convém definir cada choque.
Uma vez que a definição do repasse cambial utilizada nesse estudo é baseada nas funções de impulso resposta, convém analisar a dinâmica da taxa de câmbio frente aos diversos choques analisados aqui. A figura abaixo indica que a resposta da taxa de câmbio é consistente com a teoria econômica. Após um choque que aumenta os preços das commodities em 10% no primeiro trimestre, a taxa de câmbio aprecia aproximadamente 3% após um ano do choque, em linha com o esperado, uma vez que o Brasil é um país exportador de commodities e o aumento de preços cria um fluxo de entrada de dólares na economia.[3] Seguindo um choque que reduz a volatilidade internacional em 50%, a taxa de câmbio aprecia 5% um ano após o choque, o que também é consistente com a teoria, tendo em vista que tal choque reduz a incerteza doméstica ao mesmo tempo em que aumenta os preços das commodities, ambos fatores favoráveis à apreciação da moeda nacional. Um choque que aumenta o PIB em 1%, gera uma depreciação de 0,7% um ano após o choque, o que se explica pela inflação que acompanha o choque, seguida de aumento nos juros. Um choque que aumenta a demanda global em 1%, gera uma apreciação do câmbio de 6% um ano após o choque, devido ao impacto positivo nos preços das commodities. Um choque que aumenta o risco-país em 12%, gera uma depreciação do câmbio de 4%, um ano após o choque. Naturalmente, maior percepção de risco de um país tende a gerar fuga de capital. Finalmente, uma política monetária contracionista, que aumenta a taxa básica de juros em 0,5 p.p, aprecia a taxa de câmbio em aproximadamente 0,5%, um ano após o choque, o que também é de se esperar devido a condição de paridade descoberta da taxa de juros.
Pela figura abaixo, fica claro que a natureza do choque que leva à variação cambial importa para o repasse à inflação, uma vez que há bastante heterogeneidade entre eles. Nota-se que o maior repasse cambial se deve a uma depreciação da taxa de câmbio seguida de um choque na demanda doméstica, com 1% de depreciação da taxa de câmbio associado com um aumento de 0,53 ponto percentual na inflação um ano após o choque. Na sequência temos a incerteza global, cujo choque tem um repasse de 0,37 ponto percentual. Por outro lado, um choque de política monetária tem um repasse maior do que um de incerteza doméstica, que tipicamente está associado a uma deterioração da política fiscal. Finalmente, um aumento nos preços das commodities tem baixo repasse, indicando que a posição do Brasil como exportador de commodities compensa boa parte do repasse inflacionário via apreciação da moeda doméstica.
O modelo estimado nos permite avaliar quais variáveis têm maior relevância em explicar a variabilidade da taxa de câmbio. Nota-se que as variáveis domésticas têm pouca influência na determinação da taxa de câmbio, com exceção do risco-país, que é o fator mais relevante para explicar o comportamento da taxa de câmbio quatro trimestres após o choque. Entretanto, esta variável também sofre muitas influências das condições internacionais, que, conjuntamente, explicam 56% da variabilidade da taxa de câmbio quatro trimestres após o choque. Considerando o risco-país, essas variáveis ligadas ao cenário internacional explicam mais de 87% da variabilidade.
Com base nos pesos relativos de cada choque na variabilidade da taxa de câmbio quatro trimestres após o choque, podemos calcular o repasse cambial agregado para a inflação, ou seja, uma desvalorização de 1% na taxa de câmbio geraria um aumento na taxa de inflação em 0,16 ponto percentual, em linha com outros estudos de repasse cambial.
Como argumentado anteriormente, a natureza do choque por trás da variação cambial importa. E em tempos de maior volatilidade cambial, com incerteza no cenário externo, na condução da política monetária doméstica e no aumento do risco-país com medidas intervencionistas por parte do governo federal, a correta identificação do choque se torna essencial para antecipar os potenciais impactos inflacionários e a reação do Copom a esse choque. Como observamos na dinâmica recente dos preços de mercado, parte já acredita que o repasse irá pressionar a inflação e, portanto, implicaria em política monetária mais restritiva por mais tempo.
[1] A exogeneidade em bloco permite a implementação da hipótese de pequena economia aberta, ou seja, as variáveis domésticas não afetam a dinâmica das variáveis internacionais. Para maiores detalhes da metodologia, ver Ferreira & Valério (2022) Global shocks in emerging economies: an empirical investigation, Revista Brasileira de Economia, 76(3).
[2] Forbes, Hjortsoe, Nenova (2017) Shocks versus structure: explaining differences in exchange rate pass-through across countries and time, Bank of England External MPC Unit Discussion Paper, n.50.
[3] Quando dizemos que a taxa de câmbio aprecia, implica-se que a moeda doméstica aprecia frente ao dólar.