Macroeconomia


O Fed e o Brasil

1FE74EB4-3BA2-4326-8616-33FEB07ED31F_1_201_a - cópia

André Valério

Publicado 03/set5 min de leitura

O impacto da política monetária americana na economia brasileira

Em seu discurso no simpósio econômico de Jackson Hole, Jerome Powell, presidente do banco central americano, afirmou que “chegou a hora de ajustar a política monetária”. Após dois anos e meio de política monetária restritiva, devemos observar o primeiro corte nos juros após 11 altas, que levaram a taxa de juros de 0% para 5,50%, no ciclo de alta mais intenso das últimas décadas.

No período em questão, a inflação saltou de 1,50% no acumulado em 12 meses em março de 2020 para quase 9% em junho de 2022 e, desde então, desacelera continuamente, alcançando 2,9% em julho de 2024. Apesar desse grande avanço, a inflação ainda se encontra distante da meta perseguida pelo banco central americano, que é de 2% ao ano. Então por que o Fed já está declarando vitória e prestes a iniciar o ciclo de corte de juros?

O Fed, assim como outros bancos centrais ao redor do mundo, tem um mandato duplo: ele deve entregar a inflação na meta com o menor custo econômico possível, assim, ele deve se preocupar tanto com a taxa de inflação quanto com a taxa de desemprego.

A teoria econômica nos diz que quanto maior a taxa de juros menor é a inflação, mas também é menor o nível de atividade econômica, logo, é maior a taxa de desemprego. Em meio ao aperto monetário dos últimos 2 anos e meio era de se esperar que a atividade econômica americana desacelerasse substancialmente, o que não foi observado. Ao contrário, o que se viu foi uma economia resiliente e bastante robusta, ainda crescendo a taxas elevadas. Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho se manteve aquecido pela maior parte desse período, chegando na mínima em 3,4% em abril de 2023 e permanecendo abaixo de 4% até o 1o semestre desse ano.

Entretanto, nos últimos meses temos observado sinais mais claros de enfraquecimento no mercado de trabalho americano. Nos últimos 12 meses, a taxa de desemprego avançou 0,8 ponto percentual, saindo de 3,5% em julho de 2023 para 4,3% em julho de 2024, havendo o acionamento da chamada Regra de Sahm, uma regularidade empírica que diz que há uma recessão sempre que a média móvel de 3 meses da taxa de desemprego fica 0,5 ponto percentual acima da mínima dessa média móvel nos últimos 12 meses.

Sendo assim, temos visto o banco central americano cada vez mais preocupado com a saúde do mercado de trabalho, notando que os riscos para o seu mandato duplo começam a pesar mais para o lado do emprego do que da inflação, o que ensejaria uma mudança na postura da política monetária, ainda mais considerando o atual patamar de juros e considerável restrição monetária. Foi exatamente isso que Powell disse em Jackson Hole, afirmando que “não deseja ver um enfraquecimento adicional do mercado de trabalho”.

Portanto, está claro que o Fed irá iniciar o ciclo de cortes nos juros na próxima reunião, em setembro. A grande dúvida nesse momento é a intensidade desses cortes. Com os dados de momento esperamos um corte total de 75 pontos base até o fim desse ano, 25 em cada uma das três reuniões restantes. Mas é bem provável que o corte inicial seja de 50 pontos base, a depender do desempenho do mercado de trabalho em agosto.

Paralelamente, aqui no Brasil, a política monetária já está em processo de normalização há um ano, período que em a Selic foi reduzida em 325 pontos base. Entretanto, com a desvalorização do câmbio, que saltou de R$ 5 no final de março para a região de R$ 5,50 e a piora recente na inflação que no acumulado em 12 meses já está no teto da meta, acompanhada de desancoragem das expectativas, faz com que parte dos agentes de mercado passe a precificar uma alta de 150 pontos base na Selic até o início do ano que vem.

Essa alta aconteceria ao mesmo tempo em que o banco central americano estivesse reduzindo sua taxa de juros, o que levanta a questão: qual é o impacto da redução nos juros americanos sobre a economia brasileira?

Para responder essa pergunta estimamos um modelo econométrico que conta com variáveis internacionais e domésticas. No lado internacional incluímos os preços das commodities, a taxa de desemprego da economia americana, a inflação americana e a taxa de juros básica da economia americana. No lado doméstico incluímos o PIB brasileiro, a taxa de inflação medida pelo IPCA, a taxa de câmbio nominal e a taxa Selic. Os dados são trimestrais e compreendem o período de 2000 a 2023.

O modelo utilizado nos permite identificar e estimar cada choque econômico que seja do nosso interesse. Em artigo recente, argumentamos que a origem do choque é importante para explicar a dinâmica das variáveis. Aqui não será diferente. Queremos quantificar o impacto de uma redução dos juros americanos sobre a economia brasileira, mas uma vez que a taxa de juros é uma variável de escolha dos formuladores da política monetária, é necessário identificar a razão por trás dessa escolha. O Fed está prestes a cortar os juros devido ao enfraquecimento do mercado de trabalho, portanto, analisamos a resposta da economia brasileira a um choque na taxa de desemprego americana que gere uma redução equivalente a 75 pontos base na taxa de juros americana um trimestre após o choque, consistente com o nosso cenário base.

As figuras acima resumem a resposta das variáveis brasileiras e americanas utilizadas no modelo. Como era de se esperar, após um choque que eleva a taxa de desemprego em 0,4 pontos percentuais (p.p), o Fed reage cortando os juros ao equivalente a 75 pontos base e um ano após o choque a inflação americana é 1,9 p.p menor. Já a inflação brasileira é reduzida em 1,28 p.p 2 trimestres após o choque, respondendo à apreciação do câmbio, com o real valorizando 12,3% no primeiro trimestre após o choque. Tal movimento abre espaço para redução nos juros brasileiros, que são menores em quase 1 p.p um trimestre após o choque e acumula queda de 4 p.p um ano após o choque. O resultado é explicado, principalmente, pelo movimento do câmbio e seu repasse para a inflação, que no caso desse choque estimamos ser de 0,06 ponto percentual, ou seja, para cada 1% de apreciação do real deveríamos observar um recuo de 0,06 ponto percentual na inflação.

Em meio à discussão recente de aumento na Selic, uma questão importante tem sido deixada de lado que é a transmissão da política monetária americana para a brasileira. Tentamos contribuir para esse tema quantificando essa transmissão. Por mais o debate sobre a de alta de juros nesse momento tenha seu mérito, notadamente acerca da credibilidade da política monetária e sua comunicação, esse exercício sugere que uma dose de parcimônia nesse momento é bem-vinda, uma vez que a redução nos juros americanos criará condições para que, pelo menos, não tenhamos que aumentar juros nesse momento para impedir uma deterioração maior na inflação.

Receba nossas análises por e-mail