Nova velha política industrial
O governo federal anunciou recentemente um pacote de política industrial, chamado de Nova Indústria Brasil. Basicamente, a proposta é utilizar R$ 300 bilhões para impulsionar a indústria nacional até 2033. A maior parte desses recursos virá de crédito subsidiado pelo BNDES, mas também fará uso de subsídios diretos, investimentos federais, incentivos tributários e fundos especiais para estimular alguns setores da economia.
O conjunto de políticas terá seis missões que deverão ser alcançadas em nove anos. Tais missões são relacionadas à ampliação da autonomia, à transição ecológica e à modernização do parque industrial brasileiro, focando nos setores da agroindústria, saúde, infraestrutura urbana, tecnologia da informação, bioeconomia e defesa.
Política industrial no Brasil não é novidade.
Praticamente todos os governos implementaram alguma versão parecida da anterior. O atual esforço não parece muito diferente dos anteriores. Além disso, na falta de avaliação e acompanhamento, tais políticas não passam por um escrutínio sobre a relação custo-benefício dos investimentos. É estabelecido alguma meta ambiciosa, o dinheiro é alocado, mas o resultado quase nunca é auferido.
A atual política não parece fugir à regra. As metas impostas são um tanto quanto vagas e de difícil mensuração. Essas metas são: i) aumentar para 50% participação da agroindústria no PIB agropecuário; ii) alcançar 70% de mecanização na agricultura familiar; iii) fornecer pelo menos 95% de máquinas e equipamentos nacionais para agricultura familiar; iv) atingir 70% das necessidades nacionais na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde; v) diminuir em 20% o tempo de deslocamento de casa para trabalho; vi) aumentar em 25 pontos percentuais o adensamento produtivo na cadeia de transporte público sustentável; vii) digitalizar 90% das indústrias brasileiras; viii) triplicar participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias; ix) cortar em 30% emissão de gás carbônico por valor adicionado do PIB da indústria; x) elevar em 50% participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes; xi) aumentar uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano; e xii) autonomia de 50% da produção de tecnologias críticas para a defesa.
Para avaliar o efeito total dessa política, é necessário considerar os efeitos de segunda ordem que ela causa na economia. Para tanto, tentamos simular o impacto desse pacote de medidas utilizando um modelo de equilíbrio geral com produção setorial conectada, ou seja, há encadeamentos tanto upstream quanto downstream na produção, o que torna esse modelo particularmente útil para análise de política industrial. Para disciplinar o modelo, utilizamos a matriz de insumo-produto de 2015, a última divulgada pelo IBGE, que categoriza a economia em 67 setores.
Para analisar a política proposta, utilizamos a meta que é mais razoável de se avaliar quantitativamente, a de aumentar para 50% a participação da agroindústria no PIB agropecuário. Aqui surge um problema: o que é agroindústria? Não há consenso sobre como classificar esse grupo de atividades. No nosso caso, consideramos como parte da agroindústria os setores de abate e produtos de carne, laticínio e pesca; fabricação de açúcar; outros produtos alimentares; bebidas; fumo; produtos têxteis; artefatos de couro; produtos de madeira e de celulose, papel e produtos de papel.
Utilizando o modelo, calculamos qual seria o subsídio necessário para os setores da agroindústria de tal forma que o produto dela correspondesse a 50% da produção agropecuária. Consideramos uma política fiscal neutra, ou seja, o subsídio foi financiado com aumento de impostos sobre os demais setores. Os resultados não são muito animadores. Naturalmente, a produção da indústria de transformação, que engloba a agroindústria, aumenta consideravelmente, crescendo 15,4% ao longo dos 9 anos. Entretanto, todos os outros setores da economia apresentam contração em sua produção, em resposta ao aumento dos tributos necessários para financiar o subsídio à agroindústria. Com isso, o resultado sobre o PIB da economia é ínfimo, um crescimento de 0,07% ao final do programa.
Avaliamos outro cenário: qual seria o impacto macroeconômico de um aumento na produtividade média da economia, como um todo. De acordo com os cálculos do Observatório da Produtividade, da Fundação Getúlio Vargas, a mediana do crescimento da produtividade da economia brasileira entre 1981 e 2022 foi de 0,68%. Se considerarmos um período mais recente, de 2000 a 2022, o crescimento mediano foi ainda pior, de 0,17%.
Para fins de comparação, coletamos também o cálculo de produtividade para diversos países, através da Penn World Table, fonte de dados utilizada para análise entre países. Considerando o período de 2000 a 2022, o desempenho da economia brasileira é ainda pior, tendo decrescido sua produtividade em 0,99% ao ano, o pior desempenho entre a seleção feita, como pode ser visto pela tabela abaixo.
Simulamos, portanto, o cenário em que a mediana da produtividade brasileira, como medida pela FGV, quadruplicasse. Isso equivaleria a um crescimento médio anual de 0,68%, próximo ao obtido pelo Peru nos últimos 22 anos. Ao longo de nove anos, a duração do programa, a produtividade brasileira cresceria 6,3%. Nesse cenário, o PIB cresceria 11,5%, com o PIB de todos os grandes setores da economia crescendo, a exceção sendo as atividades imobiliárias. A produção da indústria de transformação, o foco do programa, cresceria 23,5%, acima do resultado obtido pelo programa proposto pelo governo.
Política industrial no Brasil é associada à escolha de campeões nacionais. Na maior parte das vezes isso implica em benefícios para uma minoria com custos para a maioria e pouco resultado prático. A literatura econômica não vilaniza a política industrial, mas dita os caminhos para uma política bem-sucedida. O foco deveria ser incentivar os setores que fornecem muitos insumos para outros setores, justamente porque esses setores sofrem com as distorções existentes nos mercados subsequentes, tendo um tamanho menor do que o ideal. É por isso que o foco de uma política industrial deveria ser criar condições para que haja aumento sustentável da produtividade da economia, e a melhor forma de fazer isso é investindo em educação e ciência. Não coincidentemente, foi essa a abordagem adotada por China e Coréia do Sul, dois grandes exemplos de sucesso de política industrial.