Intervenção Cambial
A desvalorização cambial acumula 27% em 2024, 7% somente no mês de dezembro. Parte do movimento segue a valorização do dólar no mercado internacional, devido às perspectivas de maior crescimento e juros mais altos por mais tempo por lá. No entanto, comparado aos nossos pares emergentes, a depreciação do real é destaque negativo no ano. A cotação chegou ao pico de R$6,30 em dezembro e a venda de dólares pelo Banco Central ao longo do mês trouxe à tona antigos debates sobre a função das reservas cambiais, mostrando uma constatação do atual cenário de aversão a risco e nossa capacidade de atrair ou afastar investidores estrangeiros: vai além da atuação do Banco Central no mercado de câmbio.
O Brasil tem regime de câmbio flutuante, definido pelo CMN, e as condições do mercado definem a cotação da moeda. A livre movimentação de capital significa que o investidor brasileiro pode, a qualquer momento, alocar recursos em investimentos no exterior, bem como o investidor estrangeiro pode entrar e sair sem restrições. O fluxo é em geral determinado pelas condições de mercado. Em condições favoráveis, o Brasil atrai maior volume de investimentos estrangeiros e em condições mais difíceis, observamos saída de capital. O diferencial de juros entre o Brasil e Estados Unidos costuma também flutuar, sendo maior em condições menos favoráveis, como no atual momento, cerca de 5 p.p. na taxa real de 10 anos. Juros mais elevados, em teoria, também atrai ou mantém o investidor no Brasil, o que alivia a pressão cambial e, por sua vez resulta em menor pressão inflacionária. Por isso, movimentos no câmbio são relevantes para a política monetária, a ponto de se questionarem se o BC deveria ou não atuar de maneira mais ativa com o objetivo de controlar a inflação.
Além do diferencial de juros, o Brasil possui robusta reserva cambial no total de US$363 bilhões, enquanto a dívida externa do setor público é de US$136 bilhões (último dado de novembro). Mesmo considerando a dívida privada, o BC estima dívida externa líquida negativa em cerca de U$30 bilhões. Ou seja, do ponto de vista de solvência, a posição cambial é confortável em relação aos demais países emergentes, e considerada pelas agências de ratings como um dos pontos positivos na avaliação do risco soberano.
Pelo lado da liquidez, as reservas líquidas descontadas as operações de swap do Banco Central somavam cerca de US$247 bilhões ao final de novembro, posição também confortável e que ocasionalmente levanta questionamentos sobre seu custo, afinal, o governo se financia ao custo médio de 11% (segundo último relatório mensal da dívida do Tesouro) enquanto aplica suas reservas a cerca de 4,6% em dólar (último relatório de gestão das reservas do BC). Além disso, o volume de reservas, que equivale a cerca de 20% da dívida pública bruta, é eventualmente questionado se poderia ser usado em intervenções do Banco Central na política cambial para controlar a depreciação do real.
Em dezembro desse ano, o Banco Central interveio diversas vezes no mercado com leilões de dólar à vista que somaram U$19 bilhões, além de leilões de linha de cerca de US$11bilhões. O último ano com maior volume de venda de câmbio pronto havia sido em 2020, ano da pandemia, quando o BC vendeu um total de US$24 bilhões de dólares no mercado à vista. Além disso, temos hoje uma das maiores taxas de juros entre os países emergentes. OCopom anunciou elevação de 100 p.b na taxa Selic em dezembro e adiantou mais duas altas da mesma magnitude. Mesmo com a expectativa de chegarmos à taxa referência de 15%, pela pesquisa Focus, e 7,5% de juros reais nos títulos longos do tesouro, vimos o forte fluxo de saída de capital nesse último mês de 2024. Nem venda de dólares e nem o choque de juros foram suficientes para impedir a debandada de investidores.
Podemos concluir que, mesmo uma robusta reserva cambial não é garantia de câmbio estável. Em um eventual cenário de contínua deterioração das perspectivas para o investimento no Brasil, as saídas vão continuar e a depreciação do real seguirá com o fluxo negativo.
O grande choque positivo que pode reverter a depreciação cambial deve vir da credibilidade no ajuste fiscal. Os preços de mercado hoje refletem a probabilidade de menor crescimento da economia e maior inflação, causada pela combinação de alta nos gastos públicos e aceleração da dívida. Já vimos esse filme antes. A principal intervenção no câmbio será dada por um ajuste fiscal crível.
O novo arcabouço falhou em trazer essa credibilidade, como observamos no período anterior na vigência da regra do teto de gastos, entre 2016 e 2022. A busca pelo ajuste somente pelo lado da receita gerou maior insegurança, resultado do aumento de carga tributária acompanhada de crescimento ainda maior das despesas. O pacote de medidas anunciado foi tímido e não resgatou a confiança ou melhorou a previsibilidade. Para tanto, o governo precisa mostrar maior controle do crescimento dos gastos na execução fiscal mais disciplinada e compatível com as próprias regras.