Resumo
- Economia americana continua robusta, enquanto inflação dá sinais de persistência. A continuidade desse cenário, deve limitar o tamanho do ciclo de cortes nos juros americanos.
- A eleição de Trump é um fator que deve contribuir para um cenário de juros elevados por mais tempo. Suas propostas, se implementadas, devem estimular o crescimento e pressionar a inflação, especialmente a imposição de tarifas sobre bens importados.
- Nesse contexto, já se vê o mercado reprecificar os próximos movimentos do Fed e uma pausa no ciclo de cortes se torna cada vez mais provável, com o Fed podendo comprar tempo para avaliar de maneira mais cuidadosa o novo cenário.
Até onde o Fed pode ir?
Como mencionado em nosso último relatório, os dados da economia americana divulgados após a decisão do Fed em cortar 50 pontos base na taxa de juros surpreenderam. A economia não dá sinais de desaceleração e a inflação ainda indica um grau de persistência.
Os dados do mercado de trabalho americano em outubro até vieram fracos, à primeira vista, com adição de apenas 12 mil empregos. Mas sob forte influência dos impactos temporários do furacão Milton e da greve portuária. Ainda assim, a taxa de desemprego ficou estável em 4,1% e os salários mantêm tendência de aceleração nos últimos 3 meses.
A inflação americana, por sua vez, avançou 0,2%, em linha com o esperado. Mas o comportamento do núcleo da inflação continua preocupante, variando 0,3% pelo terceiro mês consecutivo, o que implica em uma inflação anualizada de 3,66%, bem acima da meta. De fato, vemos o núcleo acumulando alta de 3,3% nos últimos 12 meses e sem maiores sinais de convergência acelerada em relação à meta. Convém notar que boa parte da desinflação observada na economia americana foi devido ao comportamento dos preços de energia, um item bastante volátil, cujos bons ventos podem rapidamente mudar de direção.
Desde o início do ciclo afirmávamos que o espaço para o corte nos juros americanos era limitado. Com a economia americana crescendo por volta de 3% na taxa anualizada, mercado de trabalho robusto e inflação acima da meta, não há razão para uma normalização da política monetária de maneira apressada. Os dados recentes confirmam esse cenário e vemos o mercado reprecificar os cortes de juros e já há uma visão de que a reunião de dezembro será “ao vivo”, no sentido de que um novo corte de 25 pontos base não é favas contadas, com a chance de uma pausa já na próxima reunião ganhando força.
O efeito Trump
O cenário para a política monetária deve ficar ainda mais incerto nos próximos meses, devido ao início do novo governo de Donald Trump. Como foi uma vitória clara e incontestável, conquistando a maioria nas duas casas do Congresso, além da maioria na Suprema Corte, o próximo governo Trump terá poucas resistências para implementar sua agenda econômica.
E essa agenda pode ser resumida em três vias de ação: desregulação econômica, diminuição dos impostos sobre as empresas e aumento nas tarifas de importação. Com exceção óbvia das tarifas, é uma agenda sob a ótica da oferta da economia, que possui o potencial de elevar o crescimento econômico a longo prazo.
No curto prazo, entretanto, o principal risco são as tarifas. Trump prometeu impor tarifas de 60% sobre os produtos chineses e de 10% sobre todos os produtos dos outros países. Caso seja implementado, teremos um choque no nível de preços. A princípio, seria um impacto concentrado no curto prazo, que não demandaria uma reação do Fed. Mas para isso acontecer seriam necessárias duas pré-condições: 1) expectativas inflacionárias ancoradas, e 2) que o repasse das tarifas seja curto, sem grandes efeitos de 2ª ordem.
As expectativas inflacionárias, apesar de estarem convergindo, ainda estão desancoradas em relação à meta de 2%, portanto, se o choque das tarifas ocorrer logo no início do governo Trump podemos ter o primeiro pré-requisito não sendo atendido. O segundo pré-requisito já é mais frágil e depende de algumas hipóteses bastante heroicas, tais quais que o custo econômico das tarifas recaia predominantemente sobre o resto do mundo e que os governos estrangeiros não retaliem a imposição das tarifas. De fato, existem evidências de que o custo das tarifas impostas aos produtos chineses no primeiro governo Trump foram quase que inteiramente repassadas ao consumidor final. Portanto, a imposição de tarifas nesse contexto de economia aquecida, mercado de trabalho apertado e expectativas desancoradas, pode levar a efeitos de 2ª ordem na inflação.
O fator China
Uma premissa importante para o sucesso das tarifas para o governo Trump é a não retaliação dos parceiros afetados. É uma premissa forte e é difícil conceber que os países afetados irão aceitar as tarifas sem nenhuma contrapartida. No caso particular da China há outro complicador, que é o contexto macroeconômico chinês.
A China passa por um forte processo de desalavancagem das famílias e empresas desde o estouro da bolha imobiliária em 2021. E essa dinâmica tem gerado impactos duradouros sobre a demanda agregada chinesa. O governo chinês já anunciou diversas medidas na tentativa de reestimular a economia, mas todas sem sucesso até o momento. A última delas foi um programa de troca de dívidas para os próximos anos para ajudar os governos locais mais endividados. Este pacote vai alocar $340 bilhões a cada ano para os próximos 3 anos, aliviando as condições financeiras dos governos locais. Apesar de ser vendido como um pacote de estímulo, ele não é. Não há impulso fiscal novo, apenas troca de dívida. Pode ser eficaz em aliviar as pressões sobre os governos locais, mas terá impacto quase nulo sobre o real problema que é a fraca demanda agregada.
O consumo chinês continua bastante restrito, com os chineses privilegiando poupança em detrimento do consumo. A confiança do consumidor chinês atingiu o menor valor em 30 anos em agosto, refletindo o derretimento dos preços dos imóveis, que compõe grande parte da riqueza das famílias. O crescimento do volume de importações foi zero nos últimos 3 meses, o deflator do PIB chinês tem sido negativo já há um tempo, enquanto o investimento imobiliário, um grande componente da demanda agregada chinesa, está 25% abaixo do seu pico. Portanto, ainda há uma necessidade elevada de estímulo para recolocar a economia chinesa de volta à trajetória de crescimento potencial e sair da armadilha deflacionária.
A vitória de Trump, com alta probabilidade de imposição de tarifas sobre os bens chineses, aumenta a pressão sobre o governo chinês para atuar e estimular a economia. Atualmente a China exporta deflação, o que mitigaria os efeitos inflacionários das tarifas sobre o consumidor americano, aumentando o poder de barganha de Trump. Nesse caso, cria-se a urgência para a China estimular sua demanda doméstica antes da imposição de novas tarifas, potencialmente gerando maior inflação e aumentando os custos para o consumidor americano, e consequentemente o custo político aumenta também, em caso de tarifas. Além disso, o tamanho do estímulo fiscal necessário para recolocar a economia chinesa na trajetória de crescimento se torna ainda maior caso Trump imponha as tarifas.
Incertezas à frente
O cenário para o próximo ano é bastante incerto, pois não se sabe o real impacto das medidas propostas por Trump e nem mesmo se elas serão de fato implementadas. No dia 19 de novembro, Trump anunciou Howard Lutnick como secretário de comércio, cuja pasta será responsável pela implementação da política tarifária. Durante a campanha presidencial Lutnick foi bastante vocal acerca das tarifas, defendendo os planos de Trump. Mas ele sugeriu, em suas falas, que as tarifas deveriam ser usadas como tática de negociação, para conseguir acordos comerciais vantajosos aos Estados Unidos. Mas mesmo nesse cenário poderíamos observar um impacto inflacionário, uma vez que estimularia a demanda por bens americanos em meio a uma economia já aquecida.
De toda forma, o espaço para cortes na taxa de juros americana parece limitado. Considerando um crescimento de 2% e inflação de 2% teríamos uma taxa de equilíbrio de 4%. O comportamento da taxa de desemprego e da taxa de inflação parece condizer com esse cenário. Também vai em linha com o último discurso do Powell que afirmou que a economia não está dando nenhum sinal de que necessita de estímulos monetários, que a robustez da economia permite que eles tomem as decisões de maneira cuidadosa, e que o Fed não se furtaria em readequar a política monetária caso a política fiscal gere uma reaceleração da economia. O atual cenário ainda é consistente com o plano do Fed de entregar mais um corte de 25 pontos na próxima reunião em dezembro. Até lá, teremos mais uma divulgação de dados de emprego e de inflação. Dado o contexto descrito aqui, caso tenhamos uma continuidade da atual tendência podemos ver a discussão da pausa no ciclo de corte ganhar força.
Ainda assim, esperamos que a inflação americana (CPI) encerre 2024 com alta de 2,5% e 2025 com alta de 2,3%. Sob esse cenário, esperamos que o Fed corte 25 pontos base por reunião até a reunião de dezembro, quando passará a intercalar os cortes, interrompendo o ciclo de queda dos juros na reunião de julho, com a taxa de juros em 3,75% (limite superior).