Resumo
- Nesse artigo comentamos sobre a recente deterioração das expectativas de inflação, seu impacto na decisão do Copom e como sua evolução pode comprometer os próximos passos da política monetária;
- Manter as expectativas ancoradas é crucial para alcançar a estabilidade dos preços, o que elucida a conduta mais cautelosa do BC. Contudo, para alcançar a ancoragem almejada, a autoridade monetária deve procurar atenuar os ruídos no mercado através de uma comunicação clara e transparente, o que foi relativamente afetado com a dissidência no último Copom;
- De um lado, dados de inflação benignos e desancoragem marginal das expectativas compatível com tolerância histórica geram dúvidas quanto à necessidade de uma mudança abrupta de comunicação e conduta da política. Por outro lado, o mercado de trabalho aquecida, o afrouxamento da política fiscal, e incertezas externas enfatizam a importância de uma postura mais conservadora no atual momento.
O que influencia as expectativas de inflação?
Em sua última reunião o Copom reduziu a Selic em 0,25 p.p. para 10,50%, apesar do guidance anterior indicando corte de 0,50 p.p. A decisão foi fruto de uma dissidência entre os membros do Comitê, adicionando ainda mais volatilidade no mercado. Na ata, o Copom enfatizou a recente desancoragem das expectativas de inflação, que no boletim Focus de 31 de maio de 2024 estavam em 3,88% para 2024, 3,77% para 2025 e 3,60% para 2026, ante o centro da meta de 3,00%, movimento que se intensificou mesmo após a postura mais hawkish da autoridade monetária.
Os principais motivos dessa desancoragem apontados pelo Copom na última ata foram a piora do cenário externo, piora da situação fiscal e incerteza dos agentes sobre a credibilidade da política monetária. Com o objetivo de convergir a taxa de inflação em torno de sua meta, a decisão do Comitê foi de reduzir a intensidade no corte da taxa Selic e de excluir o guidance para a próxima reunião, conseguindo assim maior grau de liberdade na condução da política, consistente com períodos de maior incerteza.
No entanto, ao analisar o rumo das expectativas em uma escala maior percebemos que elas ainda se encontram em nível confortável e consistente com a meta de inflação, cujo limite superior é de 4,5%. Observamos também uma tolerância histórica da autoridade monetária com uma taxa de inflação dentro do intervalo da meta.
Dado o contexto, é razoável questionar o quanto o aumento das expectativas justifica o não cumprimento do guidance, considerando o cenário de riscos sem muita alteração em relação à ata anterior, assim como a percepção mais branda do comitê em relação ao impacto fiscal, apenas afirmando a necessidade de uma política fiscal crível para manter a ancoragem das expectativas de inflação e uma redução dos prêmios de risco.
Ainda que o cenário externo esteja mais desafiador e exigindo cautela por parte da autoridade monetária, a dinâmica da inflação tem sido mais positiva, com componente qualitativo descartando sinais evidentes de reaceleração inflacionária, além da média dos núcleos de 3 meses estar em contínua desaceleração, se mantendo em patamar satisfatório. Com isso, o juro real ex-post no Brasil se encontra em 6,8%, nível elevado considerando o juro neutro estimado pelo Banco Central de 4,5%, e irá permanecer em patamar mais elevado por mais tempo devido ao novo direcionamento da política monetária.
Contudo, o mercado de trabalho segue aquecido, com baixa capacidade ociosa para absorção de mão de obra, o que permite uma maior barganha de salários pelos trabalhadores e suscita preocupações quanto à inflação de serviços intensivos em trabalho, que cresce a uma taxa de 5,9% nos últimos 12 meses. Esse é um dos pontos de atenção destacados pelo Copom dentre os riscos de alta para o cenário inflacionário e reitera a conduta de cautela com a condução da política monetária.
Para tentar compreender melhor o comportamento das expectativas formadas pelos agentes privados, estimamos um modelo para as expectativas de inflação considerando variáveis que explicam empiricamente ou teoricamente a inflação, partindo de uma curva básica de Phillips.
Os dados utilizados contemplam desde o período de dezembro de 2001 (quando se inicia a série histórica do boletim Focus), sendo eles: a expectativa de inflação para os próximos 12 meses do boletim Focus; a meta de inflação para os próximos 12 meses (calculada por interpolação dos dados anuais da meta de inflação); a taxa de inflação acumulada nos últimos 12 meses medida pelo IPCA; a taxa de câmbio nominal USD/BRL; o índice de commodities do Brasil (IC-Br) calculado pelo BC; o hiato do produto (estimado por meio de um filtro HP aplicado à série mensal do monitor do PIB da FGV, entrando na equação com uma defasagem de 2 meses devido à disponibilidade dos dados divulgados); o índice Embi +, que é uma medida do risco-país; e uma dummy de controle para o período de elevada incerteza devido à eventual vitória de Lula nas eleições de 2002. Para as séries da taxa de câmbio e índice de commodities foram utilizadas variações semestrais como tratamento de ruídos das séries temporais. A taxa Selic acumulada no mês anualizada foi incluída no modelo como variável instrumental, assim como defasagens das variáveis explicativas para correção de correlação serial.
Com os resultados, conseguimos observar os principais componentes que influenciam a formação das expectativas.
Entre as variáveis utilizadas, apenas o Embi+, medida de risco-país, não foi significativa no modelo. Observamos que as principais influências vêm da meta de inflação estabelecida e da taxa de inflação observada no período imediatamente anterior. Esse resultado fornece insumos referentes à tomada de decisão da política monetária. Primeiramente, fortalece a importância do regime de metas, que foi implementado em 1999 no nosso país após um histórico de taxas de inflação elevadas e persistentes. A eficácia do sistema reflete a credibilidade na política monetária necessária para garantir o cumprimento do seu principal objetivo de assegurar a estabilidade de preços na economia. Ademais, o relevante impacto que a inflação observada exerce na formação das expectativas deveria servir como um alívio quanto à recente desancoragem, uma vez que as últimas divulgações do IPCA têm mostrado uma evolução benigna da inflação.
Comparando uma amostra de países emergentes o FMI encontrou evidências de um bom grau de ancoragem de expectativas no Brasil para o período analisado (2000-2017), mas ainda atrás de pares latinos como Chile e México. Uma das medidas calculadas por eles foi o desvio das expectativas de inflação de longo prazo em relação à sua meta. Encontramos um valor de 1,48 para a raiz do desvio quadrado médio no período entre dezembro de 2001 (quando começou a coleta das projeções de expectativas dos agentes privados) até maio de 2024. Desagregando essa medida pelas diferentes gestões do Banco Central do Brasil, encontramos um desvio de 1,5 para o mandato de Meirelles, 1,35 em Tombini, 0,51 em Ilan Goldfajn e 1,26 para o período atual de Roberto Campos Neto. Olhando apenas o último ano, a medida foi de 0,9. A interpretação desse resultado é que as expectativas de inflação desviaram em média 0,9 p.p. para baixo ou para cima da meta no período dos últimos 12 meses, valor inferior ao limite de 1,5 p.p.
Uma outra métrica apresentada por eles foi uma medida de “sensibilidade a surpresas inflacionárias”, calculada a partir de uma regressão linear entre a variação mensal da expectativa de inflação para as metas até 4 anos à frente. Quanto maior for o coeficiente estimado, maior é a resposta das expectativas no período de um ano a frente a choques de curto prazo e, portanto, menor é o seu nível de ancoragem. No gráfico abaixo temos o grau de sensibilidade das expectativas de inflação para o horizonte h = 1.
Podemos observar um leve aumento de 0,27 para 0,28 da medida referente ao horizonte relevante da política monetária ocorrendo a partir de janeiro, mesmo período da desancoragem das expectativas observada, o que corrobora a fala do BC. Ainda assim, quando olhamos uma janela de tempo mais longa, esse aumento não aparenta ser relevante, com o valor estando abaixo da média dos últimos 4 mandatos do BC (0,3), e similar ao período final da presidência do Henrique Meirelles (0,29). No entanto, as atuais expectativas para o horizonte de tempo T+2 (2026) encontram-se mais desancoradas em relação aos últimos 8 anos, no mesmo nível desde janeiro de 2022, período pós-pandemia em que tínhamos inflação de 2 dígitos no país.
Manter expectativas bem ancoradas é crucial para alcançar a estabilidade dos preços. A ancoragem das expectativas reduz a persistência da inflação e limita o repasse das desvalorizações cambiais aos preços internos, dando maior flexibilidade à política monetária para se concentrar na suavização das flutuações do nível de atividade econômica.
Para alcançar a ancoragem almejada, a autoridade monetária deve manter um compromisso de comunicação clara, proporcionando maior comprometimento e grau de transparência e atenuando ruídos no mercado. Por um lado, a última decisão do Copom revelou um posicionamento mais conservador, dando mais peso às incertezas de curto prazo e conseguindo maior grau de liberdade para lidar com choques inesperados, conduta condizente com o atual cenário de riscos. Por outro lado, no entanto, a forma como essa mudança foi conduzida, com o dissenso nos votos, teve o efeito de ampliar o risco, contribuindo para nova deterioração das expectativas, em um momento em que o contexto demandava parcimônia.
A evolução do cenário pode seguir caminhos distintos. Considerando uma pausa consensual nos cortes da Selic nas próximas reuniões, a continuidade da dinâmica de inflação mais benigna pode gradualmente reancorar as expectativas para mais próximo da meta. O cenário mais positivo na percepção de risco tende a resultar em taxa de câmbio mais favorável, o que, combinado com cenário externo de menor incerteza, pode possibilitar o retorno do afrouxamento monetário no futuro mais breve. Inversamente, novos dissensos na política monetária podem gerar uma contínua deterioração da percepção de risco, impactando o câmbio e revertendo a dinâmica inflacionária atual, cenário que pode elevar ainda mais as expectativas de inflação e postergar por prazo mais longo uma retomada dos cortes na taxa Selic.