Havia muita expectativa sobre o início do ciclo de cortes dos juros americanos, que se iniciou em setembro, especialmente sobre a taxa de câmbio. A lógica é simples. Com o banco central americano cortando juros e o brasileiro aumentando, o diferencial entre as taxas de juros se amplia, tornando os títulos brasileiros mais atrativos que os americanos aos olhos do investidor estrangeiro, direcionando o fluxo de dólares para a economia brasileira, apreciando o real.
Mas não foi isso o que aconteceu. Entre os dias 18 de setembro e 04 de novembro, o real depreciou 5,91%, enquanto a curva de juros brasileira abriu 90 pontos base, em média, ao longo de seus vértices. Questões domésticas também influenciaram esses movimentos, especialmente a incerteza fiscal, à medida que a relação dívida PIB se aproxima de 80%. Entretanto, o movimento da abertura da curva e da desvalorização do real tem um componente global importante, com os pares da economia brasileira sofrendo do mesmo mal.
Desde a decisão do Fed em cortar os juros em 50 pontos base, a taxa de juros de 10 anos subiu mais de 50 pontos base, enquanto o índice DXY, que mede a força relativa do dólar perante as principais moedas internacionais, avançou mais de 3%. Em parte, esses movimentos refletem a robustez da economia americana, que cresceu 2,8% no 3º trimestre de 2024 na taxa anualizada, não indicando desaceleração significativa do mercado de trabalho, com uma taxa de desemprego em 4,1%, enquanto a inflação, apesar de se aproximar da meta, indica algum grau de persistência com o núcleo ainda distante da meta. Isso afasta cada vez mais os temores de que a economia americana possa entrar em recessão, o que limita a quantidade de cortes que o Fed pode entregar sem gerar pressão inflacionária.
Mas há o componente eleitoral e,ao longo das últimas semanas, observou-se um aumento do favoritismo de Donald Trump. Há a percepção de que um eventual governo Trump seria mais estimulativo para a economia, gerando pressões inflacionárias adicionais. De fato, dentre as principais propostas do candidato temos a imposição de tarifas sobre as importações que, no curto prazo, tendem a gerar inflação. Além disso, Trump promete redução nos impostos, que tende a estimular a atividade e eventualmente pressionar a inflação. Trump também promete deportação de imigrantes ilegais, o que pode tornar um mercado de trabalho aquecido ainda mais apertado, pressionando salários.
Portanto, o mercado precifica um mundo sob Trump em que a inflação será maior e mais persistente, o que forçará os juros também serem persistentemente mais altos. Combinado à noção de que o resto do mundo não acompanhará o ritmo de crescimento da economia americana, temos a justificativa de porque os juros e o dólar avançam em conjunto.
Sendo assim, as eleições americanas terão impactos significativos sobre o resto do mundo, trazendo ainda mais volatilidade tendo em vista a perspectiva de uma decisão acirrada e que pode gerar contestações de ambos os lados. Recentemente fizemos um relatório especial sobre o impacto das eleições americanas sobre os investimentos. Mas o que esperar da economia brasileira em meio a esse contexto?
A começar pela taxa de câmbio, observa-se um cenário bastante incerto. Considerando cenários para a eleição de cada candidato, vemos que uma vitória do Trump tende a manter o câmbio estressado, enquanto a vitória de Harris pode gerar um alívio de curto prazo. Dado o exposto acima, uma vitória de Trump estaria associada a um cenário mais volátil, com uma expectativa de inflação maior e um dólar mais forte globalmente, com as pressões inflacionárias vinda deste contexto limitando o ciclo de corte nos juros. Em meio a esse cenário de maior estresse, poderíamos ver a taxa de câmbio encerrar o ano próximo a R$5,70. Por outro lado, uma vitória de Harris estaria associada à uma continuidade do atual cenário, consistente com o retorno da volatilidade ao seu nível usual e da continuidade da convergência das expectativas inflacionárias e do ciclo de cortes já precificado. Em meio a esse cenário poderíamos ver a taxa de câmbio encerrando o ano próximo a R$5,45.
Entretanto, nem só de fatores globais se faz a taxa de câmbio. Não se pode desconsiderar o efeito da incerteza fiscal nesses cenários e eventuais medidas que o governo possa adotar, especialmente após a taxa de câmbio encostar nos R$5,86, que gerou um senso de urgência na Fazenda. Há a expectativa de que o governo anuncie um pacote substancial de corte de gastos, o que contribuiria para uma apreciação do real. Nesse contexto, teríamos uma limitação da depreciação do real em meio à vitória de Trump e uma potencialização da apreciação do real em meio à vitória de Harris, com a taxa de câmbio encerrando o ano em R$5,60 e R$5,40, respectivamente.
Olhando para os presidenciáveis desde a década de 1990, percebemos que os fundamentos da economia brasileira são afetados por idiossincracias locais, mas as políticas efetuadas por cada presidente são também importantes para a determinação de variáveis do nosso setor externo.
Notavelmente, em matéria de política fiscal, os republicanos tem mantido uma tendência de incorrer déficits maiores: o democrata Bill Clinton atingiu o primeiro superávit americano em décadas após herdar os déficits dos republicanos Reagan e H.W. Bush - mas isso durou pouco com os cortes de impostos promovidos por W. Bush no início da década de 2000, que foram posteriormente revertidos no governo Obama durante o período de consolidação fiscal chamado “Fiscal Cliff”. Vemos agora uma repetição deste episódio, com o “Tax Cuts and Jobs Act” de Trump, que vence em 2025 e deve ser continuado pelo republicano ou reduzido pela democrata, caso ganhem.
Em meio a essa conjuntura, observou-se uma tendência de queda no diferencial de juros reais entre o Brasil e os EUA durante os governos republicanos e uma tendência de manutenção para os governos democratas, que é parcialmente influenciada pelas percepções de saúde fiscal da economia americana. Por consequência, a trajetória do real foi geralmente mais benigna nos governos republicanos, apesar de termos sidos marcados por eventos que são fora de controle dos presidentes americanos, tal como a Crise do Subprime, o Covid, o “Joesley Day” e a crise econômica brasileira. Portanto, apesar da influência subjacente exercida pela política fiscal americana, grande parte da variação do câmbio está associada a outros fatores que não são políticos por natureza.
Em termos de política comercial, a situação muda um pouco. Apesar da intensidade do vínculo comercial entre o Brasil e os EUA se alterar entre os presidentes e seus partidos, a causalidade histórica é pouco sugestiva. Os governos W. Bush e Obama foram marcados pela continuidade dos acordos de livre comércio promovidos na década de 1990, e a queda na intensidade durante a década de 2000 está muito mais associada com o crescimento da economia chinesa, que é mais aberta ao comércio exterior em geral. Porém, não podemos deixar de notar que as ameaças tarifárias de Trump, caso se materializem, devem afastar ainda mais os produtos Made in Brazil dos Made in America, especialmente caso haja retaliação por parte do governo brasileiro que é, historicamente, preocupado em manter proteções para a indústria nacional.
Em termos de investimento direto, apesar da tendência aparente de um IDP mais expressivo em governos democratas, seguida por declínio com republicanos, devemos ressaltar que boa parte da melhora observada no governo Clinton, dos anos 90, foi motivada pelo ambiente macroeconômico mais propício do Brasil com o fim da hiperinflação. Adicionalmente, apenas uma fração do investimento direto no país é efetuada por americanos e as decisões de investimento das firmas não são políticas em natureza, apesar de preocupações acerca dos laços comerciais e financeiros entre países serem um fator relevante para a determinação de médio prazo dessa variável.