Macroeconomia


China: o que for preciso?

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André Valério

Publicado 30/set5 min de leitura

Governo chinês anunciou o pacote de estímulos mais audacioso desde a pandemia, em mais uma tentativa de reverter o processo deflacionário chinês

Desde a reabertura pós-pandemia, a economia chinesa tem apresentado dificuldades em retomar a trajetória de crescimento que a tornou a 2a maior economia do mundo em pouco menos de dez anos desde sua entrada na Organização Mundial do Comércio. Se a regra no pós-pandemia foi a forte retomada da atividade, em particular no setor de serviços, que ajudou a recolocar boa parte das economias acidentais na trajetória pré-pandemia, a China foi exceção.

Isso se deve à postura do governo chinês no combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia. Enquanto as economias ocidentais focaram em uma estratégia de contenção de danos, distanciamento social e transferências de renda diretamente às famílias, o governo chinês adotou uma política de tolerância zero, frequentemente implementando lockdowns rigorosos e preferiu focar a ajuda para empresas, muitas delas com um plano de negócio de forte crescimento e com um fluxo de caixa negativo, acumulando dívidas excessivas. Então, o governo adiou a coleta de impostos, prolongou a dívida das empresas e forneceu financiamento direto. Os consumidores, por outro lado, foram menos ajudados, o que fez com que aumentassem suas poupanças para criar uma reserva de emergência.

Durante a pandemia, outro setor que chamou atenção foi o imobiliário, que foi o centro de uma grande crise no fim de 2021 com o excesso de dívidas da principal incorporadora chinesa, a Evergrande. Desde então, o setor tem fraco desempenho e continua bastante alavancado e com modelos de negócios ultrapassados. Como agravante, o setor imobiliário representa boa parte da riqueza das famílias e a renda obtida com venda de terrenos responde por 30% das receitas dos governos locais. Além disso, imóveis e terrenos são amplamente utilizados como colateral no sistema financeiro chinês, logo, queda nos preços dos imóveis não apenas afetaria a economia chinesa através do canal do balanço das empresas, mas também via famílias e governos locais.

Dado esse contexto, a China parece sofrer as consequências de um episódio de desalavancagem dos agentes que, no limite, pode levar

a uma recessão de balanço, que acontece quando altos níveis de endividamento do setor privado levam à contração econômica, caracterizado por uma mudança no comportamento dos agentes privados, fazendo com que eles priorizem o pagamento de dívidas em detrimento de maiores gastos e investimentos, o que resulta em uma menor taxa de crescimento da economia.

Isso pode levar a um ciclo vicioso. Com a economia desacelerando as dívidas se tornam ainda mais insustentáveis, o que por sua vez força os agentes a priorizarem seu pagamento, reforçando o impacto negativo inicial. Tipicamente, tal situação ocorre após o estouro de alguma bolha de ativos, que por sua vez se originou em um período de excesso de crédito. Um impacto adicional pode ocorrer caso tais ativos tenham sido usados como colateral dessas dívidas, aprofundando ainda mais o impacto negativo na atividade econômica. O setor imobiliário atende a todos esses requisitos e o estouro de uma bolha nesse setor é frequentemente acompanhada de uma recessão de balanço, como foi o caso da economia japonesa no início da década de 90.

Tais desenvolvimentos não foram encarados com indiferença pelo governo chinês, que adotou diversas medidas nos últimos meses para tentar estimular a economia. Entretanto, essas medidas focaram em estímulos de crédito, com sucessivos cortes na principal taxa de juros para financiamentos, mas sem efeito. A demanda por crédito é baixa nesse momento, e nesse ano tivemos pela primeira vez desde 2005 mais empréstimos sendo quitados do que novos sendo contraídos.

Esse é um comportamento clássico de episódios de desalavancagem. Para combater esses efeitos é necessária uma combinação de

estímulos fiscais e monetários para compensar a queda na demanda e as pressões sobre os ativos financeiros. Não é o que o governo chinês está fazendo.

No último dia 24, o banco central chinês (PBOC) anunciou o pacote de estímulos mais agressivo desde a pandemia, com o PBOC reduzindo a taxa de requerimento de reservas dos bancos em 50 pontos base, liberando mais de US$142 bilhões para novos empréstimos, indicando que deve cortar mais 25 a 50 pontos base até o fim do ano. Também reduziu a taxa de recompra reversa de 7 dias em 0,2 ponto percentual. Além das medidas monetárias, o PBOC adotou medidas específicas ao setor imobiliário, como redução nas taxas de hipoteca existentes em 0,5 ponto percentual, redução de 25% para 15% no valor mínimo de entrada para compra de um segundo imóvel, e a permissão para que bancos comerciais usem 100% dos US$43 bilhões da linha de refinanciamento para que empresas estatais possam adquirir apartamentos de moradia popular não vendidos. Finalmente, foram adotadas medidas para estimular o mercado de ações local, dentre elas um programa de swap de US$71 bilhões que irá facilitar o financiamento para compra de ações por parte dos fundos de investimentos, seguradoras e corretoras, além da criação de uma linha de crédito de US$43 bilhões para que bancos comerciais financiem recompra de ações das empresas listadas na bolsa chinesa.

Portanto, as recentes medidas são mais do mesmo, mas numa intensidade muito maior. Ainda assim, esperamos que essas medidas não sejam suficientes para garantir que a economia chinesa cresça de acordo com a meta de 5% ao ano. Sem uma política fiscal mais ativa, muito dificilmente a economia chinesa sairá do seu ciclo deflacionário e o governo chinês continua relutante em adotar tais medidas. Entretanto, o presidente Xi, em uma reunião do Politburo chinês, reafirmou seu compromisso com o uso de uma política fiscal ativa para estabilizar a economia. De fato, o governo chinês anunciou a emissão de US$285 bilhões em títulos soberanos, além de transferências para famílias de baixa renda. Essas últimas medidas vão na direção correta, mas ainda são bastante tímidas para surtirem o efeito necessário, enquanto as medidas anunciadas pelo PBOC tendem a ser ineficazes em meio ao processo de desalavancagem que a economia chinesa se encontra.

E o movimento dos mercados?

Após uma resposta inicial positiva, já vemos alguns agentes questionarem a eficácia do pacote. Se por um lado temos uma parcela dos investidores ainda céticos quanto aos impactos positivos do pacote para colocar novamente a segunda maior economia global de volta aos trilhos do crescimento, por outro a bolsa chinesa vem trazendo o seu melhor desempenho dos últimos 16 anos, com o CSI 300 avançando 17% nos últimos dias, impulsionado por movimento especulativo, mas também pelos estímulos dados ao mercado de equity. O otimismo segue mais cerceado à região, limitado aos setores com maior exposição à economia chinesa, como varejo de luxo, automóveis elétricos, e obviamente as commodities, com destaque às mineradoras.

Quanto às commodities, chama atenção o movimento de valorização do minério de ferro, que já avança 20% nos últimos dias. Os preços, que chegaram a US$ 150/t no pós-pandemia, e recentemente recuaram para US$ 90/t, voltaram a subir e ultrapassam novamente os US$ 100/t com investidores especulando sobre uma possível maior demanda no setor imobiliário.

A crise imobiliária vem afetando a demanda por aço o que fez com que a produção siderúrgica chinesa operasse abaixo da média mensal dos últimos 5 anos, desde o fim da pandemia. No entanto, vemos as importações chinesas de minério de ferro ainda no mesmo nível das últimas décadas, o que ajudou a segurar os preços da commodity ainda nos patamares saudáveis que vemos atualmente, lembrando que historicamente, falamos de preços de equilíbrio de minério de ferro em cerca de US$ 60 – US$80/t.

Ainda é incerto se os movimentos observados no setor terão força para seguir para os próximos meses. Como colocado, temos uma situação macroeconômica ainda delicada e de difícil solução.

Na visão do mercado, no entanto, com um ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos contribuindo para uma elevação do apetite ao risco, poderemos ver investidores reavaliando ativos descontados e buscando oportunidades. Com a liquidez ainda elevada, o Sr. Mercado só precisa de um motivo. E sem dúvidas, o governo chinês deu uma boa carga de fatores para se pensar. Se estes serão suficientes para mudar o rumo da economia para frente, só o tempo dirá.

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