A política monetária e seu efeito defasado sobre a inflação
Após uma elevação de mais de 10 pontos percentuais na taxa Selic, a inflação ainda está em alta no Brasil. O aperto significativo na política monetária ainda não teve efeito na economia e as expectativas de inflação continuam sendo revisadas para cima. Entre as razões, podemos destacar o efeito prolongado de sucessivos choques, a defasagem maior que o comum e ainda, a falta de confiança dos mercados no futuro da política fiscal. A demora no impacto do aperto monetário traz questionamentos e volta-se a discutir o ineficaz controle de preços para reduzir a inflação, gerando ainda mais incertezas.
A política monetária no Brasil passou por diferentes ciclos nos últimos anos. O último aperto monetário foi iniciado em 2013 e foi um dos mais longos. A taxa Selic chegou a 14,25% em julho de 2015 e somente em outubro de 2016 o Banco Central iniciou o processo de normalização. A inflação saiu do pico de 10,7% em janeiro de 2016 e teve rápida desaceleração para 4,5% até março de 2017, e a taxa Selic foi reduzida ao nível próximo de neutro em 6,5% em 2018. Observamos a partir daí um longo ciclo de taxas baixas, chegando na mínima de 2% após o choque deflacionário e a forte recessão resultado da paralização de diversos setores na primeira onda da pandemia.
Mas desde o primeiro choque da pandemia, a retomada das atividades e o comportamento da inflação global permanecem bastante imprevisíveis e nunca os economistas erraram tanto. Uma das surpresas aqui no Brasil tem sido o pouco efeito do aperto monetário até o momento. Parte da explicação está nos sucessivos choques de oferta, que além de imprevisíveis, como a guerra na Ucrânia reduzindo a oferta de grãos, fertilizantes e petróleo, resultam em reajustes de preços que não respondem à política monetária. O acúmulo dos choques, vem elevando a inflação de maneira persistente e cumulativa. Somado à inflação de bens e energia, a retomada dos setores de serviços também vem prolongando os reajustes e resultando em contaminação maior que o esperado, mesmo em meio ao aperto monetário em curso.
A maior taxa de poupança acumulada durante a pandemia também vem mantendo o consumo em alta, apesar do encarecimento do crédito. Tivemos um aumento atípico da poupança das famílias durante a pandemia, com a suspensão de vários serviços devido a restrições. A retomada da economia a partir das flexibilizações vem trazendo um crescimento do consumo mais resiliente à taxa de juros, o que tem resultado em um alongamento da defasagem acima do usual.
Por fim, a persistência da inflação vem ampliando a falta de confiança do mercado na convergência para a meta, mesmo no prazo relevante da política monetária. Mesmo considerando a defasagem do impacto das elevações da Selic, já era esperado alguma retração das expectativas de inflação nesse momento, o que não ocorreu. Mesmo após a elevada dose do aperto, vindo agora de um Banco Central independente, no mercado de juros, os títulos longos precificam taxas de 12% e inflação implícita próxima de 6% pelos próximos 5 anos.
O que pode explicar essa falta de confiança do mercado na capacidade do Banco Central de trazer a inflação para a meta no médio e longo prazo? A inflação corrente mais alta tende a contaminar boa parte dos modelos de expectativa, considerando nosso histórico de inércia inflacionária com uma economia ainda bastante indexada. Mas existe também uma desconfiança na condução da política fiscal, que explicam os juros de mercado no atual patamar. Tomando nosso passado recente, o custo de uma expansão fiscal descontrolada são juros mais elevados. Apesar de o governo ter entregado o maior ajuste fiscal dos últimos 30 anos, saindo de um déficit de 9% em 2020 par um superavit de 1,4% acumulado em 12 meses até fevereiro de 2022, em ano eleitoral, as discussões e propostas de aumentos de gastos, renúncias fiscais e medidas com viés populista deterioram a confiança dos agentes econômicos na trajetória futura da dívida, e os investidores acabam exigindo mais juros e projetando mais inflação.
Como reverter o quadro atual e trazer a inflação de volta para a meta? O Banco Central vai entregar um aperto monetário bem maior do que esperado. O ajuste que começou como parcial, passou para neutro e agora vai para território contracionista, deve perdurar por um bom tempo. A convergência deve seguir em um prazo mais longo do que se esperava e o debate sobre a política econômica precisa estar ancorado na responsabilidade fiscal, e a partir daí embasar as propostas de novas propostas para promover o crescimento e bem-estar social. A política monetária terá mais potência caso a credibilidade na condução da consolidação fiscal seja maior. É preciso resgatar a confiança para que as expectativas de inflação passem a refletir o cenário de aperto monetário e fiscal já dado.