Macroeconomia


Carta ao Mercado | Jun22

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Rafaela Vitória

Publicado 08/jun5 min de leitura

Resumo

Para entender o risco fiscal no Brasil é importante retomar o histórico recente das contas públicas. Com um superávit primário de 1,5% do PIB (acumulado até abril/2022) e dívida publica em queda, por que ainda existe um receio tão grande em torno do risco fiscal?

Por que o mercado teme tanto o risco fiscal?

O risco fiscal é tema recorrente no debate econômico no Brasil especialmente desde a deterioração das contas públicas a partir de 2008. Tivemos superávit primário, e alto, no começo dos anos 2000. Ou seja, o governo federal tinha uma arrecadação superior aos gastos, em média, equivalente a 2,3% do PIB entre 2003 e 2008. A situação começou a se deteriorar a partir da crise de 2008, com medidas de estímulo à economia, que se tornaram permanentes, e aumento significativo dos investimentos públicos. Gradualmente, o superávit primário se transformou em déficit estrutural em 2014 e somente no 1o trimestre de 2022 voltou para o campo positivo.

Como ocorreu essa deterioração? Entre 2003 e 2016, os gastos públicos cresceram a uma taxa real anual de 6% ao ano, bem acima do crescimento do PIB no período, que foi de 2,5%. Com isso, as despesas do governo saltaram de 15% para 20% do PIB. O maior crescimento foi com a previdência, mas o período também foi marcado pelo aumento do investimento público, que saiu de uma média de 2,6% do PIB no início dos anos 2000 para 4% entre 2009 e 2015.

Parte do crescimento dos gastos foi acompanhado pelo aumento da carga tributária. As receitas líquidas do governo federal passaram de 17% do PIB em 2003, para o pico de 20% em 2010. Mas o ciclo de commodities em baixa a partir de 2014, o baixo crescimento do país, que não foi não impulsionado pela elevação dos gastos, somado a desonerações nesse cenário, resultaram em rápida deterioração das contas públicas e um crescimento insustentável da dívida/PIB.

A troca de governo e as reformas iniciadas em 2016 mudaram essa trajetória. A lei do teto de gastos aprovada em 2016, que limita o crescimento das despesas à inflação, e a reforma da previdência aprovada em 2019, tiveram forte impacto na dinâmica das contas públicas. Com exceção de 2020, ano da pandemia, o crescimento dos gastos foi praticamente interrompido e em 2022, encerraremos com despesas retornando ao patamar próximo de 18% do PIB, uma queda de quase 2 p.p. em relação ao pico. Após o crescimento médio de 6% ao ano, as despesas ficaram praticamente estáveis, em termos reais, a partir de 2016.

O crescimento da arrecadação também vem contribuindo para a melhora fiscal. O novo ciclo de alta das commodities, a retomada mais forte do setor de serviços e a inflação elevada, contribuem para o aumento das receitas e do PIB nominal. O resultado é um superávit primário de 1,5% do PIB acumulado em 12 meses até abril de 2022 e uma projeção de superávit para o ano que poderia ficar próxima de 1%, sem considerar as propostas de desoneração dos combustíveis.

Mas com a melhora significativa no resultado, dívida PIB caindo de 90% para 78%, por que a discussão e tanto receio do risco fiscal? Assim como nosso histórico mostra que temos capacidade de operar no azul, também sabemos que, mesmo com regras fiscais rígidas incorporadas na constituição, como a LRF, metas de primário e o próprio teto de gastos, as contas públicas podem sofrer por políticas mal elaboradas. E com uma dívida bruta ainda alta, propostas como a redução de impostos sobre os combustíveis em ano eleitoral são mal-recebidas pelo mercado.

O debate sobre a qualidade dos gastos e da carga tributária é fundamental e precisa continuar. Aliás, uma boa opção à redução do ICMS e compensação aos Estados é a reforma tributária com a criação do IVA, Imposto sobre Valor Agregado, que trata exatamente da questão de redistribuição e simplificação tributária, passando pela compensação transitória. Mas o risco fiscal segue bastante controlado quando analisamos o desempenho e a mudança na dinâmica das contas públicas. Os gastos pararam de crescer e o superávit primário, que acumula 1,5% até abril de 2022, está bem acima da meta de -0,6% do ano e naturalmente levanta questões sobre o potencial uso do excesso de arrecadação. A visão mais ortodoxa direciona seu uso para reduzir a dívida pública. Porém, reduzir impostos não é uma política de risco fiscal no atual ambiente de gastos controlados e superávit inesperado.

Na ausência da criação de novas despesas permanentes, não deveríamos superestimar o risco fiscal. A discussão sobre um arcabouço fiscal crível, que mantenha a atual perspectiva de trajetória de queda da dívida, pode significativamente reduzir os prêmios de juros no mercado. Esse deveria ser o foco do debate.


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