Macroeconomia


Carta ao Mercado | Jul 22

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Rafaela Vitória

Publicado 07/jul5 min de leitura

Resumo

A volatilidade nos mercados continua bastante elevada e a mudança no nível de preços dos ativos reflete muitas incertezas com relação ao futuro da economia global. Ainda assim, continuamos a testemunhar muitas análises cheias de convicções, tiradas de variações de preços de mercados ou baseada em dados de alta frequência, que carregam muito ruído. Nossa recomendação é ter cautela na análise de cenário nesse momento, em meio a tantas mudanças tanto na política monetária como nas expectativas do mercado.

Sobre incertezas e convicções

Nas últimas semanas continuamos a observar a elevada volatilidade nos mercados e nas projeções e expectativas dos analistas. Desde o começo da pandemia vivemos um período de muitas incertezas. Os choques foram muito intensos e trouxeram muita anormalidade para os ciclos econômicos que na comparação com o que já vivenciamos. As projeções dos economistas bem como os preços dos ativos do mercado continuam oscilando de maneira muito atípica, refletindo as novas informações que chegam a todo momento. E com o mercado cada vez mais conectado, todos querem ser o primeiro a acertar a próxima tendência, mesmo com dados de alta frequência, que sabemos, carregam muitos ruídos.

O primeiro impacto da pandemia foi fortemente deflacionário, devido ao colapso na atividade econômica. Em alguns países vimos quedas de até 15% do PIB em um trimestre. Os estímulos que se seguiram não ficaram por menos, os governos não pouparam esforços nas transferências de renda, enquanto os bancos centrais complementaram com elevada injeção de liquidez e taxas de juros que permaneceram baixas por um longo tempo. Os estímulos de elevada magnitude fazem efeito até hoje, 2 anos após o começo da pandemia, resultando em forte crescimento de demanda que, além das condições de expansão fiscal e monetária, foi recentemente somada à demanda reprimida, imposta pelas condições da pandemia. E juntamente com as restrições pelo lado da oferta, que vem levando mais tempo para normalizar, chegamos a um cenário inédito de alta inflação global, que não foi previsto pelos formadores de políticas públicas e nem pelos analistas de mercado.

Alguns bancos centrais, como aqui no Brasil, agiram mais rapidamente para normalizar a taxa de juros e, na sequência, já iniciaram o aperto monetário para conter a inflação. Mas nos EUA e na Europa, por exemplo, a análise inicial de que a inflação seria transitória persistiu. As projeções de inflação mais acelerada e risco de inércia inflacionária passaram a dominar a narrativa, levando muitos a comparar com o cenário da década de 1970 e vimos várias críticas que as autoridades monetárias que estavam “atrás da curva”. Nos EUA, a inflação passou a ser uma das palavras mais procuradas no Google no começo de 2022.

Nas últimas semanas de junho, no entanto, vimos mais uma mudança nas análises e no consenso de mercado. Após o Fed reconhecer que a inflação era mais persistente e optar por uma elevação dos juros de 75 bps, a inflação nos EUA deixou de ser a maior preocupação, perdendo lugar agora para o risco de recessão. As expectativas de crescimento da economia americana estão sendo rapidamente revistas de entre 3 e 4% para 1% em 2022. Os mercados globais tiveram nova queda, dessa vez, além das bolsas, acompanharam quedas as commodities, títulos de mais risco como crédito high yield e título de países emergentes, além do consequente fortalecimento do dólar, no movimento típico de “flight to quality”. Consequentemente, a precificação da recessão no mercado acabou resultando em uma reversão dos juros futuros. Afinal, em frente a uma recessão, o Fed deve cortar a taxa. Os juros dos papeis de 10 anos chegaram a 3,5% a.a. no seu pico para em seguida cair para 2,9%. Ou seja, em 30 dias vimos um ciclo econômico de 2 anos sendo antecipado nos mercados. Com tanta incerteza, como ter tanta convicção?

Apesar de ser parte do trabalho como economista fazer projeções, sou muito cautelosa com as expectativas, tanto obtidas pelos nossos modelos como pela leitura dos preços dos ativos de mercado. Com tantos impactos da pandemia e mudanças drásticas nas políticas em tão pouco tempo, dificilmente hoje vamos acertar qual será a taxa de juros do próximo ano. No cenário, predomina a incerteza. Os BCs também devem ter cautela. Aqueles que subiram os juros de maneira mais tempestiva, podem agora parar e esperar o impacto da defasagem. Já aqueles que demoraram mais devem seguir com a normalização. Novos choques de políticas não contribuem no atual cenário.

Devemos seguir com cautela também nas análises tiradas de preços de mercado. Quanto maior a incerteza e volatilidade, menor deveria ser a convicção na evolução dos mercados futuros. Fundamentos não mudam tanto em 30 dias. Juros mais altos no cenário externo devem sim desacelerar a economia, incluindo aqui no Brasil. Mas precisamos ponderar outras forças, que continuam a nos surpreender. O ciclo de commodities e a consequente melhora na arrecadação e no mercado de trabalho no Brasil, dão sinais de que ainda teremos economia resiliente. As vezes é melhor ter menos convicção para fazermos análises mais abrangentes e ponderadas.


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