Macroeconomia


Carta ao Mercado | Fev 23

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Rafaela Vitória

Publicado 06/fev5 min de leitura

Resumo

O governo vem criticando a autonomia do BC e sugerindo que poderíamos ter uma meta maior de inflação, o que aumentou o estresse no mercado de juros. O regime de metas é fundamental no controle da inflação, desde sua implantação no Brasil em 1999. O debate sobre a meta de inflação é saudável e deve existir, mas alterar a regra neste momento afeta a credibilidade da política monetária. A meta de inflação de 3% pode ser alcançada, mas o governo precisa conter a expansão fiscal, ou o resultado será uma taxa maior de inflação. Na ausência do ajuste, a meta em torno de 4%, seria mais crível, mas significa um custo maior para as famílias de baixa renda. Aumentar a meta nesse momento retira a confiança do mercado na política monetária e encarece seu custo. O equilíbrio fiscal ainda é fundamental para a ancoragem das expectativas de inflação, seja ela de 4% ou 3%.

Meta de inflação maior não é solução

O governo vem criticando a autonomia do BC e sugerindo que poderíamos ter uma meta maior de inflação, o que aumentou o estresse no mercado de juros. Em recentes declarações polêmicas, o presidente criticou a meta de inflação, indicando que o Brasil deveria ter uma meta mais alta, mais próxima de 4%, ao invés de 3%. Na sua justificativa, a taxa de juros hoje estaria muito elevada porque a meta de 3% é muito baixa e difícil de ser alcançada. Com esse racional, uma meta maior significaria que os juros poderiam cair mais aceleradamente, pois a expectativa de inflação já estaria próxima da meta. No entanto, desde o início dessa discussão, a reação do mercado foi na direção contrária. As expectativas para a inflação e para a Selic voltaram a subir, apagando boa parte da queda esperada, tanto para 2023 como para 2024. As taxas de dois anos subiram para 13%, e os juros reais das NTN-Bs chegaram a 6,5%, a maior taxa de 2015.

Qual o papel da meta da inflação na economia? O regime de metas é peça fundamental no controle da inflação, desde sua implantação no Brasil em 1999. O CMN, Conselho Monetário Nacional, determina a meta de inflação, que contém bandas de tolerância, e o Banco Central estabelece a política monetária para cumpri-la. Como a meta é estabelecida para um período longo - hoje já temos a meta definida até 2025, que é de 3% - o mercado calibra suas expectativas com base no desempenho esperado da economia e no nível de juros estabelecido pelo Copom. O Banco Central, por sua vez, utiliza as expectativas de inflação do mercado, captadas pela pesquisa Focus, para calibrar a taxa Selic, que tem efeito defasado na economia. Nesse sentido, a credibilidade da política monetária é fundamental para a ancoragem das expectativas de longo prazo.

A meta de inflação de 3% é difícil de ser alcançada? O debate sobre a meta de inflação é saudável e deve existir. No passado tivemos uma meta de 4,5%, que foi gradualmente reduzida para os atuais 3,25% em 2023 e 3% a partir de 2024. Inflação menor é sempre preferível, pois reduz o impacto negativo no poder de compra das famílias, no planejamento das empresas e diminui a indexação da economia. A principal dificuldade para a queda da inflação no Brasil hoje, do atual patamar de 5,8% para a meta de 3%, está na expansão fiscal planejada pelo governo. O governo eleito não se mostra disposto a fazer no curto prazo o ajuste fiscal necessário e, portanto, o resultado será uma taxa maior de inflação. Nesse sentido, a meta em torno de 4%, seria mais crível, apesar de significar um impacto maior para as famílias de baixa renda.

Aumentar a meta nesse momento retira a confiança do mercado na política monetária e encarece seu custo. As discussões sobre a autonomia do BC e potencial mudança na meta afetou a confiança dos agentes econômicos e as expectativas de inflação e juros tiveram altas nas últimas semanas. Essa desancoragem de expectativas pode resultar em inflação maior no curto prazo, pois as empresas, esperando que a inflação suba no futuro, antecipam reajustes de preços hoje. Além disso, o custo das despesas com juros, que ficarão elevados por mais tempo, impacta o orçamento público e reduz o potencial de crescimento da economia.

O equilíbrio fiscal ainda é fundamental para a ancoragem das expectativas de inflação, seja ela de 4% ou 3%. Há sim espaço para redução dos juros no Brasil, a Selic atual de 13,75% implica em uma taxa de juro real ex-ante de cerca de 8%, já bastante restritiva, até para o nosso histórico. Mas, para que esse espaço não seja ocupado por alta ainda maior da inflação, é necessário que o governo apresente o quanto antes a proposta de âncora fiscal crível e persiga o ajuste das contas públicas para que possamos eliminar o déficit fiscal e reverter a trajetória de crescimento do endividamento público.


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