Resumo
Após meses de turbulência nos juros longos da economia americana, o mercado passa a precificar um cenário de pouso suave perfeito, com inflação na meta ao fim de 2024 e crescimento robusto.
O que justifica essa mudança de humor? Por um lado, temos um Fed que se mostra reticente em continuar apertando a política monetária. Por outro, vemos o mercado de trabalho e a inflação nos dizendo que um aperto adicional talvez não seja necessário.
Mas isso é suficiente para garantir o tão almejado pouso suave? O mercado acredita que sim. Argumentamos que a tendência para o ciclo econômico para os próximos meses sugere cautela para embarcar nessa euforia, pois por mais que o pouso suave seja possível, ele continua pouco provável.
Apertem os cintos: pouso suave à vista
Ao longo do terceiro trimestre desse ano, os juros longos americanos aumentaram mais de 100 pontos base, um reflexo da robustez da economia, que apresentou fortes resultados no terceiro trimestre, mesmo com os juros elevados.
A produção industrial avançou 1,3% no trimestre, o que equivale a uma alta anualizada de 5,3%. As vendas no varejo avançaram 2,2% no trimestre, equivalente a um crescimento anualizado de 9,1%. Com isso, o desempenho do PIB no terceiro trimestre foi fortíssimo, com alta anualizada de 4,9%, muito acima das expectativas. O mercado de trabalho também manteve desempenho robusto, com a adição de 700 mil novos empregos no trimestre, e taxa de desemprego média de 3,7%, historicamente baixa.
Ao mesmo tempo, a taxa de inflação continua sua tendência de desaceleração, mas se mantendo em patamar ainda elevado em relação à meta de 2%. Dado esse contexto, houve, nos últimos meses, uma capitulação por parte do mercado de renda fixa, finalmente absorvendo o mantra do Fed de que as taxas de juros terão que ficar elevadas por mais tempo.
Essa história era fidedigna até o dia 01 de novembro, quando ocorreu a última reunião do FOMC, que decidiu por manter a taxa de juros inalterada. Apesar da manutenção da taxa nos níveis atuais ser o consenso, houve a interpretação de que o Fed não deseja continuar o seu ciclo de alta, ou seja, que já estamos no pico da taxa de juros. De fato, a comunicação do Powell, presidente do Fed, após a reunião deixou a porta aberta para essa interpretação.
Essa visão ganhou força após a divulgação dos dados do payroll de outubro, que registrou a criação de 150 mil novos empregos, bem abaixo da expectativa. Com isso, a taxa de desemprego aumentou para 3,9%, o maior valor desde dezembro de 2021.
O dado do payroll foi um dentre vários sugerindo um enfraquecimento do mercado de trabalho em outubro. Mas não se engane, o mercado de trabalho americano continua historicamente apertado, deixando de ser “insanamente apertado” para se tornar “extremamente apertado”.
A desaceleração marginal do mercado de trabalho ainda é uma boa notícia quando observamos que isso acontece paralelamente ao processo de desinflação. Em outubro, o CPI apresentou variação nula, abaixo da expectativa, principalmente por conta da queda de 5% nos preços dos combustíveis, mas mesmo o núcleo da inflação registrou variação menor que o esperado.
Esses dados foram suficientes para mudar o sentimento nos mercados. Se ao longo do terceiro trimestre observamos um aumento do pessimismo, materializando-se em juros longos mais elevados, o que vimos em novembro foi o oposto. Entre os dias 31 de outubro e 20 de novembro, a taxa de 10 anos recuou 46 pontos base, refletindo a visão do mercado de que o pico dos juros já ocorreu e que o Fed não irá mais elevar a taxa de juros. Não apenas isso, o mercado agora precifica quase que um pouso suave perfeito.
Um pouso suave implica em duas condições serem atendidas: i) a inflação convergir para 2% e ii) e a atividade econômica crescer a uma taxa abaixo do potencial. E é justamente isso que o mercado precifica nesse momento, antecipando uma inflação de 2,24% ao fim de 2024 e um crescimento dos earnings das empresas do S&P 500 de 12% no próximo ano. Ou seja, um pouso suave perfeito.
Ao mesmo tempo, o mercado de renda fixa já antecipa cortes nas taxas de juros nos próximos dois anos nas principais economias desenvolvidas, precificando cortes de 172 pontos base apenas nos Estados Unidos até o fim de 2025. Se considerarmos que, historicamente, em uma recessão típica o Fed corta pelo menos 350 pontos base da taxa de juros em dois anos, podemos concluir que a precificação que o mercado tem de cortes hoje também é consistente com o cenário de pouso suave perfeito.
A grande questão, portanto, se torna: o ciclo econômico é consistente com o que o mercado precifica? De fato, o último dado de inflação dá maior tranquilidade, com a inflação mantendo sua tendência de desaceleração. E há motivos para acreditarmos que teremos novos impulsos deflacionários nos próximos meses.
Por exemplo, os gastos com aluguéis têm peso de 40% sobre o índice de inflação americana e há uma defasagem de 1 ano entre o aluguel praticado hoje no mercado e a sua manifestação no índice de inflação, pois o CPI considera o estoque dos aluguéis e não apenas o fluxo dos novos aluguéis. Se utilizarmos medidas de tempo real dos aluguéis, vemos que o CPI tem boa margem para recuar nos próximos meses. Durante a pandemia, muitos empreendimentos multifamiliares foram iniciados e há um tempo de construção a ser considerado, então, podemos antecipar que o aumento na oferta desses empreendimentos manterá uma tendência deflacionária nos aluguéis nos próximos meses. Além disso, a atividade econômica americana está em desaceleração, o que também contribuirá para manter a tendência desinflacionaria.
Se a inflação continuar baixa nos próximos 3 a 6 meses, a taxa de juros em 5,5% rapidamente se mostraria apertada em termos reais e se o Fed deseja fabricar um pouso suave, ele teria que começar a cortar a taxa de juros para manter o aperto real constante e evitar um aperto além da conta para a economia americana. Desta forma, isso explica a precificação de cortes nas taxas dentre os próximos 6 meses.
Entretanto, o risco é uma reaceleração da inflação. Esse cenário é provável à médio prazo, algo que o mercado parece ignorar nesse momento. Ainda observamos uma política fiscal expansionista e um mercado de trabalho apertado, o que pode pressionar salários. Os riscos geopolíticos ainda são elevados e podem pressionar os combustíveis. A economia americana ainda se mostra relativamente insensível às elevadas taxas de juros devido ao elevado estoque de crédito super barato da última década. Além disso, devemos entrar em um período de aceleração global da inflação de alimentos, o que poderia levar a inflação americana a 3,5% ao fim do primeiro semestre do ano que vem, patamar ainda elevado para o conforto do Fed.
Um dado preocupante são as expetativas de inflação a médio prazo que se mostram desancoradas da meta nesse momento, o que dificulta o trabalho do Fed, criando empecilhos para uma flexibilização maior da política monetária no curto prazo.
Outro fator de risco para o cenário de pouso suave é a atividade. Por mais que a economia americana tenha surpreendido positivamente esse ano, a tendência recente é de desaceleração. Os dados da indústria e varejo em outubro já vieram negativos e o mercado de trabalho começa a dar sinais mais claros de desaceleração, com o payroll de outubro vindo bem abaixo do esperado e os pedidos de seguro-desemprego acima da expectativa, em particular os pedidos recorrentes, que indicam uma dificuldade daqueles que foram demitidos em se recolocar no mercado de trabalho. Um primeiro sinal dessa desaceleração do mercado de trabalho vem do ritmo de contratação de trabalhadores temporários, que são os primeiros a serem cortados em momentos de desaceleração. Atualmente, o ritmo de contratação desses trabalhadores está em um patamar bastante deprimido, consistente com o observado em recessões passadas.
Para os próximos meses podemos esperar continuidade da tendência de desaceleração. O principal indicador antecedente da economia americana recuou mais que o esperado em outubro e se mantém em patamar consistente com recessões passadas. Além disso, a tendência de desaceleração no crédito é clara, o que limita uma retomada da atividade nos próximos meses.
Portanto, o consenso de mercado hoje é que a economia terá um pouso suave perfeito. Entretanto, a dinâmica atual do ciclo econômico nos pede cautela. Além disso, toda recessão parece com um pouso suave no início. Com exceção da recessão causada pela pandemia, observa-se uma desaceleração gradual até que a economia comece a contrair. O gráfico abaixo, feito por Dario Perkins, da TS Lombard, mostra que a narrativa de um pouso suave sempre ganha força nos meses que precedem uma recessão. Será dessa vez diferente?