Resumo
- O mês de maio finalmente trouxe dados na direção em que o banco central americano desejava para ter maior confiança em iniciar o ciclo de cortes nos juros, com mercado de trabalho e inflação enfraquecendo na margem;
- Ainda assim, os cortes nos juros estão distantes, pois a economia americana se mostra bastante robusta;
- Mas a função de reação do Fed se mostra mais sensível aos dados de atividade enfraquecidos, os levando a subestimar os riscos inflacionários;
- Apesar de não ser o cenário base, uma reaceleração inflacionária pode ter origem no mercado imobiliário. Argumentamos que nesse contexto, a postura consistentemente dovish do Fed pode se mostrar um erro à frente.
O mês de maio finalmente trouxe dados na direção em que o banco central americano desejava para ter maior confiança em iniciar o ciclo de cortes nos juros. Os dados do payroll surpreenderam negativamente, levando a um leve aumento na taxa de desemprego em abril, encerrando 5 meses consecutivos de crescimento de vagas, enquanto a inflação, pela primeira vez no ano, veio em linha com o esperado.
Mas isso não quer dizer que estamos prestes a ter o primeiro corte na taxa de juros. A economia americana continua robusta. Os indicadores antecedentes apontam para uma reaceleração, com PMIs de maio surpreendendo positivamente. Além disso, a pesquisa da National Federation of Independent Business indica que as intenções de contratação dos pequenos negócios aumentaram e que 40% dos empresários reportaram que não conseguiram preencher as vagas em aberto ao longo de abril, o que sugere um mercado de trabalho ainda apertado, mesmo com um resultado do payroll abaixo do esperado. Isso se reflete na estimativa de nowcasting do Fed de Atlanta, que indica um crescimento anualizado de 2,7% do PIB americano no 2º trimestre, sem sinal de desaceleração no radar.
A inflação, mesmo com o resultado em linha em abril, mantém-se em patamar desconfortável para o Fed, com alta de 3,4%, enquanto o Super Núcleo, medida do núcleo da inflação de serviços excluindo os gastos com habitação, acumula alta de 4,9% e em tendência de alta, com a inflação acumulada em 6 meses anualizada rodando a 6,5%.
Ainda assim, os membros do FOMC dão indícios de que estão ansiosos em iniciar o ciclo de cortes, em antecipação a uma eventual desaceleração da economia, que ainda não deu as caras. E essa antecipação leva o Fed a ignorar ou subestimar possíveis riscos inflacionários. Em parte, porque o Fed se mostra muito mais sensível à dados de atividade do que a dados mais fortes de inflação. Apesar da saúde da economia americana aparentar estar em dia, há alguns sinais que podem estar influenciando a avaliação do Fed. O payroll de abril foi um deles. Dados de emprego também sugerem um enfraquecimento, como é o caso dos trabalhos temporários, que tem apresentado saldo negativo de vagas criadas desde abril de 2022. Além disso, o crescimento dos salários tem desacelerado em direção à tendência pré-pandemia.
Isso faz com que o Fed avalie que o cenário de risco para a inflação está pendendo mais para uma inflação sub-ótima do que uma reaceleração inflacionária. A ideia é que, dada a conexão entre crescimento de salários e inflação, uma reaceleração da inflação agora demandaria um choque negativo de oferta. Choque esse que não parece muito provável de acontecer, pelo menos vindo dos suspeitos usuais, como energia/petróleo e mercado de trabalho.
É possível que, num futuro próximo, a tal desaceleração econômica com a qual o Powell se mostra preocupado realmente aconteça. Isso pode ser apenas a evolução inevitável do ciclo de negócios. Embora o corte pelo Fed possa não fazer uma grande diferença em evitar essa desaceleração, a atitude persistentemente dovish tem impacto direto nos preços dos ativos. E esse movimento hoje é amplificado pela quantidade massiva de recursos estacionados em money market funds, que é um ativo cash-like mas que rende juros. Esses recursos são altamente sensíveis às decisões do Fed. Se o cenário é de corte nos juros, haverá um movimento de saída desses ativos, uma vez que a renda de juros diminuirá.
Portanto, o afrouxamento das condições financeiras observado nos últimos meses, devido à um discurso mais brando do Fed, pode se mostrar um tiro no pé e gerar aceleração inflacionária à frente. Essa não parece ser uma preocupação do Fed hoje, pois, de fato, após a crise financeira de 2008 e subsequente choque de liquidez, a relação entre preços de ativos e inflação deixou de prevalecer. Mas a resposta à pandemia trouxe mudanças nesse front e pode reestabelecer essa relação, não via ações, mas via mercado imobiliário.
Em dezembro do ano passado, o Fed adotou um tom mais dovish. Desde então, os preços dos imóveis subiram 6% e a tendência é que subam ainda mais durante o ciclo de cortes. Além disso, em abril, 34% dos imóveis unifamiliares foram vendidos acima do preço pedido inicialmente, 10 p.p acima do observado em janeiro. Mas os preços dos imóveis não fazem parte do índice preços, apenas os aluguéis. Muitos argumentam que a inflação de habitação está fadada a desacelerar pois os dados de aluguéis em tempo real indicam estagnação e nos casos de novos apartamentos, até mesmo variação negativa, o que estaria em linha com a desaceleração do crescimento salarial.
Mas os aluguéis de novos apartamentos representam apenas uma parte muito pequena do estoque habitacional dos EUA, sendo que a maior parte dos aluguéis de apartamentos multifamiliares são de renovações de contratos. E esses aluguéis estão crescendo a uma taxa sólida de 5% ao ano. Enquanto isso, os aluguéis de casas unifamiliares cresceram 3,4% na taxa anualizada em março, de acordo com o índice calculado pela CoreLogic. E essa média é puxada para baixo por moradias para baixa renda e pelo sunbelt, que tem uma alta oferta desses empreendimentos. Enquanto isso, os reajustes de aluguéis de casas unifamiliares, que representam a grande maioria dos aluguéis de casas unifamiliares, também estão crescendo em acima de 5%.
Entretanto, esses aluguéis não entram diretamente no cálculo do CPI, que utiliza a metodologia OER (owner’s equivalent rent), que é um tanto quanto obscura e simplesmente pergunta ao proprietário do imóvel o quanto ele pagaria em aluguel para ter um custo similar ao custo mensal da sua propriedade. Ainda assim, existe uma boa probabilidade de que esses custos de aluguel mais altos apareçam nas estatísticas do CPI nos próximos meses, o que será significativo, uma vez que os aluguéis representam 40% do CPI.
Esse movimento de pressão nos aluguéis é reflexo da última grande crise financeira, que gerou uma década de subconstrução de casas e, consequentemente, uma escassez de oferta, enquanto a demanda permanece elevada uma vez que toda a geração millenial está entrando na idade de formação familiar e o custo de se alugar é bem mais atrativo do que comprar um imóvel em meio às elevadas taxas de hipoteca.
Em relatórios recentes, já argumentamos que a postura mais dovish do Fed é inadequada por conta dos seus impactos sobre os preços dos ativos, uma vez que os investidores se posicionam de modo a antecipar o movimento do Fed. Isso tem o agravante do efeito riqueza sobre o portfólio dos agentes, que podem usar esse ganho de riqueza para financiar a aquisição de novas casas em um mercado restrito por oferta que já está aquecido. Um eventual corte de juros poderia fazer com que uma significativa quantia de recursos estacionadas em market money funds fosse direcionado a outros ativos, inflacionando-os ainda mais. Portanto, uma flexibilização da política monetária sem maiores garantias de que a inflação está de fato controlada, pode ser o gatilho para um cenário em que a inflação volte a sair do controle.